Gravado nos anos 1970, o álbum mais pessoal do artista foi lançado - e o momento é perfeito
Angie Martoccio, da Rolling Stone EUA Publicado em 17/06/2020, às 09h35
Durante uma noite em Los Angeles, em 1975, Neil Young reuniu alguns amigos no hotel Chateau Marmont para tocar algumas músicas. Ele tinha dois álbuns novos prontos, e não tinha certeza sobre qual lançar. Sentados no mesmo bangalô no qual John Belushi morreria apenas sete anos depois, os amigos de Young - inclusos alguns dos colegas de banda do Crazy Horse, Rick Danko e Richard Manuel - escutaram dois álbuns completamente diferentes.
Primeiro foi Tonight's the Night, uma meditação cansativa e regada a tequila sobre amigos caídos e a morte dos anos sessenta. O outro disco, Homegrown, foi mais difícil de definir; na superfície, lembrava o descontraído rock country que tornou Young uma estrela, mas aquele exterior quente escondia alguns dos textos mais pessoais do artista - tão pessoais, de fato, que nunca foram lançados. "Ao ouvir esses dois álbuns na festa", contou Young a Cameron Crowe em 1975, "comecei a ver as fraquezas em Homegrown".
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Mas havia uma razão maior para não querer lançar o disco. Homegrown foi escrito durante a separação com Carrie Snodgress, atriz indicada ao Oscar e mãe do primeiro filho de Young, Zeke. O relacionamento foi tumultuado e amargo, e, ao terminar, Young canalizou a dor em canções que pulsavam vulnerabilidade, insegurança e dúvidas pessoais. "Eu nunca lancei nenhuma dessas", disse. "E provavelmente nunca vou. Talvez ficaria envergonhado demais para lançar”.
Foram necessários 45 anos, mas o cantor finalmente está pronto para nos deixar ouvir. Das 12 músicas do álbum, sete nunca foram lançadas, o que torna a mais reveladora das versões recentes dos arquivos de Young. Musicalmente, Homegrown retorna ao country rock de Harvest (1972), alguns também inspirados por Carrie (“Harvest”, “A Man Needs a Maid”, “Words”), embora em um momento mais feliz. Adequado à mentalidade desesperada de Young, é áspero, desgastado, confrontador e cru, sem cerimônias, enquanto Harvest era tranquilo como soft-rock .
“Não vou me desculpar”, ele declara em na primeira faixa, “Separate Ways”, com palavras cáusticas se derretendo no pedal da guitarra de Ben Keith. "A luz brilhou nos seus olhos/Não sumiu/Em breve voltará novamente”. Em “Mexico”, Young lamenta a perda, acompanhado de um piano esparso. “Oh, o sentimento se foi/Por que é tão difícil se apegar ao seu amor?”. Tonight’s the Night (1975) foi alimentado pelo luto e On the Beach (1974) refletiu as inseguranças da América do Norte após o Caso Watergate, mas Young nunca havia exposto a parte mais profunda e pessoal da vida particular desse jeito.
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A lenta "Try" é um pouco mais otimista, e Young canta de brincadeira: "Gostaria de arriscar/Mas, m**da, Mary, não sei dançar", uma citação do slogan preferido da ex-sogra. E depois há "Vacancy", um rock de quintal acompanhado por Stan Szelest em um órgão Wurlitzer, na qual Young canta: "Olho nos seus olhos e não sei o que há", como se estivesse vendo uma ex-amante retornar como um fantasma.
Sentimentos tão expostos de perda também dão o tom aos momentos mais leves e descontraídos. Similar a “Hawaii”, do álbum Hitchhiker (2017), “Kansas” é uma cantiga espaçada e acústica direto do fundo do poço. Nessa faixa, Young parece fantasiar o encontra um novo amor como uma fuga impossível da realidade: “Podemos voar pelo ar/Longe dessas zombarias e mentiras”. Na bizarra “Florida”, uma faixa falada, Young se lembra de uma cidade que visitou quando era criança com a família em 1952, quando se recuperava da poliomielite (e narra como ele e Keith esfreguaram a borda de um copo de vinho com as pontas dos dedos molhadas). A solidão também oferece músicas divertidas e não terminadas, como o blues nebuloso e esquisito de "We Do Not Smoke It No More" e o hino chapado da faixa-título com uma qualidade amável. Não são clássicos, mas é bom ouvir Young se acalmar um pouco, pois o músico se perde em jams com seus amigos, que incluem Robbie Robertson, um Levon Helm cortante e dançante, e Emmylou Harris, que canta lindamente em "Try".
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É importante lembrar o quão rapidamente Young trabalhava na metade dos anos 1970, preparando músicas em um ritmo muito mais rápido do que a gravadora poderia lançar (e, depois do fracasso comercial no álbum ao vivo Time Fades Away, de 1973, e On The Beach, brilhante e depressivo, de 1974, Homegrown era o sucesso garantido que estavam desesperados para ter). Young evoluía tão rapidamente que cada intervalo de poucos meses se tornava uma era própria. Quando lançou o Tonight's the Night, já estava agachado em Malibu, em reunião com os membros do Crazy Horse e o novo guitarrista Frank "Poncho" Sampedro para criar Zuma. Homegrown era um disco com o qual a maioria dos músicos poderia ter construído uma carreira, mas Young olhava para o futuro de maneira implacável, e o projeto já estava no passado.
Aos 74 anos, Young sabe que não vai durar para sempre. Ele passou os últimos anos vasculhando os vastos arquivos da carreira meticulosamente, lançou Hitchhiker, Songs for Judy e Tuscaloosa. Após se conter por décadas , o artista está finalmente deixando essas músicas saírem para o mundo. Ainda há mais coisas pela frente, de Homefires a Chrome Dreams e o original Comes a Time and Trans. Está apenas no começo.
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Em 1975, Homegrown evocou um ideal orgânico e hippie. No momento, o álbum tem tons mais deprimentes. Mas, de certa forma, é difícil pensar em um momento melhor para ouvir músicas de angústia, confusão e isolamento. Este é um álbum que prova que algo bonito e duradouro pode vir até das circunstâncias mais terríveis.
Tradução de Larissa Catharine Oliveira
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