“Há muita concorrência por aí, mas para nós o negócio é manter o lugar lá em cima. Mas só irá acontecer com criatividade, inovação e se criarmos uma experiência de jogo satisfatória para o nosso público", diz Daniel Suarez - Divulgação

"É entretenimento. Não estamos tentando promover a violência", diz produtor do novo Call of Duty

Ghosts, que será lançado em 5 de novembro, tem como principal missão bater o recorde de vendas de Grand Theft Auto V

Pablo Miyazawa, de Los Angeles Publicado em 23/10/2013, às 09h10 - Atualizado às 10h48

Com data de lançamento mundial marcada para 5 de novembro, o game de tiro Call of Duty: Ghosts tem uma tarefa ingrata: superar os números arrasadores alcançados recentemente pelo concorrente Grand Theft Auto V. Lançado há pouco mais de um mês, o título da Rockstar Games arrebatou US$ 800 milhões em meras 24 horas de vendas, quebrando o recorde de “produto de entretenimento de faturamento mais rápido da história” (que era de Call of Duty: Black Ops 2 , que rendeu US$ 500 milhões em 13 de novembro de 2012).

Para a Activision, dona da marca Call of Duty, superar a rival Rockstar é mais do que uma questão de honra. Nos últimos três anos, cada novo título da franquia de guerra supera os números obtidos pelo jogo lançado no ano anterior. A nova versão, Ghosts, sairá para PC e as plataformas da atual geração – Xbox 360, PlayStation 3 e WiiU –, assim como para os novos consoles Xbox One e PlayStation 4, que devem chegar às lojas no final de novembro. Em entrevista exclusiva para a Rolling Stone Brasil realizada em agosto último em Los Angeles, Daniel Suarez, vice-presidente de produção da Activision, debateu sobre o sucesso da franquia e discutiu a tão conturbada relação entre videogames e violência.

Call of Duty ainda é uma das franquias mais rentáveis da indústria do entretenimento. Como a Activision lida com a pressão de não perder essa posição?

É uma ótima pergunta. E é uma com a qual a gente se depara todos os dias em que entramos no escritório. É assustador saber a quantidade de gente que joga nossos games todos os dias. É um desafio, sabe? Veja os números que divulgamos hoje: 100 milhões de pessoas já jogaram algum Call of Duty; 40 milhões jogam todos os meses, e por aí vai. Queremos permanecer no topo. É importante para nós. Mas também queremos dar ao jogador uma grande experiência. É o que todos temos na cabeça: fizemos um grande Call of Duty no ano passado. Vamos fazer um grande Call of Duty este ano. E temos de trabalhar juntos para entender o que isso significa. Há muita concorrência por aí, mas para nós o negócio é manter o lugar lá em cima. Mas só irá acontecer com criatividade, inovação e se criarmos uma experiência de jogo satisfatória para o nosso público. E se você olhar nosso público, verá como ele é diversificado. Call of Duty se tornou um fenômeno cultural, que atravessa gerações. Um exemplo: meu vizinho de 50 anos de idade, que nunca jogou games na vida, tem um filho de 15 anos que adora Call of Duty. E eles jogam juntos. Eles não vão para o quintal bater bola – e era isso que eu costumava fazer isso com meu pai. Em relacionamentos também - os casais costumam jogar juntos. No fim das contas, não são os gráficos, não é a imersão: são todas essas coisas juntas, mas todas são baseadas no fato de o game ser divertido.

Como você acha que esses games conseguiram capturar o espírito dessa era? O que seria essa “coisa” que tantas pessoas parecem querer e que vocês conseguiram decifrar o que é?

Sempre fomos muito sintonizados com nossa comunidade. Pelo Twitter e fóruns, temos dez milhões de seguidores no Facebook… Nós nos engajamos com essas pessoas diariamente – escutamos pedidos e reclamações, nos comunicamos com elas. Não sei se as outras franquias por aí fazem esse tipo de coisa. É algo importante para nós. Quando estamos desenvolvendo um game, chamamos pessoas para jogá-lo e avaliamos os elementos que elas mais gostam. Queremos falar com os jogadores para entender o que eles acreditam que faz o nosso game melhor do que os outros. Temos opiniões e uma longa lista de ideias que gostaríamos de implementar. Daí, nós as testamos e pensamos: “Uau, isso é bom”. Quando mostramos ao consumidor, pode ser que ele diga apenas “Isso é legal” ou “Isso é demais”. É assim que descobrimos o que é realmente bom, e daí focamos naquilo. Para nós, essa é a maneira de enfatizar e construir um game que permaneça no topo: é porque estamos constantemente ouvindo o público.

Existe também uma consequência: quanto mais pessoas seguirem vocês, mais difícil será para se compreender o que a maioria quer.

Claro, e inclusive acho que nosso público diversificou nos últimos tempos. Antes era apenas o tal do “público-alvo”. Agora temos os jogadores profissionais, os casuais, aqueles que só jogam o modo campanha... Na medida em que desenvolvemos um novo game, estamos sempre conscientes de que certos aspectos serão para agradar determinado grupo. Há uma enorme porcentagem de jogadores que nunca joga multiplayer. Então, investimos pesado em sempre ter uma ótima aventura de um jogador, com uma boa história, divertida. Mas também precisamos fazer o mesmo pelo modo multiplayer, porque tem gente que só joga isso. Para nós, a ideia é criar um produto com um valor enorme [para o consumidor]. Nenhum game tem tanto conteúdo quanto Call of Duty. Tem quem vá comprar o jogo em novembro para jogá-lo por um ano inteiro.

