Músico afirma que gostaria de voltar a tocar com o Strokes em lugares menores, para um público que não conhecesse a banda de Nova York
Pedro Antunes Publicado em 08/04/2014, às 12h50 - Atualizado às 19h28
Logo adiante, o sujeito ligeiramente alto e desengonçado, de cabelos escorridos até a altura dos ombros e pele anormalmente branca, caminha em direção à van. Ao ver o entrevistado ir embora, corro até lá. “O Richard está aqui?”, pergunto em inglês e o empresário me cumprimenta. “Havíamos marcado uma entrevista às 18h”, continuo. “Ah, sim”, diz ele enquanto se dirige ao banco diretamente atrás dele. “Jules, você tem uma entrevista para fazer.” “Agora?”, questiona Julian Casablancas, com expressão de legítima decepção no rosto. “Mas vamos perder o Phoenix. Você não quer vê-los?”, ele me pergunta. “Eu preciso, aliás, vou cobrir”, respondo. “Ótimo. Sobe aqui que você vai assistir ao show com a gente”.
No veículo com espaço para 15 pessoas estão os outros cinco integrantes do The Voidz, grupo que está acompanhando o líder do Strokes nesta nova aventura musical que vem sendo testada na América Latina durante os festivais Lollapalooza chileno, argentino e, neste sábado, 5, em São Paulo.
Poucas horas antes, Casablancas estava sobre o palco Skol, o principal da versão brasileira do evento, exibindo músicas inéditas, esquisitamente pesadas, embora as guitarras ainda sigam as mesmas linhas melódicas de escalas pentatônicas que o Strokes tomou para si no início dos anos 2000, comandando aquela que muitos acreditam ser a última grande revolução roqueira. “Você viu nosso show?”, pergunta ele, mas sem querer saber minha opinião sobre as novas faixas. “Elas podem evoluir ainda um pouco. Em uma parte ou outra. Mas estão muito próximas de prontas.”
Depois de ter sido colocado no panteão dos grandes roqueiros com Is This It, lançado em 2001, Julian Fernando Casablancas parece estar disposto a quebrar a imagem criada por ele – ou pelos outros, seja público ou imprensa. Não por acaso o primeiro álbum solo dele, Phrazes for the Young, se saiu tão distante do garage rock cru do Strokes.
Casablancas quer incomodar e não parece estar preocupado se você gostou ou não da apresentação dele. Ele se diverte ao criar uma situação incômoda. As músicas “Ego”, “2231”, “Biz Dog”, “Dare I Care” e “Where No Eagles Fly (Acula)” vieram emboladas, com instrumentos altos demais e a voz dele escondida por moduladores vocais. “Sabe, eu estava falando com o Thomas [Mars], do Phoenix, há pouco. A minha parte favorita do show deles era justamente aquela em que o público parecia estar confuso. É claro, é legal quando eles estão enlouquecidos, mas é interessante ver todos com cara de ‘o quê?’, entende?”
O percurso da van, saindo dos camarins de Casablancas, na reta dos boxes do Autódromo de Interlagos, até o backstage do palco Skol, onde o Phoenix se apresentaria às 18h30, leva 10 minutos. Neste meio tempo, o líder do Strokes permanece quase sempre calado, enquanto a trilha sonora é feita por Jeremy Gritter, o guitarrista mais carismático da banda no palco, com longos mullets cacheados, nariz proeminente adunco e um curioso bigode oitentista. Beardo, como restante da banda o chama, improvisa linhas de jazz imitando um saxofone imaginário com a boca. Logo, mais dois ou três se juntam a ele na brincadeira. “Senhoras e senhores, vocês acabaram de descobrir o jazz”, diz Casablancas. E todos, inclusive ele, caem no riso.
O backstage é fechado por seguranças, que pedem para ver as credenciais dos integrantes da banda. Me junto ao grupo e passo sem fazer contato visual com nenhum deles. Os integrantes do Voidz vão, aos poucos, reencontrando os músicos do Phoenix, prestes a subir ao palco, distribuindo abraços e apertos de mão. “Viemos jogar futebol com eles”, anuncia Beardo. “Temos certa rivalidade”, completa ele.
