O mais recente jogo da Naughty Dog esteve no centro de debates polarizados sobre os temas que a história aborda, mas poucos deles continham argumentos válidos sobre o produto
Vinicius Santos Publicado em 16/07/2020, às 07h00
Pois é, já faz quase um mês desde o lançamento de The Last of Us Part II. E que mês complicado, com diversos altos e baixos. Logo na madrugada do dia 19 de junho, lançamento do game, o título foi disponibilizado na plataforma Metacritic, que agrega reviews de veículos jornalísticos ao lado de vereditos de usuários e as coisas não pareciam boas.
Rapidamente, o volume total de reviews na plataforma subiu para 10 mil avaliações e, enquanto a média da crítica especializada era um fortíssimo 95 de 100, uma das três maiores notas dos jogos de PS4, a média dos usuários era um intrigante 3.4 de 10:
Enquanto isso, o jogo vendia uma quantidade recorde de cópias digitais e físicas, mesmo em plena pandemia, se tornando o título exclusivo de PlayStation 4 que mais vendeu na primeira semana, com pouco mais de 4 milhões de cópias. Alguma coisa estava acontecendo.
Trata-se de uma prática chamada 'Review Bomb', ou seja, um bombardeiro de avaliações negativas ao jogo, raramente motivado por uma crítica real a qualidade do produto, mas sim de conflitos pessoais com os temas da narrativa. Os conflitos já aconteciam intensamente antes do lançamento de The Last of Us Part II porque o roteiro completo fora vazado semanas antes.
Por exemplo, boa parte dos comentários-relâmpago feitos em peso no Metacritic alegavam que Ellie, sendo uma protagonista homossexual, junto de diversos outros aspectos da história, tornavam o jogo "excessivamente político." Coisas como "lacração", "porcaria liberal" e outros rótulos acalorados acenderam a web com um debate intenso.
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Apesar de Neil Druckmann, diretor dos dois The Last of Us e criador da história de Joel e Ellie, falar desde 2016 que a continuação exploraria temas de atrito como vingança, ódio, sexualidade e egoísmo, parece que não foi o suficiente para preparar parte da comunidade gamer ao baque.
Rapidamente, o culpado por "arruinar uma franquia adorada" era Druckmann e outros membros da equipe do estúdio Naughty Dog, como a atriz Laura Bailey, que dublou a antagonista Abby. A culpa da produção era por serem "feministas radicais, amantes de pessoas gays e trans e que mereciam a morte por isso".
Até a ascendência Israeli-americana de Druckmann virou motivo de ataques e acusações por motivos religiosos e uma alegação completamente infundada de que o diretor promove ódio contra Palestinos, como ele mesmo relatou em um tuíte com prints de mensagens diretas enviadas a ele:
You can love or hate the game and share your thoughts about it. Unfortunately too many of the messages I've been getting are vile, hateful, & violent. Here are just a handful of them (feel it's important to expose.) Trigger Warning: transphobic, homophobic, anti-Semitic, etc. pic.twitter.com/uR9vpGgYQa
— Neil Druckmann (@Neil_Druckmann) July 5, 2020
Em tradução livre: "Você pode amar ou odiar o jogo e compartilhar seus pensamentos sobre ele. Infelizmente, muitas das mensagens que recebo são vis, odiosas e violentas. Aqui estão apenas alguns deles (penso que é algo importante para se expor.) Aviso de gatilho: transfóbico, homofóbico, anti-semita, etc."
Quando um dos lados do debate aumentou a temperatura ao destilar ódio e preconceitos, a polarização do lado oposto foi instantânea e esperada. Quem teve opiniões contrárias ou foi ofendido pela tentativa de boicote com argumentos políticos passou a tratar The Last of Us Part II como o melhor game já feito na indústria. Posicionamento esse que, apesar de não ofender nem desrespeitar ninguém, não contribui para criar diálogo entre as duas partes.
Aqui na Rolling Stone Brasil seremos francos: The Last of Us Part II está longe de ser um jogo perfeito. Ele possui falhas claras, diversos momentos que a dinâmica de gameplay perde a conexão com a narrativa e um desfecho divisivo que merece ser analisado de múltiplos ângulos.
Por isso que, a seguir, vamos misturar um review crítico da experiência com o título, com comentários sobre como as discussões improdutivas na web ignoraram o que deveria ser realmente criticado.
