- Repórter Camilla Millan em ensaio fotográfico virtual (Foto: Karoline Lima)

Experimentamos um ensaio fotográfico virtual e contamos como funciona

Durante a pandemia de coronavírus, diversos fotógrafos estão fazendo sessões de fotos online como uma alternativa de ajudar indivíduos motivacionalmente - e a experiência pode incluir risadas, nervosismo e melhora da autoestima

Camilla Millan Publicado em 02/07/2020, às 07h00

“Vire para a esquerda e incline o rosto”. Confesso que, no começo, não sabia muito bem o que estava fazendo. Eram cerca de 11:20 da manhã quando Karoline Lima começou a me guiar em um ensaio fotográfico virtual. Eu em São Paulo, ela em Três Rios, no estado do Rio de Janeiro.

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Acordei mais cedo naquele domingo, 28 de junho, para tomar banho, me maquiar, colocar um vestido e dizer para minha família “vou avisar quando tirar foto na sala. Quando estiver lá, vocês podem mudar de ambiente para me sentir mais à vontade?” - mas depois percebi que isso não dependia muito deles. 

Camilla Millan (Foto por Karoline Lima)

Descobri nesse ensaio virtual que, na verdade, sou bem tímida em frente às câmeras - além de um pouco desastrada - mesmo sendo virtual e a câmera, meu celular. Karoline Lima me guiou: baixei o Zoom e um app cujo funcionamento é de temporizador. Assim, eu compartilhava a minha tela, ela me via e direcionava as posições enquanto apenas escutava a voz dela e podia ver a minha imagem.

Então, de tempos em tempos, eu precisava clicar na tela para tirar as fotos. Arrumava meu celular e a fotógrafa me falava quais poses podíamos fazer. Fui testando, experimentando e ficando mais tranquila aos poucos.

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Na verdade, o que me fez sentir mais à vontade, definitivamente, teve a ver com o tratamento de Karoline Lima antes do dia do ensaio. Ela é artista, professora, coreógrafa e é formada pelo Sesc em fotografia. Há dois anos, ela criou um instagram para dar vida ao projeto Limasemts, cujo objetico é "explorar os corpos e estéticas do mundo artístico e cultural". Durante a pandemia de coronavírus, Lima está morando com a família em Três Rios, no estado do Rio de Janeiro.

Quando entrei em contato para falar sobre o ensaio e a ideia da matéria, ela aceitou de primeira. Assim, começamos um diálogo no Whatsapp sobre ideias e inspirações - e, no caso, percebi que não havia pensado em fotos ou exemplos para a realização do ensaio.

Começou então um brainstorm. Segundo Karoline Lima, esse momento é muito importante para a realização do ensaio: “Tem a pessoa que já me procura e manda fotos. Ou então pergunto sobre os gostos e a profissão dela... Peço para me mandar fotografias. Assim já começo uma pesquisa para mostrar quais caminhos podemos fazer e quais inspirações podemos usar”.

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Segundo ela, mudanças também acontecem na hora: “Fiz um ensaio de um amigo no qual ele disse: ‘Vamos fazer no meu quarto, coloquei essa roupa’. Ele é músico, então falei ‘e o violão aí? E esse fone?’ Aí a gente foi explorando. No ao vivo, tudo é explorado. Tem vezes que a pessoa está no celular, muda o ângulo e já vejo algo diferente e falo ‘não, precisamos fazer neste ângulo. Volta, vamos fazer de novo’. Uma coisa ajuda a outra e a pessoa vai se soltando”.

Camilla Millan (Foto por Karoline Lima)

No meu caso, os livros se tornaram um elemento importante do ensaio fotográfico. Durante as nossas conversas, expliquei minha profissão, hobbies e mandei fotos da minha casa - e o escritório cheio de livros chamou a atenção da fotógrafa. No começo, admito não ter entendido como isso encaixaria na proposta, mas Lima me explicou que ela pensa as fotografias como parte de um editorial.