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Jules, como Casablancas é chamado pelo restante do grupo, admite não ser dos mais exímios jogadores de futebol, mesmo que estivesse usando uma camiseta da seleção argentina de futebol por baixo do colete preto. “Mas me garanto no basquete”, diz ele, batendo a bola com as mãos e fazendo-a passar por baixo das pernas. “Uma vez, os caras do Arcade Fire foram jogar contra a gente em Nova York. Mas, cara, você não mexe com gente de Nova York em Nova York. Ganhamos deles e o Win [Butler, vocalista da banda e notoriamente um entusiasta do esporte] ficou muito puto.”
O Voidz é formado por Alex Carapetis (baterista, que já tocou com Nine Inch Nails e no primeiro álbum de Casablancas), Jeff Kite (teclado, também da turnê solo do líder do Strokes), Jake Bercovici (baixo, produtor do Warpaint) e Amir Yaghmai (guitarra, que gravou com Daedelus e Baths). Segundo Casablancas, eles são “amigos que venho acumulando nos últimos quatro ou cinco anos”.
O músico afirma que a sonoridade encontrada pelo Voidz é algo que ele vem buscando há algum tempo. “Sendo bem honesto com você, estou realizando o meu sonho musical”, diz Casablancas. “O meu primeiro disco solo era legal. Quero dizer, em termos de letra e musicalmente, o disco tinha uma atmosfera legal, mas tudo era muito quadrado melodicamente”, acrescenta. “As letras eram ok. Mas meio que não foi tão longe quanto eu gostaria”.
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O álbum, cujo nome é algo parecido com Julian Casablancas + The Voidz – “é, a grafia pode ser esta, desde que não tenha “and” escrito, porque é muito longo” –, ainda não tem data de lançamento. Primeiro noticiou-se abril, depois junho e, agora, segundo o empresário, deve chegar apenas no segundo semestre. “Temos uma pressão própria, entende?", diz Julian. "Quando se tem algo a fazer e terminar. Mas estamos fazendo-o passo a passo. Eu não ligo em fazer esse processo do início porque, na verdade, estamos vivendo a parte mais divertida, com esse começo de turnê. Logo os shows vão melhorar, as músicas também, e talvez as pessoas reajam mais, mas provavelmente não será tão divertido. Você meio que fica cansado dessas canções.”
Casablancas diz que até mesmo“Sonata ao Luar”, do alemão Ludwig van Beethoven e considerada por ele “a melhor música de todos os tempos”, pode enjoar. “Se você ouvir essa música 10 mil vezes, você pode pensar: ‘Tudo bem, vou deixar de ouvi-la por um mês’.” Eis aí uma a resposta àqueles que reclamaram da escolha do repertório.
Quando o relógio chega às 18h30, o Phoenix sobe a escada localizada à esquerda para chegar ao palco, seguido por Casablancas, banda e eu. Thomas chama Julian para entrar no palco com eles, mas ele nega. “Não, este é o seu momento”, diz ele, apesar da insistência do vocalista da banda de Marselha. “Vai lá, aproveite isso. Vai lá”.
Assista ao vídeo divulgado no site de Casablancas sobre o novo disco:
Os acordes de “Entertainment” são ouvidos atrás do palco, onde estamos, e o público vibra e pula alto. “Eu adoro esse baterista”, comenta Beardo, apontando para Thomas Hedlund. “É um dos melhores que existem no mercado”.
Já estamos posicionados em meio a outros convidados da banda e outras pessoas com credenciais brilhantes penduradas como colares, quando um rapaz da produção aproxima-se de Julian e cochicha ao seu ouvido. “Ele disse que tem um lugar mais vazio para a gente. Vamos lá”, diz Julian. No caminho, ele faz questão de apontar para um buraco enorme no chão de madeira do palco que levava até o gramado, há uns quatro metros de distância. “Gente, cuidado aqui”, avisa ele. “Isso seria um estrago e tanto.”
Antes de chegar ao novo espaço reservado para o The Voidz, um homem baixo e acima do peso interrompe a caminhada de Julian e diz, vagarosamente como se fosse deixar mais fácil para que ele entendesse: “Aqui. É. Brasil. Não. É. Argentina”. Casablancas só ri e responde com um “yeaaaah” arrastado. Já no lugar, localizado no lado direito do palco (para quem estava assistindo ao show do Phoenix), os integrantes da banda preferem ficar em pé para ver a apresentação, enquanto Julian se joga em um banco lateral.