[ALERTA DE SPOILERS DA HISTÓRIA DE THE LAST OF US PARTE 2]
O primeiro (e maior) ponto de fricção entre os fãs foi na impactante morte de Joel Miller (Troy Baker), o protagonista do primeiro jogo. Ele é emboscado e brutalmente espancado até a morte por Abby, coisa que Ellie testemunha e a coloca numa frenética jornada de vingança.
Esse evento é a base para a narrativa acontecer e muitos criticaram a 'facilidade' com que Joel foi cercado, além de manifestar uma irritação com a morte de um personagem ficcional "adorado". O primeiro ponto possui uma justificativa honesta, enquanto o segundo é, sem eufemismos, uma birra imatura.
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Joel mostrou consecutivas vezes em The Last of Us (2013) que não era um cara fácil de se enganar. Caso memorável é quando ele e Ellie pegam um carro e passam por um homem caído na estrada que pede ajuda.
O contrabandista não só ignora o pedido de socorro do homem, como acelera. A suspeita dele se prova correta: o farsante saca uma pistola e atira contra eles, além de chamar reforços de outros bandidos.
Logo, existe um argumento contrário a morte do personagem bem razoável, mas que ignora o intervalo de tempo entre os dois jogos. Joel foi um sobrevivente amargurado que vivia em perigo e sem laços profundos com ninguém durante 20 anos de apocalipse. Isso até ele conhecer a garota que mudaria tudo, Ellie.
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Ele não só desenvolve sentimentos profundos pela menina, como se torna uma espécie de pai. Ambos vivem juntos por quatro anos na comunidade praticamente familiar da cidade de Jackson e é aí que se encontra a justificativa: Joel não apenas morreu, ele viveu.
Ao passar anos em um ambiente muito mais tranquilo, estável, cercado de pessoas que se importam com ele, não poderia tornar o personagem um homem mais suscetível a acreditar nas pessoas? Principalmente em uma situação de vida ou morte na qual ele provavelmente deseja mais do que tudo sobreviver e voltar para Ellie?
Joel acreditou que os pecados do passado não o perseguiriam novamente e amoleceu. A beleza desse destino abrupto, emocionante e digno para o personagem foi eclipsada por reclamações de pessoas que não entenderam completamente o conceito e enxergam Joel como um herói, coisa que ele definitivamente não foi.
Como o site especializado Gamasutra afirmou no artigo 'Gamers' don't have to be your audience. 'Gamers' are over., a 'cultura gamer' é um conceito ilusório, pautado pelo bem-sucedido marketing dos produtos da indústria, que encanta e engaja. Logo, surge um sentimento exacerbado e sem embasamento para defender e causar verdadeiras guerras virtuais por causa de um joguinho.
Devido ao sucesso da franquia, Joel virou um mascote icônico da comunidade gamer, por isso matá-lo pareceu para alguns como a violação de um símbolo que, de fato, não existe. Na verdade, The Last of Us Part II, passa boa parte do tempo de gameplay construindo uma argumentação de que ele mereceu morrer. E tem uma certa razão nisso.
É hora de falar da Abby, mas antes é preciso entender como chegamos até ela. No início, a antagonista parece uma vilã intimidadora, que mata Joel para satisfazer uma vendetta egocêntrica e isso é parcialmente verdade.
Tanto que passamos as próximas dez horas de gameplay acompanhando Ellie numa jornada muito violenta através da cidade de Seattle, matando dezenas de infectados pelo 'fungo zumbi' do jogo, além de membros da milícia WLF (a qual Abby e serve como soldado, junto com os amigos que emboscaram Joel) e dos cultistas chamados de Serafitas.
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Toda saga feita pela heroína nos condiciona a odiar a antagonista: Ellie vai se tornando cada vez mais violenta, raivosa e sedenta por sangue, assim como jogador. Até que atingimos um clímax:
"Vocês mataram os meus amigos. Nós deixamos vocês dois viverem e vocês desperdiçaram isso." São as últimas falas antes do jogo retroceder no tempo e forçar o jogador a testemunhar a vida de Abby por outras dez horas.
A Naughty Dog, num movimento muito ousado, desafia o jogador a fazer algo para o qual não existe modo fácil: perdoar. O estúdio conhecido por algumas das experiências mais divertidas em videogame, como Uncharted, parece apostar na capacidade fazer o público cultivar empatia pela vilã.