“Este ano estava com a ideia de começar a fazer criações mais voltadas para editorial. Amo moda, música e acredito ter tudo a ver, as coisas linkam. Não via meus colegas de fotografia fazendo isso. Queria explorar coisas que amo. Sou louca para entrar no audiovisual e já fiz curso de cinema, então falei ‘vou juntar tudo”. 

Dessa forma, começamos o ensaio no escritório, usando como elemento essa estante de livros na minha casa. No começo, foi difícil entender o que fazer, como me portar. Mas a fotógrafa me deixou à vontade e quando comecei a fazer as fotos sentada, as poses fluiram - sem contar com as palavras de encorajamento “está ótimo assim!”, “muito bom”, “isso”.

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Karoline Lima teve a ideia de empilhar livros, pegar uma cadeira e sentar no móvel da minha casa. Era um vai e vem para apertar o botão da foto, voltar para a posição combinada e mudar a pose enquanto o aplicativo captava as imagens, mas me ajudou saber que não havia tempo certo para acabar - a fotógrafa faz questão de não impor tempo limite.

Camilla Millan e Tuca (Foto por Karoline Lima)

Depois disso, fomos à minha sala. Eu, fisicamente, Lima, por meio do celular. Chegando lá, ela já gostou do ângulo da câmera - e aí foi um tal de empilhar livros em uma cadeira para fazer o aparelho chegar na altura desejada. Ela me pediu para pegar um cobertor e uma xícara de café - e as fotos saíram de forma descontraída.

Sentada no sofá e abraçada por um cobertor, é desnecessário falar sobre o quanto estava me sentindo confortável. Em um momento, até minha mãe foi chamada para me ajudar com os ângulos das fotos. A Karoline se apresentou, explicou sobre o ensaio e as fotografias saíram. Fiquei tão à vontade que consegui pedir para Tuca, minha cachorra de 14 anos, participar da sessão (mas não sei se ela ficou tão feliz).

Em seguida, fomos para o quarto e tiramos fotos com uma luminária que mostrei quando conversamos dias antes do ensaio. Estava acompanhada por um livro e Lima me disse para deitar na cama e ficar de pernas para o alto. Por ter sido relativamente no final da sessão, me senti completamente bem para também pensar em outras poses - e as ideias foram muito incentivadas pela fotógrafa.

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Camilla Millan (Foto por Karoline Lima)

Depois, voltamos para o escritório para mais fotos - e contou até com momento de emoção. Enquanto arrumava o celular em uma mesa de madeira, o aparelho caiu no pequeno espaço entre o móvel e a parede - e aí foi necessário uma operação de resgate. Não sei se Karoline entendeu os acontecimentos, mas foi preciso meu irmão, minha mãe e uma lanterna - e até a Tuca apareceu para ajudar. 

Empurramos a mesa enquanto eu, envergonhada, tentava explicar para a fotógrafa que o celular tinha caído em um local quase inacessível e estávamos tentando buscá-lo. Após alguns minutos, meu irmão conseguiu - e aí partimos para a parte final da sessão de fotos com mais livros e poses.

No final da sessão de quase duas horas e meia, havia mais de 200 fotos no meu celular, e eu definitivamente estava me sentido muito bem comigo mesma, mas não acabou por aí. Compartilhei as fotografias com Lima para ela fazer a edição - parte muito importante do processo. 

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“A edição é essencial para a foto. Ela muda, dá qualidade e vida à foto. Além de você poder explorar e fazer muitas coisas, até colagens. As fotos são editadas e viram um outro material muito mais legal. Edição é essencial”, explicou a fotógrafa.


Ensaio Virtual: Como funciona? Do que precisa? Quanto é?

Karoline Lima (Foto: Jorge Pacheco)

Para fazer um ensaio virtual é preciso, basicamente, de um celular. Segundo Karoline Lima, outro fator necessário é a criatividade: “Para mim, tudo é muito válido. Começo a usar a minha criatividade para me aproximar da pessoa e fazê-la começar a entender essa percepção do que ela tem em volta - desde o emocional aos gostos”.

