Grupo promete apresentações no Brasil, se for "economicamente viável"
João Vitor Medeiros Publicado em 07/07/2014, às 19h39 - Atualizado em 11/07/2014, às 11h36
Foi me prendendo ao clichê da pontualidade britânica que cheguei ligeiramente esbaforido e dez minutos depois do horário combinado ao local em que iria entrevistar os ingleses do Slowdive, que tinha a missão de fechar o dia do pequeno festival parisiense Villete Sonique, tocando após os novatos do Hookworms e os veteranos do Loop.
Depois de uma rápida conversa com a equipe do evento, fiquei aguardando na sala de imprensa a banda que, contrariando estereótipos, ainda não havia chegado. Aquela seria a sexta apresentação do grupo noventista após um período de aproximadamente 20 anos longe dos palcos. A primeira delas tinha ocorrido 20 dias antes em Londres, em uma espécie de aquecimento para o show que faria como uma das atrações principais do gigante festival espanhol Primavera Sound, o responsável por fazê-los caírem novamente na estrada.
Eis que, alguns minutos depois, enfim, cumprimentei os sorridentes Rachel Goswell (guitarrista e vocalista) e Christian Savill (guitarrista), que fariam as vezes de porta-vozes do quinteto. A expressão facial de ambos foi a deixa para que eu começasse a conversa, que se estenderia por meia hora, perguntando se eles estavam animados com a recepção do público ao retorno da banda aos palcos. “Sim, tem sido ótimo. A reação é inacreditável. Quando nós resolvemos voltar, não sabíamos bem como seria. A verdade é que tem sido melhor do que imaginamos. Tocar em festivais, ao lado de bandas legais, é algo bastante animador”, explica Savill. E por que voltar agora? Eu não resisto à tentação de perguntar se tudo isso seria apenas pelo dinheiro. “Porque nós nos amamos”, responde, prontamente, Rachel, entre risadas e se atirando ao pescoço do companheiro. “Pra ser sincero, nós ainda nem vimos a cor do dinheiro”, completa o guitarrista.
A dupla, então, explica que a primeira proposta séria para uma apresentação partiu do festival Primavera Sound e que o convite havia sido o catalisador. “A partir daí o resto foi acontecendo. Tem sido divertido tocarmos juntos novamente e, ao que tudo indica, ninguém mudou nesses 20 anos”, afirma Rachel, antes de ser interrompida por Savill, que acrescenta rindo: “A barba do Neil cresceu bastante”. “Quando surgiu a oportunidade de fazer algumas apresentações, todo mundo achou fantástico. Nós nos víamos esporadicamente, mas nunca estávamos todos juntos ao mesmo tempo no mesmo lugar. Ao longo dos anos as pessoas nos paravam e pediam pela reunião, mas, ainda assim, nós estávamos envolvidos em outras coisas. Dessa vez o timing foi perfeito. Quis o destino que fosse assim”, completa a vocalista.
O clima entre os integrantes do Slowdive parece propício, mas será que ainda há química entre eles? "Estarmos todos juntos no palco é divertido. É como calçar um par de chinelos velhos, não é nada diferente disso. É arrepiante e um pouco surreal", responde Rachel. Para Savill, “tudo aconteceu com naturalidade”, diz, antes de acrescentar: "É óbvio que nem todas as músicas saíram facilmente, algumas delas deram bastante trabalho, mas até agora tem sido maravilhoso. Eu não estou dizendo isso da boca pra fora, realmente tem sido ótimo. Ficamos três ou quatro dias viajando juntos em um ônibus e foi muito bom. Nós não nos matamos, então, acho que tem dado tudo certo”.
No tempo em que o Slowdive esteve inativo, apenas o baixista Nick Chaplin se afastou da música. Nenhum dos projetos dos outros quatro membros, contudo, teve grande repercussão ou exposição. Por isso, deve ter sido impressionante quando, uma semana antes, 25 mil pessoas – inclusive eu - assistiram aos britânicos no palco do Primavera Sound. De longe, o maior show que eles já fizeram. “Foi maravilhoso, bastante emocionante. Eu quase chorei, foi por pouco. Mas eu me segurei”, relembra Goswell. Savill não fica atrás: “Foi fantástico olhar aquele monte de gente e, assim que nós começamos, eles só queriam que tocássemos. Pra nós, isso é maravilhoso, era tudo que a gente precisava. Talvez, se a banda não tivesse terminado 20 anos atrás, não seria assim atualmente”.