Assim como vemos momentos-chave do passado de Ellie durante o game, o lado de Abby mostra tudo que precisamos saber: Joel matou o pai dela, talvez o último neurocirurgião vivo, membro da organização paramilitar dos Vaga-lumes, para salvar Ellie, que seria morta e dissecada para descobrir como ela se tornou imune.
A escolha egoísta de Joel, que não queria perder alguém que era como uma filha para ele, condenou o mundo a ficar sem o segredo da imunidade para o fungo zumbi e é responsável pelas futuras mortes de incontáveis pessoas.
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Por isso a antagonista também entra na jornada de vingança, fortalece o corpo e busca a vida de um soldado em uma guerrilha sem fim nas ruas de Seattle. Porém, ela não encontra paz depois de matar o homem que ela odiava e não conseguiu perdoar.
Durante os capítulos de Abby, vemos como ela busca se reencontrar fora da vingança, superar barreiras étnicas para salvar os irmãos Serafitas Yara e Lev, ao ponto de tratá-los como família, de forma bem similar a como Joel desenvolve sentimentos por Ellie para superar o trauma da morte da filha biológica dele, Sarah.
Então, quando o jogador termina a parte da 'vilã' e volta para o confronto das duas protagonistas, é difícil entender para quem torcer. Abby teve motivos muito mais fortes e sólidos moralmente para se vingar, enquanto Ellie, apesar de estar executando a vingança dela de forma mais cruel, tem o carinho do fã.
Mesmo com o trabalho para desconstruir o ódio sobre a vilã, para enxergar o outro lado, muitos haters do game não simpatizaram com o lado humano dela.
Desde vídeos no youtube nos quais o jogador deixa a personagem morrer repetidas vezes para inimigos como forma de 'descontar' nela, até alegações completamente sem sentido de que seria impossível para uma mulher ficar musculosa como ela, Abby não foi aceita de jeito algum por parte da comunidade gamer.
O último desdobramento da crítica se dá quanto ao final de The Last of Us Parte 2, em como ele é divisivo e cheio de falhas, que poderiam ser adereçadas de maneira construtiva, mas se perderam no ruído de um público polarizado, incapaz de pensar profudamente sobre o que consome.
O ato final do jogo é, de longe, a parte mais problemática da experiência. Apesar da história passar a mensagem constante para o jogador sobre os impactos negativos de matar outra pessoa, a mecânica de gameplay coloca atividades como explodir inimigos e eliminar eles metódicamente como diversão.
Esse conflito de tons vai na contra-mão de The Last of Us Part II, ainda mais quando Ellie mata uma quantidade absurda de inimigos, para chegar a Abby finalmente e, como havia uma lição de moral importante a ser transmitida, a heroína não a mata.
É comum se sentir confuso com esse desfecho que, apesar de bom, é repleto de falhas. A mensagem do jogo sobre conseguir se importar com alguém que você odiava se dilui no meio de toda a violência, algo que poderia ser representado com mais sutileza.
Porém, esse debate profundo e interessante sobre um final reflexivo e que certamente entrará para a história dos videogames simplesmente não aconteceu na Web. Uma parte considerável do público foi incapaz de se conectar com Abby.
Novamente, segundo o Gamasutra, isso se deu por que o aspecto fortemente comercial do mundo dos videogames elegeu um público alvo desde o princípio: homens jovens, brancos e de classes média e alta, que tinham tempo e dinheiro para consumir uma nova modalidade de entretenimento.
Essa tendência de mercado gerou realidades distorcidas dentro do universo lúdico dos games e o tempo as faz parecer o 'padrão'. Mulheres hipersexualizadas e sempre em papéis coadjuvantes e outros paradigmas machistas. Absolutamente nenhum deles se encontra presente no desfecho do game.
Por fim, The Last of Us Part II é uma experiência intensa e (ouso dizer) inédita no mundo dos games, com muito para ser apreciado e para ser criticado. O fato é que as discussões online sobre a obra são cansativas, por vezes puras demonstrações de preconceito e falta de diálogo polarizadas.
Com certeza o objetivo de abalar as estruturas do status-quo do mundo gamer é o que faz a jornada de Ellie e Abby ser marcante, mas a mesma polarização e o ódio representados na história ironicamente prejudicaram a transmissão da mensagem, fazendo com quem tentou dialogar sobre a obra se sentisse devastado, assim como a Ellie, no meio de tanta hostilidade gratuita:
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