Evento aconteceu em Brasília, no último fim de semana; veja a nossa lista de cinco shows favoritos dos dois dias
Lucas Brêda, de Brasília Publicado em 08/08/2017, às 19h01 - Atualizado às 20h27
Musicalmente, o rap multifacetado de Emicida e os riffs de guitarra do Far From Alaska pouco têm em comum. No último fim de semana, 5 e 6 de agosto, ambos passaram pelo mesmo palco do festival CoMA – que estreou em Brasília –, apresentando-se para públicos muitos semelhantes e ligados apenas por duas intersecções: são representantes bem-sucedidos da música independente feita no Brasil nos últimos dez anos.
O rapper paulistano e a banda de rock potiguar, responsáveis por dois dos shows mais quentes de todo o evento, funcionaram como personificações dos ideais propagados pelo CoMA. Dedicados a fazer um som contemporâneo, eles trilharam suas trajetórias à margem da indústria conhecida como tradicional (rádio, TV, gravadoras) e hoje possuem carreira sólidas. São o tipo de exemplo em que o evento buscou construir uma identidade.
Na primeira edição, o CoMA chegou com a ambição de inserir Brasília de vez no circuito de festivais independentes (conceito defasado, visto a quantidade de patrocínios e dinheiro público e sua origem sempre pouco comentada, como no caso do próprio CoMA) comprometidos com a nova música do país, como é o Bananada em Goiânia ou o Coquetel Molotov no Recife. A capital federal até tem o Porão do Rock – e outros eventos de menor porte –, mas o tradicional festival sempre se assemelhou mais a iniciativas como o João Rock, de Ribeirão Preto, cujo foco é oferecer entretenimento e cultura, sem gerar impactos na produção local e usualmente com line-ups focados em veteranos (garantia de lotação máxima).
Realizado pelo guitarrista do Scalene, Tomás Bertoni (ao lado dos produtores Diego Marx e André Noblat), o CoMA ocupou o Centro de Convenções Ulysses Guimarães e o todo o gramado da Funarte, com dois palcos de médio porte e outros espaços para shows: o tradicional Clube do Choro e o Planetário. Tudo com a grama seca, a poeira avermelhada e as estruturas facilmente reconhecíveis do estádio Mané Garrincha compondo a paisagem. Ao todo, 14 mil pessoas passaram pelo local nos dois dias (seis no sábado, oito no domingo), consumindo uma cerveja de 250 ml por R$ 5 e enfrentando pouquíssimas filas para qualquer um dos serviços.
Além da programação comum, foram realizadas palestras, workshops e mesas de debate que reuniram alguns dos nomes mais importantes da produção musical brasileira (produtores, artistas, empresários, curadores, assessores, artistas, radialistas e jornalistas), o que deu ao evento o caráter complementar de conferência, anunciado no próprio nome. Mais do que shows agradáveis, o CoMA chegou para dar palco a artistas locais emergentes – a programação foi recheada de bandas brasilienses –, aproximar nomes independentes relevantes, promover trocas de experiências e fazer com que o público esteja em contato com música nova e autoral.
Cinco melhores shows que vimos no CoMA 2017
A escalação foi variada e o único medalhão, Lenine, encerrou o segundo dia com um show emocionado, que foi gradualmente se esvaziando devido à segunda-feira iminente e a uma sutil desconexão do público majoritário. Emicida foi o headliner do dia anterior, só que Jaloo (cada vez mais desenvolto e preciso com os vocais e gerando uma esperada euforia) e o bloco de carnaval local Divinas Tetas (com músicas da Tropicália) ainda tocaram depois.
Entre as atrações internacionais, os uruguaios do Cuatro Pesos de Propina foram o maior destaque, com uma apresentação especialmente fervida e suada no Clube do Choro (no mesmo dia, eles se juntarem a outro show demasiadamente movimentado: Francisco, el Hombre, em um dos palco principal). Escalado com destaque na noite de domingo, o norte-americano O’Brother soou tão desnecessário quanto a fama da banda no Brasil sugere e o CoMA também recebeu o colombiano Masilva.
