E com a Lei da Insurreição, o presidente dos EUA tem autoridade legal para fazer isso
David Cohen, da Rolling Stone EUA Publicado em 04/06/2020, às 10h05
Presidente norte-americano, Donald Trump não tentou esconder quem é. Ele começou a campanha presidencial, após descer lentamente de uma escada rolante dourada, com um ataque racista e sem restrições aos mexicanos. Depois, Trump iniciou o trabalho como presidente com a proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos. Algum tempo depois, chamou supremacistas brancos que aterrorizaram negros e judeus em Charlottesville, na Virgínia, de “pessoas muito boas”. E agora, a única política contra o coronavírus do presidente foi chamar o COVID-19 de “vírus chinês” e esperar que o racismo o mandasse embora.
Racismo corre pelas veias de Trump, e atua como um dos princípios fundadores do presidente. É por isso que, confrontado com um dos maiores levantes contra a brutalidade policial que os EUA já viu, um movimento liderado por negros em todo o país e acompanhado por todas as outras pessoas de cor e brancos também, a única solução política é começar uma guerra racial. E, infelizmente, a lei norte-americana lhe proporciona autoridade para tal.
Seria preciso morar em uma caverna para não saber o que está acontecendo no momento, então há apenas uma breve recapitulação aqui. Na segunda-feira passada, 25, a polícia de Minneapolis assassinou George Floyd, um negro desarmado acusado de usar uma nota falsificada de US$ 20 em uma loja de conveniência. Nos dias seguintes, os protestos cresceram e se espalharam, primeiro em Minneapolis e agora em todas as cidades do país diariamente. As manifestações têm sido estrondosas, revoltas e vigorosas, exigem justiça para Floyd, Breonna Taylor (morta em Louisville, Kentucky, no início de maio) e todos os outros negros desarmados assassinados pela polícia e outros oficiais brancos (como Ahmaud Arbery e Trayvon Martin). Como a mídia documentou bem, a polícia de todo o país se envolveu em ataques violentos contra manifestantes, jornalistas e órgãos fiscalizadores de cidadãos.
Trump entra em cena. Depois de ser levado, em um primeiro momento, ao bunker da Casa Branca na noite de sexta, quando os protestos ocorreram na capital, Washington, em D.C., e depois apagar as luzes da Casa Branca no domingo à noite, em uma tentativa estranha de esconder o edifício, presidente Trump tentou projetar uma imagem diferente na noite de segunda. Logo antes do toque de recolher na cidade, o presidente anunciou: “Vou mobilizar as forças armadas dos Estados Unidos e resolver rapidamente o problema”.
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O objetivo é usar recursos federais, inclusive militares, "para interromper os tumultos e saques, acabar com destruição e incêndios criminosos, e proteger os direitos dos norte-americanos cumpridores da lei, incluindo os direitos [de legítima defesa] da Segunda Emenda". Para D.C., Trump anunciou que estava "despachando milhares e milhares de soldados fortemente armados, militares e policiais para impedir tumultos, saques, vandalismo, agressões e a destruição arbitrária de propriedades".
A ação logo começou. A polícia federal usou gás lacrimogêneo para abrir caminho para o presidente ir até uma igreja próxima e posar com uma Bíblia, uma foto que “ultrajou” o bispo episcopal de D.C. Depois, mais tarde naquela noite de segunda, helicópteros militares executaram voos rasantes para afugentar manifestantes.
Até o momento, o presidente não convocou militares para responder a agitação em outros estados ou cidades, além de D.C.. No entanto, graças a uma série de leis que o Congresso promulgou e emendou nos últimos dois séculos, Trump tem autoridade legal para fazer isso. A Lei Posse Comitatus estabelece que o presidente não pode usar as forças armadas norte-americanas em ações domésticas. No entanto, especificamente permite uma exceção, se autorizado pelo estatuto.
A Lei da Insurreição é essa autorização. É ampla e vaga. “Sempre que o presidente considerar que obstruções, combinações ou assembléias ilegais ou rebelião contra a autoridade dos Estados Unidos, que tornam impraticável fazer cumprir as leis dos Estados Unidos em qualquer estado pelo curso normal dos procedimentos judiciais, pode convocar serviço federal da milícia de qualquer estado e uso das forças armadas, conforme considerar necessário para fazer cumprir as leis ou reprimir a rebelião”. Existe uma disposição semelhante para quando "insurreição, violência doméstica, combinação ilegal ou conspiração (...) dificultar a execução das leis do estado".
Em outras palavras, quando os presidentes Dwight D. Eisenhower e John F. Kennedy pensaram que os governadores do Arkansas e Mississippi não agiram suficientemente para proteger os estudantes negros segregados na Little Rock Central High School e a Universidade do Mississippi, a Lei da Insurreição lhes deu autoridade para usar força militar para impor o fim da segregação. Como esses exemplos indicam, o uso doméstico das forças armadas pode ser usado para o bem.
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Mas, o Ato é altamente controverso e se tornou extremamente raro. A última vez que os militares foram usados para fins domésticos foi em 1992, quando o presidente H.W. Bush pediu ajuda às forças armadas para controlar os distúrbios de Rodney King, em Los Angeles. Depois disso, o presidente George W. Bush considerou usar as forças armadas após o furacão Katrina para restaurar a ordem em Nova Orleans, em 2005, mas desistiu por ser politicamente arriscado. Usar as forças armadas em solo norte-americano contra os próprios norte-americanos é uma linha considerada intransponível por muitos.
E talvez isso impeça Trump de seguir por esse caminho. Mas, se o presidente quiser, fica claro que tem autoridade para fazer isso. O uso de helicópteros militares em D.C. não é um bom indício a esse respeito. (O uso das forças armadas em D.C. é diferente porque é um território federal, no qual o presidente pode usá-las como parte dos poderes de emergência.)
O racismo inegável de Trump também não é bom sinal. Ele está em todas as pesquisas nacionais contra Joe Biden. Trump praticamente desistiu de tentar reprimir o coronavírus de matar americanos a níveis incomparáveis com qualquer outro país. E agora, o povo do país, particularmente os negros, exigem justiça racial.
Tradução de Larissa Catharine Oliveira
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