- Dead Fish (Foto: divulgação)

Dead Fish chega aos 30 anos mais necessário do que nunca: 'Nosso trabalho é contestar o fascismo' [ENTREVISTA]

À Rolling Stone Brasil, Rodrigo Lima fala sobre três décadas de Dead Fish, luta contra fascismo e apresentação no Noise Knob Festival

Itaici Brunetti Publicado em 10/07/2021, às 11h20

"Não fiquei milionário, vou ter problemas econômicos porque sou brasileiro e provavelmente não me aposentarei, mas quero fazer isso para o resto da minha vida" afirma Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish, banda capixaba de hardcore que está completando 30 anos de estrada em 2021. 

Formado em 1991, na cidade de Vitória, Espirito Santo, o Dead Fish trilhou o caminho mais árduo de um artista no Brasil: o de não perder a identidade em nenhum momento cedendo às imposições do mercado musical. E, mesmo assim se tornou uma das principais bandas de punk e hardcore do país, conquistando uma legião de fãs.

À Rolling Stone Brasil, Rodrigo Lima, integrante remanescente da banda, revelou que guarda com carinho na memória o momento em que fundou o próprio selo [Terceiro Mundo Produções Fonográficas] na casa de sua mãe em Vitória, e depois quando o grupo assinou com a Deckdisc para o álbum de sucesso Zero e Um (2004). 

"Eu resisti a assinar [com a Deckdisc], mas fui convencido pela banda e pelo produtor Rafael Ramos." relembra Rodrigo. "Quando finalizamos o Zero e Um e fomos obrigados a se mudar para São Paulo, tive uma sensação tão grande de felicidade que pensei: 'Deu certo! É isso aí o que quero fazer da minha vida,'" completou ele que mora na capital paulista há 17 anos. 

+++LEIA MAIS: Furioso, Dead Fish aposta em intelecto, raiva e crítica à classe média no novo disco Ponto Cego

Outra etapa que deixa o vocalista orgulhoso foi ter feito o álbum Ponto Cego (2019). "Quando entregamos as músicas para o Bill Stevenson [Descendents e Black Flag] mixar e masterizar, me realizei", disse. O trabalho retrata liricamente e com indignação a situação política e social brasileira que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e na ascensão da extrema-direita no país. 

"Sou da escola do João Gordo e do João Carlos [Ratos de Porão], do Redson [Cólera] e do Jello Biafra [Dead Kennedys]. A minha estética além de ser barulhenta é contestadora, é de levar as pessoas a refletirem. É o nosso trabalho contestar o fascismo. É o nosso trabalho ser contestador", afirma Rodrigo.

O cantor continua: "Esse foi o meu trabalho por 30 anos e agora é mais ainda nesse momento em que o fascismo passou largamente, porque o "Bozo" [se referindo ao presidente da República Jair Bolsonaro] sai, mas o circo não cai. Então, não é uma luta só para 2022, é uma luta para a vida." 

+++LEIA MAIS: Novo disco do Dead Fish foi finalizado por baterista do Descendents

Rodrigo, que se autodenomina pessimista, crê que artistas surjam e se levantem para engrossar o coro na luta: "Espero que o punk se revigore de uma forma muito forte nesse momento de censura velada, em que tiram dinheiro da cultura para intencionalmente nos calar. E, se você se cala em momentos de fascismo, você é cúmplice. Então, qualquer artista, de qualquer nicho, que não se posiciona está compactuando."

Ele reforça: "Precisamos de todo mundo nesse momento. Todo mundo que assume uma postura antifascista é necessário."

"Sem entender a mensagem"

Anos atrás, o Dead Fish se assumiu como uma banda de esquerda e gerou ira e afastamento de vários fãs que levaram a discussão para a internet. Todavia, Rodrigo não se incomodou com a indignação de parte dos fãs, mas ficou com raiva por eles não entenderem as mensagens contidas em suas letras.

"Como assim, cara? Estou falando sobre isso há vinte e tantos anos e você não se ligou ainda? Isso me deixou bravo," explica o vocalista. "Sabe, não fiquei nem um pouco incomodado, fiquei é com raiva. O incomodo foi esse", completa. 