A ideia geral da franquia é o combate com armas, um conceito que pode ter difícil aceitação em certas culturas e países com pouca tradição em guerras - o Brasil, por exemplo. Já nos Estados Unidos, tal ideia está enraizada na população desde sempre, então o sucesso de um game desses é algo até esperado. Qual seria o apelo de um jogo em que o objetivo principal é abater inimigos? Você acha que o ser humano precisa se relacionar com o conflito e a violência para compreender tais temas e lidar melhor com a vida real?

Boa pergunta. Pra mim, é menos o fato de ter a ver com uma dinâmica cultural – ou o fato do país do indivíduo ter uma relação histórica com guerras. Acho que isso é algo originado na psique humana. Não sei se é assim no Brasil, mas [aqui nos Estados Unidos] tem a ver com o conceito do “mocinho contra o bandido”. Na infância, sempre houve as brincadeiras de “caubóis e índios”, ou “polícia e ladrão”, a ideia de estar atirando com o dedo [faz o gesto]. É algo que sempre esteve aí, todo mundo cresceu com isso em algum grau. É a ideia de competição, de eu e você, um contra o outro, e que alguém irá vencer. Você vê isso nos esportes: quando se compete, alguém vai ganhar. Acho que Call of Duty é bem sucedido no sentido de ser um ambiente que não representa ameaças, é divertido, social. Mas há uma natureza competitiva pela qual as pessoas se atraem. Sim, armas e destruição são parte do tema do game, mas [o sucesso] não é por causa disso. A base que está nas entrelinhas é a competição. Este é o assunto, mas o que faz o game divertido é mais o componente competitivo.

Qual é a visão da Activision a respeito da crença de que videogames causam ou induzem a atos violentos? Porque o preconceito contra os games continua a existir.

Ele ainda existe. E todos esses eventos que ocorrem são tragédias no mundo. Nós estamos criando um produto de entretenimento. E toda vez que criamos esse tipo de conteúdo, trabalhamos bem de perto com os sistemas de avaliação para garantir que todos os detalhes estarão disponíveis. Também conversamos com as lojas, para garantir que estão vendendo o jogo para o público certo. Para nós, isto é entretenimento. Não estamos tentando promover a violência. Esses eventos trágicos que já aconteceram são situações específicas, e não acreditamos que os conteúdos dos produtos que criamos estão ligados a esses tipos de comportamento.

Acha que está o próximo o dia em que os videogames serão aceitos e considerados um tipo de mídia como qualquer outro?

Bem, se você olhar dez anos atrás, verá como mudou a maneira como os videogames são socialmente aceitos. Antes, pensavam “Ah, é coisa de criança”. E agora há cada vez mais gente que adora e assume: “É isso que gosto de fazer”. Dá para ver agora, na proliferação do iPhone e tablets, que mais e mais pessoas jogam. Meus pais não jogaram, mas eu jogo. Minha filha joga, e tenho certeza de que os filhos dela irão jogar. Os games cresceram como indústria, e acho que é porque são expressões artísticas, diferentes do que era feito antigamente. Você pode sentar hoje e ver um filme, mas poderá se divertir mais jogando um game. Ler um livro, ver um filme, ou uma série de TV, tudo isso é ótimo; mas games também são. Quem sabe, em breve, os jogos se tornarão a forma de entretenimento com a qual nenhuma outra será capaz de competir.

Acha que Call of Duty poderá perdurar e significar algo maior no futuro? Qual será o legado da série?

Para mim, que cresci nos anos 70 e 80 – eu tenho 42 anos –, Star Wars e Indiana Jones representam as memórias icônicas. Para as crianças dessa geração, este papel é dos videogames. Os games serão a inspiração dessas crianças no futuro, quando se tornarem profissionais. É difícil prever, mas acredito que os padrões do entretenimento irão se elevar, e que os videogames vão inspirar o modo como o entretenimento será desenvolvido nas próximas décadas.

E a maneira como lidamos com os temas ditos "sérios"? Será que os games terão um dia certo peso em como compreendemos os fatos mais importantes desta época?

É importante que todas nossas histórias possuam embasamento em algum tipo de realidade. Por exemplo, muitos jogadores de Black Ops não sabiam nada sobre a guerra no Vietnã, nem quem era Fidel Castro. Perguntavam: “Quem é o cara de barba, bigode e boné?” [risos]. Ghosts é baseado em um universo ficcional, com personagens fictícios, em um futuro que ainda não aconteceu. E espero que não aconteça mesmo, porque praticamente destrói metade dos Estados Unidos [risos]. É uma questão de criar histórias e personagens com os quais as pessoas consigam se conectar. Era o que quis dizer quando citei Star Wars e as outras coisas que me inspiravam: eu só espero que consigamos um dia atingir esse mesmo calibre de criação.

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