Silêncio - Divulgação

Dirigido por Martin Scorsese e com atuações brilhantes, Silêncio trata dos percalços do cristianismo no antigo Japão

Beleza, horror e fé estão juntos neste que é um dos filmes mais importantes da temporada

Paulo Cavalcanti Publicado em 09/03/2017, às 18h07 - Atualizado em 12/03/2017, às 11h17

Em meio à polêmica que pautou o Oscar deste ano, envolvendo o vencedor Moonlight – Sob a Luz do Luar e o mais “popular” La La Land – Cantando Estações, algo ficou claro. A temporada foi contemplada por outros títulos mais consistentes e incisivos que sequer foram indicados. É o caso de Silêncio, dirigido por Martin Scorsese, uma adaptação do livro homônimo de 1966, escrito pelo autor católico japonês Shusaku Endo (em 1971, o diretor Masahiro Shinoda já havia transformado a história no filme Chinmoku). O enredo e alguns personagens são fictícios, mas a obra é calcada em fatos reais. Ex-seminarista, Scorsese coloca em seus trabalhos questionamentos sobre a pratica cristã e por mais de 30 anos quis fazer a própria versão de Silêncio, que é um dos longas mais pessoais já feitas pelo cineasta.

No século 17, o governo japonês exterminava de maneira cruel o cristianismo do país. Os jesuítas que ainda se encontravam por lá eram torturados das formas mais horrendas possíveis, sendo que a decapitação e a crucificação são as práticas mais comuns. Mas eles também eram queimados vivos, esfolados e colocados para sangrar como se fossem gado. Os convertidos eram obrigados a renegar Cristo, ou teriam o mesmo destino dos jesuítas. No meio disso, em 1640, o Padre Rodrigues (Andrew Garfield) e o Padre Garrupe (Adam Driver) vão conversar com o superior deles, Padre Valignano (Ciarán Hinds), e são informados de que um importante jesuíta, o Padre Ferreira (Liam Neeson), que foi para o Japão com intenção de disseminar o cristianismo, teria perdido a fé e abandonado a causa. Ferreira, vivendo em Nagasaki, agora teria adotado o estilo de vida japonês e, além de pregar o budismo, a religião de lá, também seria um blasfemo, tendo até pisado na imagem de Jesus Cristo. Ferreira foi mentor e professor de Rodrigues e Garrupe, que não acreditam no relato e pedem permissão para ir até o Japão. Mesmo sem conhecer a língua e os costumes locais e munidos apena de fé, eles desembarcam em um ambiente hostil, deparando-se com aldeias dizimadas, igrejas destruídas e repressão por todos os cantos. O guia deles é Kichijiro (Yosuke Kubozuka), que a princípio pode parecer um simples alívio cômico, mas se revela muito mais dúbio e trágico do que aparenta – ele é o Judas de Rodrigues e Garrupe.

A missão de Garfield e Garrupe no Japão é similar à do Capitão Willard (Martin Sheen) no Vietnã em Apocalypse Now. No clássico de Francis Ford Coppola, o militar vai até o distante Vietnã para executar o renegado Coronel Kurtz (Marlon Brando). Mas se em Apocalypse Now o capitão Willard se deparava com um Kurtz insano, apostando na anarquia e no niilismo da guerra, o encontro de Rodrigues com Ferreira tem outro efeito. O padre apóstata se encontra em plena faculdade mental. Ele diz ao discípulo que o Japão não necessita de outro Deus ou de qualquer outra alternativa religiosa. Fala que os nativos estão muito satisfeitos com a fé que seguem e não estão interessados em interferência externa. E também confronta Rodrigues, argumentado que a jornada dele é apenas uma demonstração de ego. Ao enfrentar uma dolorosa carga de sacrifícios e provações, ele quer apenas se igualar a Jesus Cristo.

Quem também está de olho em Rodrigues é o governador Inoue Masashige (Issey Ogata), também conhecido como O Inquisidor. Com ameaças veladas e usando fatos e bons argumentos, o governador quer cooptar Rodrigues. “O Japão é um imenso pântano. Nada cria raízes aqui”, ele fala, reforçando que é bobagem tentar implementar o cristianismo no país.

Com mais de duas horas e meia de duração, e sem nenhuma trilha sonora para aliviar a tensão, Silêncio é austero, espartano e rigoroso. Com atuações esplêndidas e que exigiram muito dos atores tanto emocional quanto fisicamente, é um filme que também demanda enorme concentração e esforço por parte do público. Scorsese não toma partido. Não compromete a visão com sentimentalismo ou algum sermão desnecessário. Beleza, horror e fé estão juntos neste que é um dos filmes seminais da temporada.

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