"Let's Dance" denuncia discriminação aborígene na Austrália
Juliana Resende/BR Press Publicado em 11/01/2016, às 18h16 - Atualizado às 20h18
O documentário Let's Dance: Bowie Down Under foi um dos destaques da mostra Sonic (dedicada a filmes musicais) na edição do ano passado do BFI London Film Festival, que aconteceu em outubro. David Bowie estava em pauta: lançaria um novo disco, Blackstar, no dia de seu aniversário de 69 anos, 8 de janeiro, e iria à estreia do musical Lazarus, em Nova York, com trilha assinada por ele, em dezembro. Bowie tinha também composto a música de abertura do seriado de TV The Last Panthers. Fui babando atrás de Bowie Down Under, que mostra os bastidores – e o teor político (até então pouco conhecido) do vídeo de "Let’s Dance", faixa-título do maior sucesso comercial de Bowie, o adorado álbum de 1983.
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Uma das sessões do filme aconteceria no Ritzy, em Brixton, bairro londrino onde David Robert Jones nasceu. Nesta triste e cinzenta segunda, 11, o cinema colocou no letreiro os dizeres "David Bowie, nosso menino de Brixton. RIP”. E o filme Let's Dance, voltou a estar em cartaz no Ritzy de Brixton. O local que já foi um reduto proletário e hoje é quase que uma subcapital dos afro-caribenhos londrinos será palco de uma festança em homenagem ao artista. Um evento no Facebook promete: "O tempo de Bowie na Terra pode ter terminado, mas ele nos deixou muita música boa. Hoje é dia de a gente se juntar e celebrar. Por favor, compartilhe com quem quer que possa ajudar com música ou qualquer outra coisa neste evento – tragam instrumentos, amplificadores, comida e, o mais importante, amor”.
Eterna mutação: uma discografia selecionada com o que David Bowie fez de melhor.
Na tela, o que os fãs verão é um libelo racha-assoalho, pós-moderno e poderoso sobre a cultura aborígene na Austrália e como ela foi discriminada e negligenciada pelos colonizadores britânicos e a hegemonia branca no país. O clipe de "Let's Dance", com um David Bowie de terno bege claro, oxigenado e superbronzeado, foi rodado no vilarejo de Carinda, no outback australiano, e contou com atores de origem aborígene. "Bowie parecia um ET para os cerca de 40 moradores da vila – e eles pareciam ETs para nós”, lembra o gerente de locação do vídeo, Peter Lawless, à BBC News, que fez uma matéria mostrando como o vilarejo esperava mais progresso depois do sucesso do vídeo de "Let's Dance" – o que nunca aconteceu.
Opinião: com David Bowie, a música não podia ser desassociada da imagem.
O clipe veio depois de o disco ter sido gravado, com produção de Nile Rodgers, o mago funk à frente do Chic, que levaria Bowie – até então um artista "difícil" e cultuado por roqueiros intelectuais – ao patamar de popstar global, vendendo milhares de cópias.
Trata-se de uma radiografia merecida, ainda que tardia, sobre a importância do vídeo de "Let's Dance", tanto técnica (foi o primeiro a ser filmado em 35mm) quando estética – a linguagem ágil, sobreposta, dançante, e as locações improváveis inauguravam um novo padrão para os vídeos destinados à MTV, que florescia tornando a música pop um negócio visual.
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O diretor David Mallet é um dos muitos arquitetos dessa obra-prima. Mallet conta que nem ele nem Bowie – também entrevistado no filme – sabiam qual seria o resultado do vídeo. "'Let's Dance' era como nenhum outro vídeo havia sido… Mas a MTV caiu de cabeça e o tocou até nem mais o inferno aguentar”, definiu. Mallet, assim como os diretores Joelene King e Geeling Ng, além do cineasta Julien Temple, outro assíduo colaborador de David Bowie, também integrou a equipe que ajudou a realizar Down Under. Ainda deixam seus depoimentos o ex-apresentador da MTV e editor da Rolling Stone EUA Kurt Loder, o aclamado DJ e historiador musical Norman Jay e a acadêmica especialista em cultura aborígene Marcia Langton.
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Para Nile Rodgers, Let's Dance (o álbum) marcou "um novo tipo de música para dançar com um estilo totalmente cross-cultural”. Como tantos filmes com e sobre o Camaleão, Let's Dance: Bowie Down Under é imperdível – e um dos poucos ainda inéditos no Brasil (espera-se que por pouco tempo). Além de mostrar que por trás de todo o estilo de Bowie havia algo sempre muito político com relação a raça, gênero e cultura, de quebra, trata-se de um rico material sobre como o vídeo influenciou toda uma geração e formatou uma nova linguagem para a música para ouvir – e ver.
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Por questões financeiras, foi só trinta anos depois do lançamento de "Let’s Dance" que Down Under conseguiu ser lançado. Os diretores Ed Gibbs e Rubika Shah, curiosamente, mostraram o resultado de anos de trabalho primeiramente no Festival de Cinema de Berlim, na cidade onde Bowie viveu nos anos 1970 e produziu três álbuns, entre eles o lendário Heroes, gravado num estúdio perto do Muro de Berlim, que, segundo o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, “Bowie ajudou a derrubar”.
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