Perguntei, então, como eles estavam encarando a nova composição da plateia. Muitas das pessoas que estão indo aos shows nem haviam nascido quando o Slowdive lançou Just for a Day, o primeiro disco da banda. “É engraçado você dizer isso, porque ontem à noite eu estava falando com a Rachel e nós não sabíamos de que tipo de pessoas seria formado o público. Achávamos que seriam os fãs de sempre, mas tem muita gente nova! E isso tem sido muito agradável. A questão é como a música toca as pessoas, independente do tempo.”
Segundo Savill, apesar de o som ainda ser o foco central, o cenário de hoje é bastante diferente do início da década de 1990, quando o quinteto surgiu: “No começo não havia internet, nem telefones celulares e isso mudou muita coisa, porque no segundo em que você sobe no palco, há uma reação instantânea àquilo nas redes sociais”. Para Goswell, a transformação vai além: “Acho que eu falo por todos quando digo que somos músicos muitos melhores do que quando tínhamos 19 ou 20 anos. Aprendemos muito”.
Questiono, na sequência, sobre a possibilidade do quinteto gravar um novo material e a resposta soa otimista: “Esperamos que sim. Quer dizer, nós acabamos de voltar a tocar juntos, ainda estamos fazendo os primeiros shows e temos mais alguns pela frente. Mas, quando voltarmos para casa, vamos trabalhar em algumas faixas e, se elas soarem boas, podemos lançá-las. Não queremos, porém, fazer algo só por fazer. Precisa ser bom”, afirma o guitarrista, ganhando a aprovação da companheira de banda.
O Slowdive pertencia ao seminal selo Creation, de Alan Mcgee, que lançou, além da banda, nomes como Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine e Oasis. O grupo acabou quando foi dispensado do Creation, uma semana depois de lançar o terceiro álbum, Pygmalion (1995). Quase 20 anos depois, eles enxergam a atual situação, longe das influências e pressões de uma gravadora, com animação. Savill comenta: “É a beleza da coisa. Antes nós tínhamos gravadoras dizendo ‘oh, vocês têm que fazer isso, vocês têm que fazer aquilo’ e dessa vez isso não interfere mais”. Rachel concorda: “É ótimo não depender de gravadoras. Agora nós podemos simplesmente aproveitar e fazer as coisas no nosso tempo. Temos o poder de dizer ‘agora não’”.
Apesar da obra do Slowdive ter resistido ao tempo, a conturbada relação com a crítica especializada sempre foi um capítulo à parte na história da banda. Recebidos com elogios fervorosos quando lançaram o primeiro EP, em novembro de 1990, os discos posteriores ganharam apenas críticas mornas e desapontadas. Até mesmo Souvlaki (1993), hoje considerado um “clássico cult”, foi achincalhado na época do lançamento.
“Foi estranho porque tudo começou fantástico e, de repente, ficou horrível. As coisas eram assim antigamente. A imprensa tinha muito poder, eles eram os formadores de opinião no Reino Unido. Então você podia cair em desgraça bem rápido”, relembra Savill. “Agora nós não temos mais esse problema. Eu gosto muito de como as coisas funcionam com os blogs. A internet traz a possibilidade das pessoas que gostam de algo se aproximarem e isso diminui as distâncias. Nós podemos nos comunicar diretamente com os fãs, isso é excepcional.”
A relação dos músicos com a internet, contudo, não mudou a forma como eles consomem música. “Ainda gosto de comprar discos”, afirma Rachel. Sobre novas tecnologias, em especial serviços de streaming, ela é cuidadosa. “Acho que é uma faca de dois gumes. Tem mais gente ouvindo a sua música, conhecendo o seu trabalho e, como artista, isso é gratificante, mas ganhamos pouco dinheiro. Como músicos nós gastamos muito tempo escrevendo nossas canções, construindo-as e agora parece que as pessoas pensam ‘ah, não temos que pagar por isso’. É errado.”
E quem são as influências atuais da dupla? A camiseta do Mogwai que Savill está usando dá pistas. Rachel se desmancha: “Eu amo o Nick Cave. Ele é um deus aos meus olhos. Se eu o encontrasse algum dia, ficaria sem palavras. Eu também gosto bastante do Midlake, vi um show deles ontem à noite e eles são bons”.
Para finalizar, eu não poderia deixar de perguntar se há alguma chance de vê-los no Brasil em breve. “O nosso agente está conversando com o pessoal de lá sobre termos práticos. Nós adoraríamos ir ao Brasil. Estamos tocando pela Europa e vamos aos Estados Unidos e à Ásia. Nós queremos tocar o Brasil, mas tem que ser financeiramente viável, não dá para pagarmos para tocar. Se houver uma proposta que torne isso possível, nós com certeza iremos”, Rachel finaliza.
Resta torcer. E, se acontecer, vá. Garanto que não vai se arrepender.
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