Músico diz que Mala é um álbum de transição na sua forma de compor e criar músicas
Pedro Antunes Publicado em 21/03/2013, às 18h30 - Atualizado em 21/09/2013, às 19h38
Devendra Banhart sempre levou a fama de hippie esquisito da música norte-americana. Da liberdade sem amarras veio a incompreensão e os rótulos de freak folk, entre outros que o magoavam no início da carreira. Agora, aos 31 anos, o músico, cantor e compositor, nascido nos Estados Unidos, mas com ascendência venezuelana, chega ao oitavo álbum com uma postura diferente daquela apresentada no início, sem aquela busca insensata e vã por inclusão. “No começo, isso me influenciava bastante”, diz o músico, à Rolling Stone Brasil, por telefone, de Nova York, cidade onde mora.
Com Mala, que já chegou às lojas do resto do mundo e será lançado no Brasil em abril, pela Warner Music, ele está pronto para alçar voos de liberdade. Trata-se de um disco que nasceu em seu próprio tempo, sem pressa ou agitação. Devendra passou os últimos três anos, desde o fim da turnê do álbum What Will We Be, de 2009, dedicando-se à arte visual e aos desenhos. Esta, ainda que fosse a primeira manifestação de expressão do músico quando jovem, havia ficado adormecida enquanto ele se encontrava através das canções. Voltar a ela por tanto tempo significou transformar a própria forma de compor. “Este é um disco de transição”, explica ele. “Da forma que eu compunha antes, para o que eu quero escrever agora.”
Sem semiótica
Para onde a transição irá levar, contudo, é difícil dizer – ele também não sente a necessidade de prever isso. “No passado eu escrevi as coisas com uma visão semiótica, sobre o que parecia, não sobre o que era de fato. Agora, eu estou interessando em escrever sobre o que é, não o que parece”, diz ele. “O mesmo acontece com os meus desenhos, antes era sobre o que não era possível ver, agora é concreto por si só. Se eu conseguir fazer isso com a música, ficaria feliz. É como colocar um pé à frente, ver como é e, depois, ir com o segundo”, completa.
Tudo fica claro quando Mala começa a tocar. A verdade de Devendra está ali, naqueles poucos versos de “Golden Girls”, soturna faixa de um minuto e 35 segundos. “You believe in visions and prayers / but you don't believe in what's really there / You're a young man on a dancefloor / A young man in a young man's world” ( “Você acredita em visões e preces / mas você não crê naquilo que realmente está ali / Você é um jovem em uma pistade dança / Um jovem em um mundo de jovens”, em tradução livre).
As letras carregam certa melancolia de um homem adulto, em um mundo que pode ser árido para aqueles que não aceitam os padrões. “Isso esteve presente na minha vida por 31 anos”, explica ele, ao ser questionado sobre os tons de cor cinza que permeiam esse disco – e não são mais mascarados por experimentalismos e harmonias psicodélicas. “O disco também tem certa nostalgia”, diz. “É a minha forma de expressar ‘saudade’”, diz ele, em português, a palavra que só existe por aqui.
Tropicalista
Citar “saudade” expressa mais do que pode parecer e escapa da simples nostalgia. Devendra se descobriu como artista tendo como base o Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, de 1928, que dizia ser possível absorver todas as culturas, passá-las por seus filtros pessoais, e regurgitá-las da sua maneira. Manifesto este que fundou as bases da tropicália que viria sob todas as formas de arte, inclusive na música, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, entre outros, no duro período de Ditadura Militar, nos anos 60.
A identificação com a cultura brasileira, contudo, não se prende apenas às décadas passadas. Devendra, como era de se esperar, ama Caetano – inclusive participou de um disco de tributo chamado A Tribute to Caetano Veloso, que reunia artistas nacionais, como Marcelo Camelo, Céu e Tulipa Ruiz, a estrangeiros como Jorge Drexler e Beck, mas também ouve música contemporânea. Neste álbum homenagem, por exemplo, ele gravou com Rodrigo Amarante, ex-Los Hermanos.
A ligação com Amarante é forte. Em Smokey Rolls Down Thunder Canyon, de 2007, o brasileiro ajudou a compor “Rosa” e ainda gravou algumas vozes. Já em Mala, um disco coproduzido por Devendra e Noah Georgeson, gravado em Los Angeles, numa casa alugada, e mixado e masterizado em Nova York, brasileiro aparece na guitarra e na percussão de “Mi Negrita”. “Fizemos também outra música, mas eu não gostei da parte de piano que criei. Talvez fique para o outro disco”, conta ele. “Ele [Amarante] é o melhor cantor que eu conheço. “É horrível tentar acompanhar o Rodrigo. É como enfrentar o Mohamed Ali, ridículo”, derreteu-se.
Amarante também está preparando um novo álbum, o seu primeiro solo, já em fase de finalização. Devendra participou do disco – “canto em algumas faixas”, diz – e não se furta de elogios ao trabalho ainda sem nome do companheiro brasileiro. “Amo Rodrigo, ele é como uma família. “É um discos mais incríveis que eu já ouvi. É inacreditável. Não sei como descrever. Tem muita variedade. É um pós-punk tropical, incrivelmente rico, escrito em inglês, francês...”
Vinda ao Brasil
Devendra revela também que ele e Amarante planejam uma turnê juntos, com os dois discos novos debaixo dos braços – o álbum do hermano sai ainda neste ano. “Vamos tocar na Europa, América do Norte e Brasil”, conta. “Vamos fazer de tudo para chegar aí ainda em 2013”.
A própria capa do disco de Devendra, parece ter saído de uma das letras de Amarante, “Do Sétimo Andar”, de Ventura, de 2003. “Alto aqui do sétimo andar / longe, eu via você / e a luz desperdiçada de manhã / num copo de café”. Trata-se de uma imagem abstrata, como se nos levasse para um quarto vazio. Estão lá duas imagens, como uma jarra e uma xícara de café, companhias para uma manhã solitária. Devendra não revela se é esta a interpretação correta para o seu desenho. “É uma interpretação interessante”, diz ele, misterioso. “É fascinante como as coisas se abrem para a interpretação, para coisas que você conhece”, diz.
A tal melancolia está também na sonoridade do disco, mais taciturno, gravado com uma antiga aparelhagem usada para discos de hip hop, que conferem às 14 faixas, uma experiência lo-fi, sem embarcar na sujeira desmedida.
O filtro de Devendra ainda traz diálogo com o ideal tropicalista, seja nos desenhos, nas letras ou nas melodias. “Ao ler o Manifesto Antropofágico, percebi que era exatamente isso que eu sentia”, diz. “Estar perto de outras culturas, outras canções, e passar pelo meu filtro individual”. Talvez por isso venha a incompreensão com aquilo que ele produz, difícil de ser digerida por quem está acostumado com rótulos tão definidos. “Yo La Tengo faz isso também”, justifica ele, citando a banda de Nova Jersey.
Outra referência foi o poeta e músico John Cage (1912 a 1992), alguém que cujos rótulos “nunca pareceram com o que ele fazia”. “Ouvi uma letra dele quando criança que teve muito impacto para mim: ‘I have nothing to say / and I am saying it’”, contou Devendra. “Eu não tenho nada para dizer e estou dizendo”, uma tradução livre de um verso, que também expressa o músico. “Bom, muito obrigado, meu amigo”, despede-se Devendra. “Rodrigo e eu vamos para aí até o fim do ano. Boa noite”, completou, em português, o talvez mais tropical e brasileiro dos músicos norte-americanos.
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