Para ele, essa dispersa de alguns fãs foi "uma boa separação do joio do trigo". "Perdemos bastante gente que estava ali pelo entretenimento, o que eu não via problema nenhum desde que tivessem suas ideias progressistas e não fossem homofóbicos, racistas e xenófobos," explica o cantor.

Dead Fish (Foto: Dani Moreira)

Noise Knob Festival

Quem já assistiu ao Dead Fish ao vivo, sabe que Rodrigo, Marcos 'Marcão' Melloni (bateria), Ricardo 'Ric' Mastria (guitarra) e Igor Tsurumaki (baixo) são ligados no 220 volts quando sobem ao palco. E, assim como todos os músicos existentes, estão sofrendo com a falta de shows devido à pandemia do coronavírus. 

"Está sendo muito dolorido, porque sempre fomos uma banda de estrada desde o dia um," lamenta o vocalista e prossegue: "As opções online são boas válvulas de escape, mas nada substitui os palcos, principalmente para o Dead Fish que é uma banda quente e próxima do público."

+++LEIA MAIS: Como o The Clash inspirou Bob Marley a compor 'Punky Reggae Party'?

Para os fãs que estão com saudade de cantar as letras de Rodrigo e vê-lo pular insanamente, o Dead Fish é uma das apresentações do Noise Knob Festival, que acontece nos dias 9 e 16 de julho. "O Noise Knob é legal porque tem várias bandas que a gente gosta e que estão passando tanto veneno quanto a gente. É um reencontro com os nossos." diz. 

Além do Dead Fish, se apresentam no festival Ratos de Porão, Surra, Questions, Glória e Bayside Kings. Os shows podem ser assistidos a partir das 19h (em ambos os dias) no canal do Youtube do Noise Knob Festival. 

Agora, sobre voltar aos shows presenciais na pandemia, Rodrigo se posiciona: "Recebemos convites para fazer shows em dezembro [de 2021], e eu disse: 'Espera aí, 70% das pessoas vão estar imunizadas em dezembro?' Eu não sou imbecil, irresponsável e por mais que eu esteja passando por dificuldades econômicas, não vou colocar a vida de pessoas em risco em uma situação que vai contra as ideias do que a gente têm para sair desse imbróglio pandêmico."

"Banda que mais errou"

Embora tenha se tornado um dos maiores nomes do punk e hardcore do país, o Dead Fish poderia ter alcançado outros patamares de sucesso, mas de acordo com Rodrigo, foi a "banda que mais errou na vida."

"A gente fez movimentos errados devido às nossas posturas complicadas. Acho que por causa do meu mau-humor, do meu azedume, das minhas ideias e ideologias a banda não andou muito para frente em alguns momentos", diz ele. "No entanto, me sinto orgulhoso de ter dito não para várias coisas, como em não aliviar o som e fazer concessões para ter uma vida mais confortável. Não fundei o Dead Fish para isso," enfatiza. 

+++LEIA MAIS: João Gordo critica governo Bolsonaro: 'Quem apoia tem as mãos sujas de sangue'

Segundo Rodrigo, não há nenhum sentimento de raiva ou frustração em relação às escolhas feitas no passado. O vocalista de 48 anos ainda deixa claro que não muda a sua postura e nem os seus ideais por nada: "Eu gostaria de ter ido a mais lugares? Claro que sim, mas do meu jeito e não do jeito que as pessoas achavam que eu deveria ser ou fazer. Continuo intransigente e o meu caminho é esse."


+++ OS 5 DISCOS ESSENCIAIS DE BOB DYLAN | ROLLING STONE BRASIL

música entrevista notícia Fascismo 30 anos Dead fish rodrigo lima

Leia também

Viola Davis receberá o prêmio Cecil B. DeMille do Globo de Ouro


Jeff Goldblum toca música de Wicked no piano em estação de trem de Londres


Jaqueta de couro usada por Olivia Newton-John em Grease será leiloada


Anne Hathaway estrelará adaptação cinematográfica de Verity de Colleen Hoover


Selena Gomez fala sobre esconder sua identidade antes das audições


Liam Payne: Harry Styles, Zayn Malik, Louis Tomlinson e Niall Horan se despedem do ex-One Direction em funeral