"Tem essa coisa do Rock in Rio, depende de sermos ou não convidados", diz Courtney Love sobre a possibilidade de fazer shows no país - Christopher Nelson

Courtney Love faz retorno triunfal a Seattle

Contrariando as expectativas, cantora mostrou o Hole em sua melhor forma no berço do grunge; Courtney falou com exclusividade à Rolling Stone Brasil

Por Bruna Veloso, de Seattle (Estados Unidos) Publicado em 29/09/2010, às 12h48

"Ok, vocês estão com medo de mim?", pergunta Courtney Love a um pequeno grupo de jornalistas, que aos poucos entra em uma sala privada no Seattle Center, em Seattle (Estados Unidos). Ela caminha pelo espaço pedindo um carregador de iPhone, sem obter resposta. Aparentemente, sim: a figura mais polêmica da 40ª edição do festival Bumbershoot amedronta, a ponto de a cantora ter de perguntar três vezes pelo carregador antes que alguém tivesse coragem de responder.

Courtney Love está magra, maquiada, bela: a norte-americana de 46 anos, que mais tarde naquele mesmo 5 de setembro faria um show surpreendentemente (a julgar por algumas das últimas apresentações da problemática turnê do disco Nobody's Daughter) conciso e adoravelmente gutural, participou de uma sessão para a rádio local The End, assistida por jornalistas e ouvintes sorteados. Falando, como de costume, sem parar, citando nomes famosos constantemente e fazendo piadas com quem quer que seja, Courtney comanda a audiência num show de perspicácia, falta de pudor e um pouco de loucura.

"Eu faço bem sexo oral" (uma tradução comportada para "I give a good blow") é uma das primeiras frases de Courtney durante o evento. A representante da rádio tem problemas em conduzir o bate-papo, já que Courtney Love não se deixa ser conduzida: ela menciona o pênis de seu ex-marido, Kurt Cobain ("I remember his peene"), uma suposta ameaça de morte ("Estou com meus três guarda-costas e com a polícia de Seattle, porque não importa o que eu faça, eles continuam me adorando", afirma, em tom de brincadeira) e a vontade de ter Melissa Auf Der Maur de volta ao Hole ("Mas um empresário queria que fizéssemos uma turnê de reunião tocando apenas 'Celebrity Skin', 'Malibu', e eu prefiro morrer. Ou ganhar menos dinheiro e abrir para o Weezer [a banda de Rivers Cuomo foi a headliner da noite no festival]").

Na sala, também está presente o escritor Charles R. Cross, autor da biografia Mais Pesado que o Céu, que servirá de base para uma cinebiografia de Kurt Cobain. Courtney não quer falar muito sobre o filme, mas em uma conversa com Cross os dois deram a entender que James McAvoy está entre os favoritos para viver o líder do Nirvana na telona.

Abaixo, você confere um trecho da coletiva/pocket show. No vídeo, Courtney presta homenagem a Seattle com um cover de "Jeremy", do Pearl Jam, ao lado de seu braço direito nessa nova encarnação do Hole, o jovem guitarrista Micko Larkin:

De volta para "casa"

Seattle, berço do grunge e local onde Kurt, símbolo do gênero, cometeu suicídio, não agrada a Courtney. Poucos dias antes do festival, ela afirmou, via Twitter, que não estava nada ansiosa para tocar na cidade - o que gerou ainda mais especulação sobre como seria o show do Hole, depois de mais de uma década longe do lugar. Apesar de ter frisado o fato de não ser de Seattle (ela nasceu em São Francisco, Califórnia), Courtney saúda o público do Memorial Stadium com um "Olá, lar". Os (provavelmente muitos) "odiadores" no público tiveram motivos de sobra para se decepcionar. Courtney Love e sua banda (que não é expressiva, apesar de competente) chegaram pontualmente às 19h30, sob um som gravado, orquestral. De cara, ela mostra que seus gritos ainda são extremamente potentes, com a introdução de "Pretty On the Inside", do primeiro disco do Hole (homônimo, lançado em 1991 e composto antes de Courtney conhecer Cobain). Seguem uma versão de "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones, e "Skinny Little Bitch", uma das melhores faixas de Nobody's Daughter, lançado no último mês de abril.

As músicas do álbum - entre elas "Honey" (a segunda faixa feita por Courtney sobre Kurt Cobain; a primeira foi "Northern Star", do disco Celebrity Skin), "Pacific Coast Highway" e "Samantha" não empolgam tanto quanto os clássicos do subestimado Live Throught This, lançado logo após a morte do cantor. "Violet", "Miss World" e "Doll Parts" são urradas pela plateia, com Courtney oferecendo o microfone em direção à frente do palco. Como antigamente, ela apóia a perna esquerda em um baú para tocar guitarra, faz gestos obscenos e grita - muito -, sempre conversando com o público.

