Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o integrante do Arcade Fire contou como se inspirou no caos do mundo para compor o terceiro disco da carreira solo
Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 25/09/2020, às 07h00
“Por que eu estou aqui?”. “Por que estou nesta posição?”. “Como eu cheguei aqui?”. Cercado por estas perguntas, Will Butler, integrante da banda de indie rock Arcade Fire, compôs o terceiro disco da carreira solo, Generations, lançado nesta sexta-feira, 25, pela Merge Records.
O multi-instrumentista estava em casa, no Brooklyn, em Nova York, quando conversou por telefone com a Rolling Stone Brasil e contou como se inspirou no passado da própria família, tradicionalmente formada por músicos, e na história norte-americana, que reflete de maneira caótica nos dias atuais, para criar uma narrativa sonora significativa e mais complexa do que a dos dois primeiros álbuns, Policy (2015) e Friday Night (2016).
“Quero dizer, é bonito e maravilhoso ser filho do filho do filho de músicos. Tipo, é uma coisa incrível de se ter. E, então tem um lado mais sombrio, que é a história de sucesso nos EUA, em que os sucesso de algumas pessoas é baseado na destruição de outras”, disse o artista.
Além da música, Butler também possui um mestrado em políticas públicas pela Universidade de Harvard. Em Generations, o artista tem uma conversa honesta sobre o papel dele no mundo como um homem branco e rico, um pai de três filhos e alguém que quer ver grandes mudanças acontecerem.
“Tem sido muito desanimador ver os fracassos da liderança política em praticamente qualquer nível: local, nacional, internacional [...] Talvez possamos mudar o que acontecerá nos próximos anos, mas, agora, você se sente impotente e está essencialmente impotente, o que não é o melhor sentimento.”
Ao longo de 10 faixas, Butler caminha em uma rua movimentada por protestos de todos os tipos, políticos, sociais e ambientais. A cada passo, o tempo retrocede, mas o músico se manter firme na caminhada em uma tentativa de se afastar dos tumultos.
Ruídos surgem, criam um clima de ficção científica e se transformam em uma batida dançante. É assim que Butler abre Generations, com a canção “Outta Here”.
“Eu acho que é a canção mais simples do disco, está apenas dizendo: ‘Eu não quero mais estar aqui’, o que, você sabe, as pessoas têm escrito por décadas e parece muito relevante agora. Apenas ‘me tire dessa p*rra de novo. E não quero lidar com isso. Me tire daqui’.”
Butler continua caminhando sem parar até chegar na eleição presidencial norte-americana, em 2016. Ele expressa o desgosto com agitação em “Bethlehem” e, em seguida, se cansa de pensar sobre isso e apenas decide fechar os olhos.
“Eu estou cansado de esperar por um dia melhor / Mas eu estou com medo, sou preguiçoso e nada vai mudar / O sangue ainda está fresco no chão / Mas eu estou longe e eu não vou fazer barulho", canta o músico canta em “Close My Eyes”.
Ao falar sobre o processo de criação do disco, Butler contou que antes mesmo de Donald Trump ser eleito como presidente, ele já buscava entender quais eventos levaram o mundo para onde ele se encontra no momento na canção “Surrender”.
“‘Surrender’ é como olhar para trás e tentar desvendar quando o mundo tomou esse caminho. Por que nós estamos tão afastados? É como falar com um amigo: ‘Por que eu pensei que estávamos juntos, mas estávamos separados? Quando isso aconteceu? Como aconteceu? Nós sempre fomos diferentes?”, explicou o artista.
A viagem de Butler continua e ele começa a andar cada vez mais rápido. Ele tenta achar um culpado em “I Don’t Know What I Don’t Know” e apenas deseja encontrar um local para descansar em “Hard Times”.
“A canção [‘Hard Times’] meio que tem uma literatura antiga, questionando quase como um personagem de novela. É como O Morro dos Ventos Uivantes ou algum livro de Dostoiévski de 1800, em que a pessoa está olhando para o mundo e percebendo que, talvez, eles estejam errados e, talvez, outra pessoa esteja certa. Mas sem saber se estão erradas ou certas.”
O músico completou: “Apenas uma sensação de ‘Oh, talvez o mundo que criei na cabeça é apenas metade do mundo e tem algo a mais lá fora. Mas eu não sei como pegar isso’, enquanto a música te empurra para frente”.
Então, Butler começa a correr o mais rápido que pode. Os pés sentem todo peso do corpo, que se move para cima e para baixo. Os pulmões se cansam. A respiração acelera, mas ele continua correndo até esbarrar em George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos.
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Com quase sete minutos de duração, “Fine” encerra a viagem no tempo de Generations. Para Butler essa é a canção mais complexa do álbum, o qual também possui a proposta de alcançar um nível mais elaborado de escrita e composição musical.
O músico contou que a composição foi mais trabalhosa, porque ele quis encontrar a emoção certa ou ritmo certo para a faixa , que possui um quê de musical, e embala a conversa dele com o político.
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“É uma pequena tentativa de fazer a coisa do Kanye West de falar sobre coisas importantes de um jeito idiota, mas também sofisticado, porém, como uma piada estúpida no meio, mas falando sobre as coisas mais importantes da sua vida. É uma tentativa de fazer tudo isso ao mesmo tempo”.
Ele continuou: “É tentar contar uma história e, de alguma maneira, contar todas as histórias. É como pular no tempo, voltar 200 anos atrás, 300 anos até George Washington. [Depois] ir para o dia do meu nascimento e falar sobre minha vida agora. É tentar ser ridículo, desanimador, sem sentido e significativo ao mesmo tempo”.
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Por fim, ao ser questionado se o próximo trabalho do Arcade Fire terá o mesmo tom político de Generations, Butler disse:
“Acho que tanto eu quanto o Arcade Fire tentamos deixar a música e as canções surgirem da vida que estamos vivendo, no mundo em que estamos [...] E o mundo em que estamos está tão político no momento em um nível tão importante. Isso é real e eu acho que estará refletido em qualquer coisa que fizermos.”
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