Segunda noite do Festival de Paulínia mostra doc sobre o jornalista Paulo Francis e emociona com ficção sobre a história real do "contador de histórias" Roberto Carlos Ramos
Por Adriana Douglas, de Paulínia Publicado em 14/07/2009, às 11h23
Fosse por meio de uma gargalhada ou uma rajada de angústia, a primeira sessão aberta ao público do II Festival de Cinema de Paulínia, nesta sexta, 10, ganhou a atenção dos espectadores com produções focadas em personagens essencialmente humanos. O documentário sobre o jornalista Paulo Francis, Caro Francis, de Nelson Hoineff, e o longa O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, trouxeram à tona duas realidades baseadas nas figuras de homens que fizeram suas próprias histórias.
O filme À Deriva, de Heitor Dhalia, abriu a maratona cinematográfica na quinta, 9. Saiba mais.
Polêmico e, por vezes, desbocado, Francis - falecido em 1997 após sofrer um ataque cardíaco - é retratado pelas lentes de Hoineff (Alô Alô Terezinha) como o autor de livros frustrado e o carismático comentarista televisivo. Por não se tratar de um filme biográfico, mas de um diálogo com o próprio jornalista, o documentário resgata momentos marcantes da carreira de Francis como forma de arquivar as boas memórias que se tem de seus trabalhos e feitos.
"É uma carta entre mim e um amigo", explicou o cineasta. "Queria trazer um Francis que as pessoas não conheciam". E para dar o tom de intimidade com a vida do jornalista, amigos, colegas e entendidos de Paulo Francis deram seu parecer acerca de episódios emblemáticos na vida do profissional, os pontos mais atrativos da produção. "Usamos nós importantes em sua vida sobre os quais nos apoiamos para desenvolvermos a narrativa do documentário", afirmou Hoineff. "A frustração do não-reconhecimento como escritor, o desligamento com a Folha de S. Paulo, a transição do trotskismo para o conservadorismo, a polêmica da Petrobras e as circunstâncias de sua morte."
O legado deixado no jornalismo brasileiro pelo multifacetado Paulo é o que, de fato, é levado em consideração pelo diretor. Nesse caso, Hoineff, também jornalista, teve o cuidado em escolher depoentes mais chegados a Francis, que o poupassem de críticas ou criassem alguma tensão ao redor de sua imagem. Inserções de gravações feitas nos programas Jornal da Globo e Manhattan Connection, do canal por assinatura GNT, colocaram o jornalista "real" diante da plateia, que não deixou de se divertir com os comentários debochados e cômicos de Francis.
A vida como ela (não) é
Se em Caro Francis foram usadas verdades para se construir um personagem real, em O Contador de Histórias, um personagem real foi retratado dentro de uma perspectiva mágica. A vida de Roberto Carlos Ramos, um homem que superou a pobreza e a marginalidade, é contada por meio da mistura com o que realmente viveu e o que imaginava que lhe acontecia.
O terceiro longa-metragem de Luiz Villaça, diretor e corroteirista do projeto, teve em Paulínia a "primeira exibição efetiva para o público". Ao tratar de uma trama baseada na realidade brasileira da miséria e desilusão social, o cineasta injetou sensibilidade e um toque humanista na plateia, que riu e chorou com os conflitos e vitórias de Roberto. "O filme parece reger o público", confessou Villaça em entrevista coletiva de imprensa neste sábado, 11.
Em meados da década de 1970, Roberto, filho caçula de 10 irmãos e morador de uma favela em Belo Horizonte, é levado pela mãe para a então Febem de Minas Gerais (hoje, chamada Fundação CASA). A instituição, à época, prometia dar às crianças a formação necessária para que se tornassem grandes profissionais. No entanto, com o passar dos anos, o menino é estigmatizado pelas autoridades como "irrecuperável", por conta de suas inúmeras fugas. Até que um dia, uma pedagoga francesa, Marguerit (interpretada com maestria por Maria de Medeiros), resolve investir seus estudos em Roberto, analisando o caso do garoto de perto. Os dois dão início a uma relação de cumplicidade e amor que leva a mulher a levá-lo para morar.
Com a ajuda da atuação de jovens estreantes, a produção passou genuinamente às telonas o mundo de fantasia no qual Roberto transmitiu sua verdadeira história. A magia adquirida pelo rapaz o levou a ser considerado, atualmente, como um dos melhores contadores de história do mundo, depois de se formar em pedagogia - tal qual sua "madrinha". "A história de Roberto daria uma novela ou uns cinco longas. Então, tivemos que ter o cuidado de não deixar nada importante de fora", disse Villaça. "Ela é muito fantasiosa, mas é assim que ele conta e é isso que nos interessa", acrescentou o produtor Francisco Ramalho Jr.
O diretor esclarece que, apesar da forte característica biográfica na trama, o longa é uma ficção, com toques editorais sutis. "Há dois momentos no filme que eu e meus roteiristas colocamos nossa opinião", afirmou. Na indignação com o tratamento dado às crianças pela instituição oficial, no abuso sexual sofrido pelo protagonista e nas angústias pessoais sentidas pelo garoto, até mesmo os mais durões se deixam emocionar através das lentes de Villaça e delicadeza dos atores mirins.
O Contador de Histórias estreia em 7 de agosto no circuito nacional.
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