Obra de John Waters é tema de mostra em São Paulo - Divulgação

Delícia de mau gosto

Mostra traz a São Paulo o universo bizarro do cineasta John Waters, o "papa do trash"

Natalia Barrenha Publicado em 24/02/2012, às 10h18 - Atualizado às 11h15

Divine gritou: “Boise, Idaho, esteja pronta! Você está prestes a receber alguns imigrantes de uma natureza muito especial; uma natureza que desafia qualquer descrição. Você está prestes a receber as pessoas mais asquerosas do mundo!”. Agora, é a vez da mostra John Waters – o Papa do Trash gritar: “São Paulo, esteja pronta! Você está prestes a receber alguns filmes de uma natureza muito especial; uma natureza que desafia qualquer descrição. Você está prestes a receber os filmes de John Waters!”.

Em Pink Flamingos, Divine, travesti de 130 quilos, não sequestra moças para engravidá-las e vender seus bebês a casais de lésbicas; nem usa o dinheiro para sustentar uma rede de distribuição de drogas para crianças, como fazem seus rivais, os Marbles. Ela quer apenas manter seu título: o de pessoa mais asquerosa do mundo.

Para John Waters, a pessoa mais asquerosa do mundo é uma diva, sua musa, de glamour tão desproporcional quanto suas sobrancelhas e sua pança. Corpos transgressores, ações transgressoras. No cinema de Waters, a transgressão é uma alegre celebração. Essa celebração, materializada pelo cineasta em doze longas-metragens, desembarca em São Paulo em John Waters – o Papa do Trash, de 24 de fevereiro a 1 de março, no CineSESC.

Foi o escritor William Burroughs, um dos ícones da contracultura, quem deu o apelido de “papa do trash” ao diretor norte-americano, conhecido ainda como “príncipe do vômito” (nada mais justo: em todos os filmes há pelo menos uma cena do tipo). Nascido em 1946, na caipira Baltimore (cenário inevitável de todas as suas histórias), Waters começou a fazer curtas-metragens na década de 60, com uma câmera 8 mm que ele havia ganhado da avó. Em 1969, veio o primeiro longa, Mondo Trasho, no qual uma moçoila platinada a la Sônia Silk, após uma tarde de amor com um maníaco por pés, é atropelada por Divine, ao som de músicas de rock que se emendam uma na outra, acompanhando cada segundo da trama sem diálogos. No ano seguinte, ele realizou Multiple Maniacs, considerado pelo diretor sua primeira “atrocidade celuloide”. À câmera caótica e em preto e branco que tateava os atores desnorteados nessas duas primeiras produções segue-se a trilogia trash formada por Pink Flamingos (1972), Problemas Femininos (1974) e Desperate Living (1977), e depois os sucessos Polyester (1981) e Hairspray (1988).

Clique aqui para saber mais sobre cada um dos filmes da mostra.

Waters funde cinema underground a noir e pornô barato com paixão por uma narrativa clássica que ele sempre termina por subverter. Ele encadeia situações e dezenas de personagens com um frenesi tão grande que, quando chegamos ao fim da jornada de seus anti-heróis, o mais divertido é lembrar-se do estopim de tudo o que acabamos de ver.

O cineasta opta por uma estética do grito, do lixo, do desbunde, do escracho ilimitado. Muito do potencial ultrajante dos filmes de Waters orbita ao redor de um mundo imundo. Por meio de Divine, Waters proclamava: “A sujeira é a minha política, a sujeira é a minha vida”. Precursor da apropriação do mau gosto, o diretor constrói seus personagens marginais, de corpos e costumes livres, como mocinhos da história, triunfantes no último ato. Ele faz uma ode à beleza do feio e propõe, por meio desses grupos estrambóticos e insalubres, o absurdo da sociedade correta, limpa, bonita. Os planos longos, sem cortes nem close-ups permanentes, dão mais realismo às tramas nonsense, ao mesmo tempo em que as tornam mais desconjuntadas – os filmes de Waters não só se ocupam de pessoas e histórias bizarras, mas são bizarros. Ele abraça com convicção as irregularidades e defeitos de suas produções, como uma negação à perfeição que tanto abomina.

Os filmes mais recentes do diretor – Cry-Baby (1990), Mamãe É de Morte (1994), O Preço da Fama (1998), Cecil Bem Demente (2000) e Clube dos Pervertidos (2004) – afastam-se um tanto do freak extravagante de seus primeiros tempos, mas continuam a dispensar qualquer solenidade com assuntos polêmicos. Como é dito no catálogo da mostra do CineSESC, as inversões de valores que Waters pratica em seu cinema pseudocomportado dos anos 1990 valem tanto ou mais que os abusos empreendidos há quatro décadas.

Com bigodinho homenageando Little Richard, cabelo impecavelmente penteado para trás e quase cinquenta anos detrás das câmeras, John Waters não se furta a promover seu genuíno louvor ao que é indecoroso. Dos bons costumes às lagostas, dos rebeldes sem causa às donas de casa dedicadas, do mashed potato às rainhas tirânicas de contos de fada... O papa do trash não poupa ninguém.

John Waters – o Papa do Trash

De 24 de fevereiro a 1 de março

CineSESC – Rua Augusta, 2075, São Paulo

Ingressos vendidos na bilheteria do Cine Sesc

Programação completa e catálogo para baixar: http://mostrajohnwaters.com.br/

24 de fevereiro

19h30 – Mondo Trasho*** (18 anos)

21h30 – Hairspray – Éramos tão felizes*** (16 anos)

25 de fevereiro

19h30 – Cry Baby* (14 anos)

21h30 – Pink Flamingos*** (18 anos)

26 de fevereiro

19h30 – Mamãe é de Morte* (14 anos)

21h30 – Cecil Bem Demente* (18 anos)

27 de fevereiro

19h30 – O Preço da Fama*** (18 anos)

21h30 – Hairspray – Em busca da fama* (Livre)

28 de fevereiro

19h30 – Problemas Femininos*** (18 anos)

21h30 – Desperate Living*** (18 anos)

29 de fevereiro

19h30 – Multiple Maniacs*** (18 anos)

21h30 – Clube dos Pervertidos* (18 anos)

1º de março

19h30 – Hairspray – Éramos tão felizes*** (16 anos)

21h30 – Polyester* (18 anos)

*Exibição em 35mm

**Exibição em DVD

***Exibição em BetaDigital

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