Banda liderada por Robert Smith faz outro show com mais de três horas de duração, toca 40 músicas e apazigua a saudade dos fãs
Pedro Antunes
Publicado em 07/04/2013, às 03h04 - Atualizado às 11h51Uma apresentação do The Cure é como o roteiro de uma noite em claro, do pôr-do-sol ao seu ressurgimento, da euforia às sombras, para chegar ao encerramento luminoso. Estas metafóricas 12 horas são traduzidas em três horas e quinze minutos, ao som de 40 canções que viajam pela extensa carreira de Robert Smith e sua trupe.
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Depois da apresentação no Rio de Janeiro (leia mais aqui), também com mais de três horas de duração, na última quinta, 4, o Cure chegou a São Paulo, neste sábado, 6, na Arena Anhembi – depois da troca do estádio Morumbi para o novo espaço, localizado na zona norte da cidade –, com a missão de encarar mais uma maratona sonora. De novo, foram quatro dezenas de canções, interpretas por um Robert Smith simpático, disposto e com um gogó de fazer inveja.
A banda não se furtou dos hits, claro, mas deu espaço para um material mais obscuro. A abertura, como no Rio de Janeiro, veio com “Open”, “High” e “The End of the World”. Um aquecimento para “Lovesong”, primeira música bem-recebida pelo público, que somou 30 mil pessoas, segundo a produção do evento. Os gritos de “I will always love you”, vindos de Robert, ecoaram e atingiram os corações mais frágeis.
Este é, aliás, um dos grandes trunfos das composições do vocalista da banda, atualmente com 54 anos de idade. Seus versos vão fundo em sentimentos já endurecidos com o tempo, buscam pelas feridas pouco cicatrizadas, vasculham por lembranças de amores impossíveis. “Just Like Heaven”, por exemplo, é capaz de arrancar algumas lágrimas. “From the Edge of the Deep Green Sea” e “Pictures of You” são tristes, mas, contraditoriamente, foram recebidas com alegria pelo público.
Nesta jornada, Robert Smith é muito bem acompanhado pelo excelente guitarrista Reeves Gabrels, pelo topetudo e vigoroso baixista Simon Gallup, o dançarino tecladista Roger O'Donell e o potente baterista Jason Cooper. Apoiado por eles, Robert pouco toca guitarra ou violão – ele faz as bases e um solo ou outro. O baixo de Simon, vital nas gravações de estúdio, começou a apresentação sumido, mas o erro foi corrigido logo. Já Roger, com os teclados e sintetizadores, foi acompanhado um par de vezes por coros do público, em “In Between Days” e “Play for Today”.
Depois da última, a euforia da noite foi acalmada pela banda, que decidiu inserir canções mais soturnas. É como se a festividade do início da noite imaginária desse lugar à raiva e a sentimentos confusos. Chega “A Forrest”, executada com luzes baixas, verdes, enquanto a floresta do título era exibida no telão central, atrás da banda, em preto e branco, seguida pela raivosa “Bananafishbones”, introduzida pela gaita de Robert, e “Shake Dog Shake”, ambas do disco The Top, lançado em 1984, depois que Simon deixou o posto de baixista da banda, o que resultou numa sonoridade diferente do grupo.
Um último momento pop chega com “The Walk”, que se embebeda da efervescente cena eletrônica de quando foi lançada, em 1983, “Mint Car” e chega ao ápice com “Friday I’m In Love”, cantada com gosto por Robert e por um coro de 30 mil vozes. E, veja bem, essa era apenas a metade do set que era preparado para a noite de sábado.
A banda entra, então, numa viagem psicodélica, que se arrasta por sete canções mais shoegaze, entorpecidas de distorções nas guitarras. Em “One Hundred Years”, que estava entre elas, a corda Lá da guitarra de Robert estourou, mas ele se manteve no solo até o fim. O trecho foi encerrado com “End”, que, como o próprio nome diz, encerrava aquele que pode ser entendido como o fim do trecho principal do show, às 22h27.
Como já era sabido, ainda restava um terço da apresentação. E Robert permanecia com sua performance invejável, cheio de carisma, profissionalismo e vigor. Mesmo com alguns quilinhos a mais, ele se apresentou com estilo, unindo a cabeleira avantajada e rebelde com uma camisa preta cheia de gliter, calça escura e um sapato de plataforma. Ele até arriscou alguns passos de dança cômicos e cheios de fofura em “Close to Me”, recebidos com gritos eufóricos das moças presentes, como se fosse um sex symbol rebolador dos anos 90.
“The Kiss”, “If Only Tonight We Could Sleep” e “Fight”, com versos como “Sometimes I feel so old”, deram cabo do primeiro retorno da banda aos palcos e encerraram os momentos mais nebulosos do setlist. Nesta noite louca proposta por Robert Smith, o sol já nascia e, com ele, chegaram canções mais solares e iluminadas, como “The Lovecats” e “The Caterpillar”.
Com “Boys Don’t Cry”, o Cure atingiu seu ponto máximo de excitação. Seguindo surfando na mesma onda, vieram “10:15 Saturday Night” e “Killing an Arab”, na versão menos controversa, chamada “Killing Another”. Ao fim do show, às 23h28, Robert deixa o resto dos integrantes saírem e troca acenos com a plateia, sorridente e suado. Dá a impressão que ele aguentaria outras três horas ou, quem sabe, poderia tocar até que o metafórico nascer-do-sol realmente acontecesse. Os fãs, devotos e saudosos desses 17 anos de ausência, certamente topariam.