Jorge Pacheco também explicou sobre a necessidade de um aplicativo para fazer chamada de vídeo. Pacheco é fotógrafo há mais de 4 anos, fundador do Gaveta da Arte, diretor e criador artístico, bailarino da Cia Garopaba Atitude e professor de Jazz Funk em Garopaba, Santa Catarina.

Em conversa com o fotógrafo, ele explicou mais sobre o ensaio: “Não precisa ter tripé ou luz profissional. Só precisamos usar alguma forma de comunicação para fazer a chamada de vídeo - quem tem iPhone eu uso Facetime e quem não tem normalmente faço pelo Whatsapp ou pelo Zoom”. 

Segundo Pacheco, um aspecto importante na hora do ensaio é a luz: “Normalmente opto por iluminação melhor. Já aconteceu vezes de remarcar ensaio porque não tinha uma luz boa e amo usar a luz do sol nos meus trabalhos - sempre foi assim, desde quando fazia ensaio presencial. Para mim, fica muito legal com a sombra, fica bem profissional e artístico”.

Jorge Pacheco (Foto: Reprodução/Instagram)

Jorge Pacheco também falou sobre a importância da conversa antes do ensaio: “Para mim, a criatividade tem muita relação com o que está acontecendo no momento, então tento conversar com a pessoa, ver como a semana dela está sendo e como ela está se sentindo. A gente tem um primeiro contato antes de tudo acontecer e assim a criatividade rola. A gente precisa usar esse momento”.

Tanto Pacheco quanto Lima cobram uma contribuição voluntária pelos ensaios. Segundo Lima, foi a opção que ela encontrou de se conectar com as pessoas: “Comecei a fazer a contribuição voluntária até porque gosto muito de fazer. Pensei ser uma boa saída e também uma forma de contribuir com quem quiser. Achei ali uma forma de ver quem se conecta com o meu trabalho e também de ajudar alguns artistas”.

Para Pacheco, a contribuição voluntária também foi uma maneira de ajudar os outros durante a pandemia: “Estamos em um momento muito complicado no qual as pessoas vivem realidades muito diferentes. Quis pensar de um jeito para conseguir transformar isso de um jeito acessível para todos e fazer a diferença no dia de pessoas que estão trancadas dentro de casa. Então optei pela contribuição consciente, algo de acordo com o que você pode, tem condição e acredita ser merecimento do resultado. Achei mais viável para abraçar todos e fazer algo legal pela arte, e não por só ganhar dinheiro”. 

Ensaio e autoestima

Os ensaios virtuais podem ser um importante meio para ajudar na autoestima. Valéria Ruiz, dançarina e professora de Jazz Funk e Heels, fez uma sessão de fotos com Jorge Pacheco e disse ter ficado surpeendida com o resultado das fotografias.

 

“Gostei muito do resultado. Não me via da forma que me vi. O Jorge foi realmente muito cuidadoso e quando vi as fotos falei ‘nossa, não acredito que sou assim’. Porque nós tiramos selfies, tiramos 1000 fotos para achar uma boa, mas nem estava me vendo durante o ensaio. Às vezes, não fazia nada e ele tirava foto. Ele pegava o clique certo de momentos nos quais não estava fazendo uma pose”, explicou Ruiz.

Segundo a dançarina, o ensaio de fotos tem muita relação com a autoestima: “Me ajudou muito porque morro de vergonha. Danço, gravo vídeo, mas não é nada parecido para mim, é bem difícil. Já acho que está ruim e vai ficar horrível. Começo a dar risada e já perco o foco... Então me ajudou muito com a autoestima e principalmente quando vi o resultado”.

