Desde a década de 1990, as produções adultas encararam o experimentalismo e o desafio de serem originais
Malu Rodrigues Publicado em 24/06/2020, às 07h00
[Contém spoilers]
Neste ano de 2020, Os Simpsons completa 31 anos no ar. A sitcom norte-americana criada por Matt Groening para a Fox abriu caminho para a indústria reconhecer e valorizar produções animadas voltadas para o público adulto.
Depois da série entrar no horário nobre da TV, ela serviu como um respiro para a programação massante da televisão ao colocar nas telas uma família disfuncional repleta de falas satíricas. Os Simpsons também serviu como uma das precursoras e principais influências para as futuras animações.
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Na própria década de 1990, a Fox investiu pesado nas animações adultas. King of the Hill, Family Guy, Futurama e The Critic foram criadas no final da década. Nos anos 2000, a Fox continuou a produzir e televisionar séries como American Dad e The Cleveland Show.
E, não era apenas a Fox que via o sucesso das animações adultas majoritariamente inspiradas nos Simpsons. O canal Comedy Central foi lançado em 1991 e seis anos depois disponibilizou a polêmica e controversa South Park. O Adult Swim, que viraria um dos canais mais especializados em animações adultas, chegou na TV em 2001 e começou um longo caminho de consolidação na indústria com a estreia de Space Ghost Coast to Coast.
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Nos anos de 1990 e na continuidade dos 2000, a maioria das produções seguia a fórmula certeira dos Simpsons: acompanhava uma família em situações bizarras e hilárias. Havia o pai desleixado, uma mãe preocupada, crianças sem controle e um animal meio aleatório na cena.
Mesmo as animações adultas que não tinham uma premissa parecida com os Simpsons, sempre deixaram claro as referências. South Park, por exemplo, tem um episódio inteiro dedicado a produção de 1989 intitulado "Simpsons Already Did It" (Os Simpsons já fizeram isso, em tradução livre).
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A televisão dominou a cena da animação adulta até o começo dos anos 2010, no entanto. A partir dessa época, ela ia lidar com as produções originais do streaming, que não deixaram de ver um público de nicho nas séries adultas. A Netflix, por exemplo, virou uma plataforma em 2007 e alguns anos depois agitou o mercado com o lançamento das inovadoras Big Mouth, Tuca and Bertie, Love, Death & Robots, Bojack Horseman e, mais recentemente, Midnight Gospel.
Pronto para encontrar um público fiel, o streaming procurou pelo experimentalismo emocional ainda não visto na televisão. Na Amazon Prime Video, a estreia de Undone em 2020 foi uma surpresa incrível. Nos últimos anos, percebemos que Os Simpsons e outras séries das décadas passadas, apesar de serem muito adoradas e terem aberto espaço na indústria, não são os únicos exemplos de originalidade no meio.
O streaming tem influência direta na cena da animação adulta, mas a TV não ficou de escanteio. O experiente Adult Swin lançou a produção existencialista Rick and Morty em 2013. A série se tornou um fenômeno e entrou para a lista de animações recentes que transformam a própria narrativa.
As animações lançadas nos anos 2010 se destacam por explorar as profundezas emocionais dos personagens. Os projetos adultos são provocativos e permitem ao público sentir variadas emoções, desde o fascínio até a tristeza total.
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Uma geração de criadores que cresceram com Os Simpsons agora ampliam as barreiras do formato das animações, criam novas histórias - bem distintas entre si -, desafiam o espectador e dão uma nova camada para as séries adultas que antes eram vistas como juvenis e apenas para dar risadas. Confira, com exemplos significativos da indústria, a evolução das séries de animações adultas:
Os Simpsons trilhou o caminho para muitas séries. A produção foi feita especialmente para o público rir, e ela não tem vergonha nenhuma disso. Sem aprofundar os personagens, não conseguimos ver de maneira mais detalhada os problemas que eles lidam e as consequências emocionais que eles têm. Em vez disso, a animação honra a premissa de se manter 'leve'.
Homer, por exemplo, sempre aparece perdendo o emprego e pulando de trabalho em trabalho. A produção não usa essa história para analisar o personagem, na verdade, ela serve como escape de piada durante as temporadas. Piadas que, inclusive, já serviram para abrir o debate sobre as polêmicas trazidas pela trama.
Pelo escracho do roteiro, a animação não entra em questões existenciais profundas e mais visíveis ao público. A edição irônica e satírica é outra forma de passar uma mensagem para o público.
Apesar de ter uma premissa diferente das séries animadas atuais, Os Simpsons ainda reúne uma legião de fãs e movimenta a programação da Fox. Depois de 31 anos no ar, a produção se mantém fiel ao próprio legado em um cenário transformado - e, convenhamos, a animação não pensará tão cedo em mudar drasticamente.
