Darren Aronofsky, diretor de Noé e Cisne Negro, entrega trabalho radical e pessoal
Paulo Cavalcanti Publicado em 20/09/2017, às 14h43 - Atualizado em 27/09/2017, às 09h41
Assistir ao filme Mãe!, do diretor e roteirista Darren Aronofsky, é algo que exige preparo emocional e espiritual. O longa oferece o tipo de experiência similar àquela de obras como Salò ou os 120 Dias de Sodoma, Calígula, A Última Tentação de Cristo e Terror Sem Limite. Mãe! tem escatologia, cenas intencionalmente repulsivas e causa um intenso desconforto, podendo ofender sensibilidades. No primeiro ato, se assemelha a um thriller psicológico um tanto bizarro, mas com o pé em algo minimamente convencional. Na metade, parece um remake mais surreal de O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Mas no ato final, o filme revela sua verdadeira natureza. Mãe! é uma viagem selvagem, apocalíptica, sangrenta e repleta de metáforas. No balaio, o cineasta responsável por Cisne Negro e Noé inclui religião, criação e destruição.
Jennifer Lawrence e Javier Bardem vivem um casal que habita uma imponente casa de campo que fica isolada em um local não identificado. O personagem de Bardem, creditado como Ele, é um poeta famoso que passa por um angustiante bloqueio criativo. Jennifer Lawrence é denominada Mãe, apesar inicialmente não ter filhos. Ela é sensata, equilibrada e apaixonada por Ele. Mãe passa o tempo restaurando a casa, que havia sido destruída pelo fogo. A paz do casal é perturbada por um desconhecido, interpretado por Ed Harris. Ele é identificado como Homem. Apesar de Homem ser incômodo e desagradar Mãe, Ele o acolhe calorosamente, crendo que a presença dele pode estimulá-lo a voltar a criar. No dia seguinte, chega a esposa do Homem, vivida por Michelle Pfeiffer. Ela é detestável, intrusiva e testa a paciência de Mãe ao extremo. Posteriormente, chegam os filhos dos intrusos. Uma tragédia acontece e os visitantes indesejados acabam indo embora. Com a paz aparentemente restaurada, Mãe revela que está grávida. E Ele finalmente consegue concluir seu poema, aclamado universalmente. Mas o idílio dura pouco e o filme vira uma bad trip sem redenção. Os delirantes 30 minutos finais não são para fracos.
Trata-se de um filme aberto a todo o tipo de interpretação. Cada um vai fazer sua leitura pessoal dos eventos revelados na tela. Mãe! versa sobre o choque entre patriarcado e matriarcado e também fala de processo criativo, nascimento, morte, o papel de celebridade, a banalidade da adoração, o aquecimento global, a destruição da terra, terrorismo, preconceito e miséria.
Amarrando todas estas temáticas estão simbologias sobre o Velho Testamento. Aronofsky oferece versões altamente idiossincráticas e nada sutis para Deus, a Terra, Adão e Eva, Caim e Abel, e o nascimento e morte de Jesus Cristo. Assim, o filme parece ter uma agenda anarquista ou transgressora. Não exatamente. Na narrativa existem mensagens não tão veladas sobre a defesa da propriedade, o apreço ao individualismo e o repúdio ao coletivismo, com fortes estocadas no pensamento e estilo de vida dos liberais e dos socialistas norte-americanos. Mas também não dá exatamente para chamar um filme com uma estética tão "fim de mundo" como este de "conservador".
Com tanto caos e digressão, fica difícil dizer se os atores fazem grandes interpretações ou se apenas se jogaram de cabeça nos papéis sem pensar nos resultados. Depois de Mãe, Jennifer Lawrence nunca mais será vista como antes. Ela deveria ganhar algum prêmio por toda a degradação a que é submetida ao longo das duas horas do filme. Este não é um filme para se gostar. Aliás, as reações do público norte-americano mostram que ele tem sido abertamente detestado e repudiado. Não necessariamente por a obra ser ofensiva e blasfema: “autoindulgente” e “pretensioso” são os adjetivos que têm sido empregados com mais frequência. Mesmo que seja apenas para sair criticando, Mãe! é um experiência e tanto.
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