Atrapalhado por um som oscilante e por vezes ruidoso, o trio carioca Ventre tocou no sábado à tarde e repetiu o show dinâmico que vem mantendo a banda em ascensão, mesmo na falta de um disco de inéditas há dois anos. No segundo dia, sob sol, Clarice Falcão reuniu fãs ferrenhos e chamou ao palco Emmily Barreto, do Far From Alaska, para um dueto curioso em “Eu me Lembro”.
Também no domingo, o Selvagens à Procura de Lei lotou o Clube do Choro, onde o Baleia havia se apresentado no dia anterior, aproveitando bem o ambiente escuro e intimista do espaço histórico. O Ventre fez o “segundo” show no festival exatamente no local fechado, levando ao CoMA a apresentação em conjunto com a banda instrumental E A Terra Nunca me Pareceu Tão Distante, que também já foi mostrada no festival Bananada e no CCSP, em São Paulo, ambos este ano.
Nos dois dias, os shows tiveram atrasos variados entre 30 minutos e uma hora, o que praticamente não afetou o cronograma do festival. Abaixo, veja a lista com os cinco shows mais interessantes que vimos no CoMA 2017.
Rico Dalasam
“Hoje eu estou com o demônio”, disse Rico Dalasam. Envolvido em uma polêmica acerca de royalties de “Todo Dia” – hit máximo do último carnaval, parceria de Pabllo Vittar com ele –, o rapper esteve de fato endiabrado no CoMA, com uma uma peruca proeminente, rebolando, rimando furiosamente – muitas vezes a capella – e até cantando partes de “Todo Dia”, para delírio da plateia. Dalasam nem foi tão habilidoso ao conduzir os vocais dos refrães, mas garantiu a intensidade do começo ao fim, incorporando como mantra a frase: “Respeita as bichas preta.”
Carne Doce
Não é segredo a capacidade, em cima do palco, do Carne Doce: uma banda que consegue a unir fluidez instrumental a letras tão diretas e urgentes quanto o discurso da vocalista, Salma Jô, sugere. Especificamente em Brasília, o quinteto goiano esteve mais com a cabeça nas nuvens do que com os pés no chão, tendo até resgatado a jam espacial de mais de dez minutos “Carne Lab”, lado B do disco Princesa, mais recente do grupo, de 2016. Criativamente, o Carne Doce chegou ao auge com o segundo álbum, só que, nos palcos, o quinteto continua em ascensão.
Emicida
Há algum tempo os shows de Emicida estão carentes de novidade, há mais de dois anos baseados no disco Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015), com os hits de O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013) ganhando as mesmas coreografias e cacoetes de palco. No contexto do CoMA, contudo, ele soou necessário: não houve uma apresentação tão afiada e coesa quanto a do rapper no fim de semana, e ele ainda fez referências necessárias à memória de Luiz Melodia – morto na sexta, 4.
Scalene
Não foi o melhor show do Scalene em termos de público (a banda costuma ter fãs enlouquecidos e, apesar de presentes no CoMA, eles não eram maioria no domingo), só que, como “donos da casa”, o grupo estava se doando como em raras ocasiões. O Scalene é um dos poucos grupos de Brasília dispostos a renovar a linguagem roqueira – sem bater continência e repetir fórmulas de ídolos históricos locais, de Capital Inicial a Legião Urbana – e a apresentação ainda foi recheada de músicas novas e/ou recentes, entre elas a sexual “Entrelaços”, a balada “Cartão Postal” e a inédita “Distopia”, levada por falsetes e um discurso contra “falsos profetas”.
Far From Alaska
Demorou, mas o segundo disco do Far From Alaska foi lançado na última sexta, 4, três anos depois da estreia, modeHuman (2014). Unlikely, sutilmente mais ousado sonoramente que o antecessor – elevando os riffs gordos e o groove com inserção de autotune, timbres e construções inéditas –, foi a base para o corajoso show, que teve cerca de sete músicas novas para uma plateia inesperadamente vibrante, tendo contato com aquelas faixas pela primeira vez. Mesmo cantando em inglês, o Far From Alaska é imediatamente admirável em cima do palco, pois não soa nem desconfortavelmente estranho nem descaradamente reconhecível. “Obrigado por um dos melhores dias da minha vida”, disse a multinstrumentista Cris Botarelli, fazendo-se acreditar.
*O jornalista viajou a convite da produção do festival CoMA*
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