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A Evolução do Estereótipo das Mulheres nos Filmes de Terror, de Psicose a O Homem Invisível

Os longas não deixam de idealizar narrativas clichês para as mulheres

Malu Rodrigues Publicado em 11/05/2020, às 07h00

Em todos os gêneros, é fácil encontrar algum arquétipo idealizado para as mulheres - e o terror não escapa disso. De Manic Pixie Dream Girl até a mulher forte ou a figura sedutora impiedosa. 

Os longas com serial killers e criaturas sobrenaturais projetam nas personagens femininas muitos clichês perpetuados pela indústria. Podemos ter a jovem virgem que escapa, a amiga com decisões questionáveis que nunca sobrevive ou até a desconhecida que morre sem nem sabermos a história dela.

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Não é difícil lembrar das produções com esse enredo. O processo de desvencilhar essas narrativas conservadoras também se mostrou arrastado. Até os anos 1990, praticamente só víamos personagens femininas com mortes gráficas e que colocavam as mulheres em posições inferiores aos homens.

Antes disso, na maioria das vezes elas apareciam apenas para movimentar o enredo - com a própria morte, é claro. Até hoje, encontramos muitos clichês. No entanto, nos últimos anos, uma onda de novas construções narrativas deixaram o protagonismo para as mulheres. 

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Aliás, esse não é um protagonismo com figuras planas e fáceis de adorar, mas sim personagens complexas com histórias mais desafiadoras e inquietantes. Para entender a evolução do estereótipo das mulheres nos filmes de terror, é preciso conhecer os simbolismos associados a elas durante as décadas, desde as Scream Girls, passando pelas Final Girls até chegarmos nas subversões dos clichês. Confira a análise:


A voz das Scream Girls: quem se lembra de Marion Crane?

As Scream Girls (Garotas do grito, em tradução livre) ou Scream Queens (Rainhas do grito, em tradução livre) surgiram na época ainda do cinema mudo nos anos 1930, mas o termo só ficou famoso décadas depois. O arquétipo é utilizado até nos dias atuais, mas é geralmente usado para personagens com características mais peculiares. 

Essas figuras são associadas, principalmente, às mulheres do terror que se tornam vítimas dos antagonistas. Na maioria das vezes, não conhecemos muito bem a história da Scream Girl. Ela aparece mais para um efeito chocante e dramático. Por isso os gritos estridentes que não saem da nossa cabeça.

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Eles se tornam mais marcantes do que a própria figura feminina. Uma das personagens mais famosas é Marion Crane, interpretada por Janet Leigh, do filme Psicose (1960). Pouco se lembra sobre a história de vida da personagem, mas podemos descrever fielmente a cena da morte dela.

Vista apenas como vítima, a personagem aparece nua no longa - simbolismo da fragilidade e exposição da jovem para com o assassino. Sem muito protagonismo, a figura da mulher aparece apenas para movimentar o enredo. 


O arco das Final Girls, de Halloween a Pânico

Para além das Scream Girls, as Final Girls - termo sugerido por Carol J. do Trevo no livro Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film (1992) - sobrevivem aos ataques macabros dos antagonistas depois de uma jornada intensa. Isso acontece principalmente nas produções de slasher a partir do começo dos anos 1980.

Ambos os estereótipos podem se misturar, mas as Final Girls têm novos contornos. Elas são as protagonistas que perdem praticamente todos os amigos e até familiares enquanto tentam fugir dos assassinos à solta. Nesse novo clichê, o público se distancia da narrativa do vilão e passa a ver - quase - tudo pelos olhos dessas personagens. Torcemos para elas porque conseguimos criar uma ligação.

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No entanto, é uma transição grande entre ser uma personagem no terror que serve de estopim para a narrativa do vilão em uma morte bem gráfica, e se tornar a peça central da trama. Você não é mais um destaque apenas para a morte. Você - além de lutar no filme - também luta pelo protagonismo.

Nessa linha, os slashers se dividem em basicamente duas vertentes. A primeira é a das final girls em uma interpretação mais angelical e virgem, onde são mostradas em narrativas mais conservadoras. Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980) são exemplos desse tropo. Nesse cenário, as personagens são as únicas que sobrevivem justamente por terem um "comportamento moral".

A segunda é as das final girls mais autônomas em relação a uma representação plana. Como o complexo ganha o público, não é a toa que as Final Girls independentes ganhem mais a nossa torcida. Como elas têm histórias mais desenvolvidas, nos identificamos melhor com elas.

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Uma delas é Sidney Prescott, de Pânico (1996). A personagem teve tanto destaque no terror que até virou um símbolo para a cultura pop. Interpretada por Neve Campbell, a personagem subverte a noção de que apenas mulheres com representação plana e graciosa conseguem chegar até o final do filme vivas.

