Duane Peters, skatista e vocalista do U.S. Bombs, esteve no Brasil para declamar Charles Bukowski em um sarau de poesias; leia entrevista
Stella Rodrigues Publicado em 31/03/2012, às 09h32
Ouvir Duane Peters falar lembra um pouco ler Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger. Ou melhor, a visão de mundo do cinquentão, líder do grupo de punk rock U.S. Bombs, dentre outras bandas, lembra a do garoto Holden Caufield, com sua constante descrição de como tudo é “phony” (falso) na sociedade e no capitalismo. Dono de uma daquelas almas amarguradas de artista frustrado com o mundo, o consumismo e a frieza das pessoas, Peters se distrai em meio à entrevista para a Rolling Stone Brasil e desvia o assunto constantemente para temas como apocalipse em 2012, bug do milênio e o poder aterrorizante da indústria farmacêutica (“três quartos do mundo estão tomando algum remédio! Não consigo lidar com isso”).
O músico e skatista também teve sua cota de abuso de drogas e álcool na vida. Hoje limpo (“estou apenas sob efeito de café”), continua advogando suas causas como vocalista da banda de punk rock U.S. Bombs, agora apenas com dois dos integrantes originais, e em outros grupos que mantém. Antes um adepto de entorpecer as dores da vida, Duane Peters passou a acreditar no poder de cura por uma outra rota de escape: “Dar um tempo de luto usando calça de moletom e me perder nos pensamentos enquanto ando de skate”, conta ele, que na realidade pratica o esporte há muitos anos. “E você não pode estar doidão e andar de skate, porque aí você se quebra todo. Aí te enchem de remédio e você fica chapado de novo.”
Duane Peters teve motivos de sobra para colocar essas calças de moletom para trabalhar nos últimos anos. Em julho de 2007, o filho dele, Chess, morreu em um acidente de carro. Música, skate e poesia o mantiveram sobrevivendo. “Tomei golpes a vida toda, mas esse foi o pior. Nunca se apaga, mas quando você tem algo em que se agarrar, algo que você ama, muda tudo”, ele afirma. Passou os últimos cinco anos em uma depressão dilacerante por causa do que aconteceu com o rapaz, que tinha 20 anos à época. “Foi um período muito sombrio de querer morrer, depois tentar viver, passar por um divórcio. Por isso que o disco [que fez com uma de suas bandas, Duane Peters and the Great Unwashed] se chamava Beautiful Tragedy. Você precisa achar o que tem de bom, porque as coisas acontecem por um motivo. A vida é dor, beleza, alegria, amargura, sorrisos, gritos, todas essas emoções que temos e gosto de usar. Estamos vivendo um mundo muito robotizado, é difícil arrancar emoções das pessoas”, afirma, de forma quase inocente.
O músico/skatista esteve no Brasil nesta semana para um sarau de poesia em que leu textos de Charles Bukowski, por quem é apaixonado. Peters conta que não leu tudo já escrito pelo Velho Safado, que em 73 anos de vida lançou um número impressionante de livros de poesia, não-ficção, romances e contos. “São muitos poemas, não tem como ler tudo, mas li a maior parte. A escrita dele é tão complicada que se trata mais de reter o que você leu. Agora que estou mais velho, tudo tem um significado maior do que tinha antes. O significado vai mudando conforme passa o tempo. Os 18 poemas que leio nessa turnê têm tudo a ver com a minha vida”, conta ele, que em alguns trechos de poemas usa seus talentos musicais e canta, em vez de declamar. “E tem um cenário, telão, banda, é arte misturada com Bukowski. É bem pioneiro e isso me inspira.”
O gosto pela literatura do autor já tem mais de 30 anos, por isso a expertise do músico ao falar sobre ele, que afirma se interessar por Buk “desde a década de 80. Minha ex-esposa me fez gostar de Buk. Na época, eu estava curtindo muito poesia, tinha caixas e mais caixas que ia comprando e deixando na garagem.”
Turnê com o U.K. Subs e skate
No ano passado, a banda mais famosa de Duane, a U.S. Bombs, ia fazer a primeira turnê ao lado do U.K. Subs, uma das precursoras do punk no Reino Unido. O encontro histórico aconteceria em três shows no Brasil, em outubro. No mês anterior, um comunicado alegando “força maior” informou o cancelamento das datas. Não adiantou pedir a Peters mais explicações a respeito do que houve. Ele até contou sobre como politicagem fez com que o produtor encarregado desistisse de tocar a ideia para frente, mas não parece ter muita certeza do que houve. “A gente queria muito ter vindo, estava tudo certo. Quando me avisaram que não rolaria, pedi para que tentassem fazer acontecer. Cancelaram a turnê e prometeram tentar remarcar, mas nunca mais ouvimos falar do assunto. Somos todos marionetes obedientes, macaquinhos, não tínhamos nenhuma ideia do aconteceu. E tenho tanta coisa para fazer, o Bombs quer fazer um disco novo em breve [álbum que vem sendo prometido desde 2010], sai um álbum do The Great Unwashed em abril, acho. E com as leituras de Bukowski e o skate, não sobra muito tempo”, ele explica.
De fato, você não se torna a lenda do skate que Peters se tornou sem se dedicar, e muito, a ele. Nome incomparável no esporte, ele foi a primeira pessoa a dar um loop completo (“eles chamam de Death Loop”) com skate e criador de várias manobras (alguns nomes: "acid drop", "layback grind", "Indy air", "Sweeper", "backside layback grind revert", "fakie hang-up", também conhecida como "Disaster", "invert revert" e "fakie thruster"). Mas é mesmo o loop da morte a conquista que mais lhe dá orgulho dentro do esporte. E mesmo aos 50 anos, ele continua inventando. “Estou com duas manobras na ‘fase bebê’ ainda. Na minha idade, conseguir criar coisas ainda é radical pra caralho! Mas estou bem mais devagar do que costumava ser e treino bem menos. Antes treinava mais de oito horas por dia!”
Se Duane Peters tem muito a criticar na sociedade e no nosso modo de vida (como todo músico do punk rock), por outro lado é só elogios aos skatistas brasileiros. “Tenho um respeito enorme por Bob Burnquist, é um cara ótimo e é superdivertido andar de skate com ele. Também conheço o Pedro Barros, amo aquele moleque! Ele está em um nível próprio, tem um estilo e uma atitude ótimos.”
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