Para os fotógrafos, o ensaio virtual neste momento se trata de algo motivacional. “Gosto muito de um ensaio com várias referências pop, como o cabelo da Lady Gaga com lata... Era uma amiga com a qual converso muito. Senti que ela não estava bem e falei ‘ah, quer saber? Vamos fazer umas fotos, vamos brincar’. Mandei algumas coisas, ela lembrou de outras e na mesma semana fizemos o ensaio. Passamos a madrugada tirando as fotos e deve ser um dos meus ensaios favoritos. As pessoas começam a se preparar, é algo motivacional mesmo”, disse Karoline Lima.

 

Jorge Pacheco também explicou sobre o aspecto motivacional: “A pessoa está em casa, sem conseguir sair, sem ter pessoas olhando para ela ou receber elogios e sem ser vista. Dependendo do conceito que ela vai querer passar, ela vai se enxergar de uma outra forma. Com certeza ajuda muito na autoestima”.


Ensaios virtuais x presenciais e a situação pós-pandemia 

Valéria Ruiz (Foto: Jorge Pacheco)

Valéria Ruiz fez o primeiro ensaio fotográfico da vida no formato virtual. Por isso, ela explicou que não se sentiu tão à vontade inicialmente: “Tive um pouco de dificuldade no começo de me sentir à vontade pois nunca fiz, mas ele [o fotógrafo] me deixou super à vontade e foi falando “fica tranquila, tá maravilhosa” e tudo mais. Ele teve todo o cuidado comigo”. 

Segundo a dançarina, ela teve dúvidas se o formato iria funcionar: “Não esperava um resultado tão bom, principalmente por ser virtual. Primeiro pensei ‘não é possível que essas fotos vão ficar boas’, porque tem essas questões de internet... Mas vi as [fotos] de uma amiga minha e fiquei ‘nossa, quero muito’. Fiquei muito feliz com o resultado e me deu muita vontade de fazer mais vezes”.

Há, definitivamente, muitas diferenças entre um ensaio virtual e um presencial. Valéria Ruiz, por exemplo, achou que o fato de estar desacompanhada a ajudou: “Por estar sozinha me deu mais confiança. Me deixou mais à vontade do que se tivesse alguém olhando ou presencial”.

Para Pacheco, é mais fácil deixar os fotografados à vontade presencialmente: “Sem dúvida, alguma as pessoas ficam mais à vontade comigo quando estamos presencialmente, mas é a mesma ferramenta que uso no virtual - e funciona. Consigo deixar as pessoas soltas, divertir e fazer ser um momento diferente. Porém, como estamos distantes e ainda é um aparelho celular - não existe esse calor humano - corre o risco de não ser tão eficaz”.

Karoline Lima também vê diferenças: “Nada vai trocar o contato ali no ensaio externo, presencial. Sinto falta para caramba, mas é uma experiência legal. Vão ter pessoas que vão se jogar muito, mas também tem pessoas mais tímidas. A diferença é o ‘timing’. Se eu não estiver bem por via chamada, a pessoa pode não estar também porque é uma troca de energia. Mas se estiver em um ensaio externo é outra coisa. Posso estar mal, mas estarei presente. Vou ter um ambiente para me ajudar. Meu corpo estará ali”.

Apesar de serem práticas distintas, ambos acreditam que o virtual deve continuar após a pandemia: “A quarentena nos trouxe para outro lugar. Podemos utilizar a plataforma para além do que já exploramos. Nós, seres humanos, temos a mania de acompanhar a rede, mas muitas coisas passam despercebidas. É uma maneira de entendermos a existência de outras formas de se fazer. Quando isso tudo acabar vou estar em São Paulo fazendo as minhas coisas, mas se alguém, por exemplo, do nordeste, ver meu trabalho e gostar, por que não? Agora já tenho essa outra fórmula também”, explicou Lima.

“Esses ensaios vão continuar depois da quarentena. É algo que ficou muito diferente e acabou dando uma originalidade, uma outra visão de trabalho e uma praticidade também. Quero continuar com isso quando tudo voltar porque a gente tem a possibilidade de trocar com pessoas de todos os lugares do mundo. Amplifica muito as relações e possibilitou a gente estar em todos os lugares, e isso é muito legal”, refletiu Pacheco.


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