<i>Yonlu, the movie<i> - Divulgação

Em Yoñlu, arte e tragédia caminham de mãos dadas

Filme conta a história do músico brasileiro que transmitiu a própria morte pela internet

Paulo Cavalcanti Publicado em 30/08/2018, às 13h32 - Atualizado às 14h27

Há pouco mais de doze anos, no dia 26 de julho de 2006, morreu Vinicius Gageiro Marques, de 16 anos, em Porto Alegre, cidade onde nasceu e morava, ao ingerir uma dose letal de monóxido de carbono. Vinicius vinha de uma família privilegiada, com ótimos recursos financeiros e de educação. Isso foi primordial em sua formação. O garoto prodígio morou em Paris, França, e, antes mesmo de chegar à adolescência, já falava quatro idiomas. Era dono de uma vasta cultura demonstrava grande talento em inúmeras atividades: cantava, compunha, tocava diversos instrumentos, desenhava e escrevia. O intelecto crítico e afiado de Vinicius estava muito além da pouca idade que tinha.

Ele sofria de depressão e chegou a apresentar tendências suicídas, mas Vinicius ainda conseguia levar uma vida produtiva e, por isso, a morte dele foi uma surpresa para os mais próximos. Não fosse pela ressonância que o caso teve na internet, talvez pouca gente tomasse conhecimento da dimensão da tragédia de Vinicius. O rapaz era muito ativo online, mantinha um blog e usava o pseudônimo Yoñlu quando participava de diversos fóruns. O adolescente era presença constante em fóruns sobre suicídio, discutindo motivações e estratégias. A morte dele foi comentada em tempo real por participantes de um desses fóruns, no qual Vinicius pedia dicas como se matar de uma forma rápida, limpa e indolor.

Na época, a morte de Yoñlu gerou debates intensos até fora do Brasil. Assim, quando foi anunciado há cerca de dois anos que a breve existência dele seria levada à tela grande, houve mais discussão – afinal, suicídio, especialmente se cometido por um adolescente, é um imenso tabu. Mas Yoñlu, que estreia nacionalmente nesta quinta, 30, fica livre das armadilhas que poderiam transformar a produção em algo potencialmente constrangedor e danoso.

A narrativa é toda costurada pelos rastros que Yoñlu deixou na internet, como conversas, posts em blogs, além de anotações, resenhas, ensaios, trabalhos escolares etc. O ótimo Thalles Cabral, músico e ator que encarna Vinicius/Yoñlu, se assemelha a um fantasma do garoto, tamanha é a entrega dele ao personagem. O diretor gaúcho Hique Montanari mostra uma mão sensível para tratar de um tema tão delicado, e usa de vários recursos cinematográficos para amarrar o enredo. Um dos mais interessantes são as animações baseadas nos desenhos feitos por Yoñlu. Um dos personagens do filme é o psiquiatra que cuidou do jovem, ele comenta os meandros da mente do músico.

Algo essencial é que o filme não idealiza o ato do suicídio. Yoñlu não é tratado como herói, nem mesmo como um herói trágico. Ele também não é colocado no papel de vítima. O filme se destaca ao imprimir um tom naturalista, de pura observação. Por isso a narrativa, no final, é emocionalmente fria, até mesmo distante.

Talvez o maior chamariz de Yoñlu seja mesmo a música. Ele fazia um folk que, apesar de ter influências de Nick Drake, Air, Badly Drawn Boy, Radiohead e outros, se mostrava totalmente original. As canções complementam a narrativa do longa e revelam de forma dramática o que existia na alma e mente do adolescente. Independente de o fim trágico ter sido o que chamou atenção para arte que fazia, Yoñlu era realmente talentoso. Ele talvez não estivesse muito interessado em mostrar sua música ao mundo, como fica perceptível no filme – Yoñlu criava para ele mesmo. Mas sempre teve um potencial imenso. É fácil se encantar por canções como “Tiger”, “Katie Don't Be Depressed” e “Mecânica Celeste Aplicadas”, presentes em um CD póstumo que saiu em 2007 pela Alegro Discos, e também na coletânea A Society In Which No Tear Is Shed Is Inconceivably Mediocre (2009), lançada por David Byrne através de seu selo Luaka Bop.

Assista ao trailer abaixo.

Conheça o disco A Society In Which No Tear Is Shed Is Inconceivably Mediocre.

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