Sidney, ao longo das produções da franquia, molda uma personalidade mais desafiadora. Ela se mostra mais assertiva, mais falha, mais próxima da realidade e, importante notar, não é colocada como uma figura angelical e virgem. Isso é um dos principais pontos para que o público se identifique com a personagem e acompanhe a trajetória de trauma dela. 

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Precisamos nos relacionar com as Final Girls para não nos subjugarmos ao lado do terror, representado pelo antagonista. Para isso, devemos conhecer seus medos - além do assassino, claro -, seus divertimentos, suas culpas, suas dúvidas, o máximo que o público puder extrair. É aqui que se estende a diferença entre as Scream Girls.

Para além das vozes, também identificamos as vivências das protagonistas. Aquelas cenas em que vemos a rotina das personagens não são colocadas apenas para ‘preencher’ o longa, mas sim para detalhar ao público como as relações da jovem se permeiam. Na franquia Pânico, acompanhamos toda a narrativa de Sidney

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A sequência de eventos da vida da jovem mostra como ela evoluiu nos anos de perseguição - e também como o público anseia para que ela conclua mais uma etapa de desmascarar o vilão e sair viva depois de quase 2 horas lutando para sobreviver.


A subversão dos estereótipos

Com Sidney Prescott, Pânico deu uma revigorada nas histórias de slasher. O primeiro filme da franquia, lançado em 1996, deu uma nova visão sobre a representação feminina para os longas de terror a partir dos anos 2000.

Pulando essa década e indo direto para os anos 2010, o terror ganhou uma nova camada. Com uma maior autonomia e visibilidade no mercado, o gênero se distanciou um pouco do slasher e se inseriu em outras formas. Nesse cenário, nem as scream girls, nem as final girls são as protagonistas.

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Mais ambíguas e mais independentes das narrativas conservadoras, as mulheres protagonistas dessa nova década não são colocadas em nenhum tropo. Pelo contrário, cada uma delas consegue se esquivar ainda mais da outra. A cada estreia encontramos uma personagem diferente, que pode ter paralelos com outras, mas que nunca tem a mesma história.

Thomasin, interpretada por Anya Taylor‑Joy, faz parte de uma família religiosa do século 17 no filme A Bruxa (2015). Diferente das protagonistas passadas, a jovem não define uma linha clara entre o clichê do bem versus o mal. 

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Ela questiona ao longo da produção inteira a complexidade da vivência do 'ser mulher'. Há uma espécie de libertação do padrão feminino estabelecido nas décadas passadas. O estereótipo de anjo ou criatura maligna passa longe de Thomasin

Também do A24, Midsommar foi aclamado em 2019 e, pela performance poderosa como Dani, a atriz Florence Pugh virou a nova queridinha de Hollywood. O terror folk evidenciou uma protagonista narrada de maneira inquietante. Podemos até fazer um paralelo com Sidney Prescott e levantar como ambas as personagens tiveram traumas relacionados à família.

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No entanto, enquanto em Pânico o público não lida com o luto direto de Sidney - e fica mais interessado nos assassinatos -, em Midsommar parece que sofremos com Dani nos pequenos detalhes. A jovem é construída como protagonista da própria história, por isso conseguimos trabalhar os traumas dela ao mesmo tempo que ela.

Assim como Thomasin, Dani coloca em jogo o debate do bem versus o mal. Em Midsommar, essa linha é completamente eliminada e fica para o espectador debater as decisões finais da protagonista. Nem angelical, nem maligna, a jovem não é definida por nenhum dos dois tropos.

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Os últimos meses foram marcados pela estreia de O Homem invisível (2020), protagonizado por Elisabeth Moss. No filme, uma jovem precisa lidar com ex-namorado abusivo. O longa faz uma imersão na vida e nos traumas dela. Para além das Final Girls, aqui lidamos com todo o passado da personagem principal de uma forma aprofundada e quase sufocante.

Mais ambíguas, mais desafiadoras e mais reais, as personagens controlam as narrativas das produções e aos poucos vão deixando de ser retratadas como clichês. Dessa forma, a indústria do terror revela filmes que repensam os estereótipos da mulher nas telas do cinema, mas que ainda precisam melhorar muito para chegarem em uma representatividade e não apenas visibilidade.

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Doutor Sono (2019), com Kyliegh Curran, e Nós (2019), com Lupita Nyong'o, por exemplo, foram praticamente os únicos filmes com protagonistas negras a ser debatidos no terror mainstream no ano passado.

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É importante apontar como a evolução dos estereótipos também é uma escolha de mercado por parte dos estúdios. Com os discursos de representatividade, a indústria responde a esse ‘pedido’ do mais complexo. Inclusive, não só na frente das câmeras, mas também é essencial ter mulheres nas equipes de produções. Isso porque não se constrói personagens mulheres reais sem a participação de uma mulher.


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