Além das já citadas "Sympathy for the Devil" (com a qual ela também encerrou a apresentação) e "Jeremy" ("Nunca mais vou tocar essa música", ela diz; "Somos péssimos nela... Na melhor das situações, soa esquisito. Mas tenho que tirá-la do meu sistema"), Courtney fez um belo cover de "Cod'ine", escrita pela cantora folk canadense Buffy Sainte-Marie. Veja abaixo:

Rock in Rio?

Cerca de 20 minutos após a apresentação, Courtney Love recebe a reportagem da Rolling Stone Brasil em seu camarim para uma rápida entrevista. Esparramada em um sofá, ela pede desculpas por estar entretida com seu inseparável iPhone, fuma dois cigarros e, apesar de visivelmente cansada, não deixa de ser receptiva e carismática.

Mesmo com a relação conturbada com Seattle, o show da cantora foi especial: além de ser a última data antes de uma pausa na turnê, a apresentação marcou o retorno da viúva mais polêmica dos anos 90 à cidade. "Eu fiquei olhando para o Space Needle [obra turística próxima ao local do show]. A última vez que estive aqui, nessa área, foi quando meu marido morreu. Foi estranho, mas já faz muito tempo", afirma.

Sim, faz muito tempo: passaram-se 16 anos desde a morte de Kurt Cobain, e a figura de Courtney Love jamais foi desassociada do ídolo. Mas mesmo quando o entrevistador não cita o ex-líder do Nirvana, Courtney coloca-o na conversa. Apesar de seguir em frente, aparentemente ela tem, mesmo que inconscientemente, o fantasma do grunge sempre à sua volta.

Poucos artistas tiveram a vida privada dilacerada de maneira tão intensa e predatória pela mídia quanto Courtney Love. Desde o momento em que foi acusada de usar heroína durante a gravidez de Frances Bean, passando pela lenda infundada de que ela estaria envolvida na morte de Kurt até os dias de hoje, quando perdeu a guarda da filha, Courtney segue como alvo fácil para críticas. E claro, ela sabe: o jeito "faço o que quero", a boca aberta e os passados problemas com as drogas contribuíram para torná-la um totem do ódio público.

Uma atmosfera "favorável" para artistas que se alimentam de sofrimento para compor? Não é o caso de Courtney. "Gosto de estar apaixonada, é melhor para escrever", ela afirma. Parte de Nobody's Daughter foi escrita com motivação vinda de períodos em clínicas de reabilitação, parte de uma paixão. "Tive um relacionamento esquisito e disfuncional na época. Sabia que era inútil, mas sabia que era útil para escrever músicas. Eu me apaixonei, mas estava com um cara em um relacionamento estúpido, e eu sabia disso. Ao mesmo tempo, eu o usei para ter alguém sobre quem escrever." Courtney Love revela que há cerca de 15 músicas desse período que ainda podem ser lançadas, entre inéditas e versões alternativas de faixas do disco.

Em sua primeira visita ao Brasil, Courtney Love estava apaixonada. Ela passou pelo Rio de Janeiro com o então marido para o show do Nirvana no Hollywood Rock, em 1993, naquela que é considerada uma das piores apresentações da carreira do trio. Chegou a gravar versões iniciais do material que mais tarde entraria em Live Through This e a registrar, em uma das poucas gravações disponíveis em parceria com Kurt, a música "Closing Time" (também conhecida como "Drunk in Rio"), mas nunca se apresentou no país. "Tem essa coisa do Rock in Rio, depende de sermos ou não convidados", diz sobre a possibilidade de fazer shows no país. Mas, no momento, ela pretende visitar outra nação da América do Sul. "Quero ir para Caracas ver o [Hugo] Chávez. Gosto dele, ele é engraçado [risos]. Ele me mandou flores no meu aniversário." Courtney conheceu Chávez em 2009, na pré-estreia do documentário Ao Sul da Fronteira (de Oliver Stone), do qual Chávez é um dos temas centrais.

A relação de Courtney com o cinema não se limita a eventos frequentados por políticos sul-americanos. Ela atua (bem, diga-se), e chegou a ser indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz por O Povo Contra Larry Flint, de 1996 (estão na lista de trabalhos anteriores Sid & Nancy, de 1986, e A Caminho do Inferno, de 1987). Por enquanto, outros papeis não estão nos planos. "Adoraria atuar, mas prefiro ter a opção de interpretar quem eu quiser. Eu amo esse disco, amo minha banda, amo tocar, então está tudo bem."

Courtney Love se levanta, acende um cigarro em uma vela, sobe o vestido preto que usou no show até a altura do tronco para arrumar a calcinha. Ela fala sobre o quanto adora um chapéu que está no camarim e diz acreditar que o escasso surgimento de mulheres de peso no rock se deve ao fato de "ser tanta merda, tanto problema, que nem todo mundo consegue lidar". Genuína, imprevisível, louca, inconsequente: Courtney Love é, para o bem ou para o mal, a grande figura feminina do rock nas últimas duas décadas. E mesmo estando cansada de falar sobre o passado, o futuro só a ela pertence. "Sim, eu tenho um grande plano para o futuro. Mas não vou dividir com você. Só digo que tem a ver com vida em família. Só isso."

Hole seattle Courtney-Love

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