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Ele faz questão de bater palmas a cada fim de música e gritar coisas como “fucking great!” ocasionalmente. Justamente no momento em que o show do Phoenix entra no momento mais experimental, Casablancas se levanta e tenta até criar uma roda de pogo pouco efetiva comigo e outros integrantes do Voidz. A apresentação seguiu entre gritos entusiasmados e palmas até o seu fim, já às 19h50. Na saída da área traseira do palco, um segurança me puxa pelo braço e reclama que não tenho credenciais para estar ali, apenas a pulseira roxa destinada à imprensa. “Estou com eles”, arrisco, apontando para Julian e companhia. “Ah, com a banda? Tudo bem, então”, respondeu ele, deixando-me ir.
Alcanço Casablancas, Voidz e Phoenix na área externa, na traseira do palco, quando o gramado parece se tornar um convidativo mini campo de futebol. Duas bolas surgem, aparentemente do nada, e Julian está com uma delas. De fato, os pés exageradamente grandes e com tênis próprios para a prática de basquete não parecem ter familiaridade com o objeto redondo. Ele faz um passe torto à minha direita, domino e repasso para o vocalista do Strokes. Logo, mais gente entra na roda e o músico parece perder o interesse pelo jogo. “Vamos fazer a entrevista agora?”, diz ele. “Podemos ir naquele camarim ali”, completa, apontando para uma porta com um papel colado que especifica que a sala era destinada ao Muse, que encerraria o primeiro dia de festival dentro de poucas horas.
“Desculpe por tê-lo feito esperar, cara”, começa ele. “Eu não sabia da entrevista. Mas este show foi bom, não?” O papo acaba sendo interrompido três vezes, uma vez por Thomas Mars, outra por um roadie aparentemente amigo de Casablancas e, por fim, por Richard. O empresário coloca a cabeça para dentro da sala improvisada e nos avisa que deveríamos sair e voltar para a van. “Ah é, o Muse está vindo aí”, diz Casablancas, contrariado.
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De volta à van, mais jazz improvisado por Beardo, que já havia trocado a calça roqueira por uma bermuda e era o único a usar chuteiras de verdade. O jogo contra o Phoenix seria em instantes, assim que a entrevista chegasse ao fim. O último tópico seria Strokes e, à menção do nome da banda, o músico responde: “Acho que não vou conseguir responder o que você quer saber”.
“A pergunta não é se vocês planejam um disco ou coisa assim. Você já disse isso um dia desses”, digo. “Vocês vão tocar no Governors Ball Music Festival”, continuo até ser interrompido novamente por ele. “Ainda somos uma banda”, diz Casablancas, maquinal e morosamente. Tento completar: “Queria saber se vocês vão tocar músicas do último disco, Comedown Machine, para o qual vocês não fizeram turnê, entrevistas, fotos de divulgação e sequer uma capa. “Não fizemos?”, diz ele. “Acho que queríamos fazer as coisas de forma diferente. É algo que estamos descobrindo agora. Eu adoraria tocar, tipo, uns 30 shows sem que ninguém nos visse. Somente indo tocar em um bar diante de gente que não sabe quem são os Strokes, entende? Tivemos isso no começo. Nossos primeiros shows eram assim. Eu queria fazer dez vezes mais deles, mas simplesmente não podemos.”
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A banda já chamava Casablancas para se preparar para a partida contra do Phoenix quando a entrevista chega ao fim. Pergunto: “Você sabe falar um pouco de português, não sabe?”. “Não”, responde ele na nossa língua, sem dizer mais nada e com um sorriso sacana no rosto. Após a despedida e agradecimento de Richard, converso uma última vez com o líder do Strokes. “Você entendeu o que aquele cara no backstage do palco te disse sobre a sua camiseta? Você está usando o uniforme da seleção da Argentina aqui no Brasil, é quase um pecado mortal para quem gosta de futebol”, digo. “É. Eu sei". Ele sorri de novo. "Fiz de propósito.”
Ouça prévia das faixas do disco Julian Casablancas + The Voidz:
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