Rick and Morty, do Adult Swim, mesmo lançada muitos anos depois de Os Simpsons, mantém uma base parecida: a da família. Isso foi o que aconteceu com muitas séries antigas. No entanto, a animação de 2013 mistura elementos a mais.
Com uma influência da ficção científica vista em Futurama, acompanhamos as aventuras - e desventuras - de um cientista alcoólatra e o neto inocente. A animação entregou momentos emocionantes, engraçados, confusos e, na maioria, pertubadores.
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O humor seco da série cresce a cada temporada e adiciona uma nova camada de niilismo em todo episódio. Com reflexões existencialistas e filosóficas, por vezes escondidas, a série é muito mais do que aparenta ser. Além disso, ela não deixa de explorar os cenários mais absurdos e bizarros para revelar as complexidades dos personagens.
Bojack Horseman se mostrou uma das séries mais subversivas dos últimos tempos. Por entrar em uma categoria mais mainstream, a produção conseguiu um público fiel que acompanhou a história por seis temporadas - a primeira lançada foi lançada em 2014.
A série de BoJack é uma das mais sombrias e interessantes da Netflix. O protagonista é um cavalo com características humanas. Mesmo ele não sendo um dos personagens mais carismáticos, o público consegue se relacionar com ele. BoJack fala o que pensamos - e nos momentos mais inoportunos. No entanto, a construção do personagem não é feita de forma escrachada. Conseguimos rir, mas há momentos para muitas reflexões.
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Com uma certa delicadeza, a série aborda temas como depressão, traumas e luto. Somos colocados para dentro da tela, como se tivéssemos acabado de sair de uma sessão de divã. Engraçado e triste é a melhor definição, tanto para o personagem, como para a série.
A estética melancólica de Bojack Horseman é uma das primeiras a criar tanta inquietação e desdobrar de forma visceral as discussões sobre o comportamento humano.
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Midnight Gospel é a mais recente série animada a estrear na Netflix. A produção é inspirada nas entrevistas do podcast Duncan Trussell Family Hour. Nele, o apresentador Duncan conversa com entrevistados sobre as temáticas mais existencialistas possíveis, como morte, significado da vida e questões sobre a humanidade. Tudo isso é transportado para a animação, que evidencia as falas dos especialistas em meditação e ascensão espiritual, por exemplo.
Com visuais brilhantes e psicodélicos, é preciso, por vezes, assistir o episódio mais de uma vez para entender o que está acontecendo - tanto nas imagens como no roteiro.
A série revela um sentimentalismo racional absurdo e leva o espectador para as viagens mentais mais viciantes e incríveis. Totalmente fora dos padrões antigos estabelecidos no mercado, Midnight Gospel é uma das produções adultas mais ambiciosas e bem trabalhadas, ouso dizer, de todos os tempos.
Em entrevista à Time, Mike Moon, responsável pelo departamento de animações da Netflix, comentou: “Nós estamos realmente explorando os limites do que um programa de animação adulto significa. O que você verá agora é uma aceleração real no tom e nos tipos de histórias".
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Undone, da Amazon Prime Video, é outro exemplo recente do quanto a animação adulta chegou longe na questão de experimentalismo e desviou do limite. Na série, acompanhamos a rotina de uma jovem latina que precisa lidar com a saúde mental e a suspeita de esquizofrenia. Vale apontar como a personagem Alma é uma das poucas protagonistas mulheres em animações adultas.
Apesar de ser obviamente engraçada, a meta da produção não é essa - é ir além, mas sem negar as influências da comédia. Também com uma pegada dramática, o roteiro da série é extremamente natural e questionador.
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Em entrevista à Time, Kate Purdy, co-criadora da série, diz: "São pessoas muito reais que têm relacionamentos muito reais com apostas sérias".
As séries adultas marcaram a cultura pop e criaram símbolos eternizados. Desde a ascensão de Os Simpsons, abriu-se espaço para as animações encararem o experimentalismo e o desafio de serem originais.
As fórmulas de narrativa das produções mudam com as décadas e não deixam reformular os formatos já estabelecidos na indústria. Se antes víamos roteiros simplesmente hilários e nos últimos anos vimos uma subversão de histórias e profundidade de personagens, podemos esperar por um futuro ainda mais brilhante e visceral.
"Adulto não precisa ser grosseiro e cruel - pode ser sofisticado, dramático, bonito e matizado", comenta o escritor e animador Alex Hirsch à Time. E, é isso que devemos ver cada vez mais no streaming e na televisão.
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