Os doramas são conhecidos pelas histórias de amor puras e inocentes, mas Extracurricular entrega violência, prostituição e assédio
Clara Guimarães | @claracastrog Publicado em 11/07/2020, às 18h00
A Coreia do Sul pode estar décadas na frente dos outros países no quesito tecnológico, mas ainda é muito ultrapassada em certas questões sociais. A desigualdade econômica e o conservadorismo, como mostra muito bem o filme Parasita e, agora, o drama Extracurricular, são problemas sérios do tigre asiático.
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Disponível na Netflix, a série de dez episódios Extracurricular expõe temas como prostituição infantil, pobreza, violência, depressão e assédio sexual - assuntos frequentes em produções norte-americanas, mas novidades em um drama escolar coreano.
As séries adolescentes sul-coreanas são conhecidas pelo conservadorismo nas relações amorosas, apresentando uma visão de mundo inocente e pura. Se o casal protagonista der um beijo no último episódio, considere-se sortudo, pois alguns terminam apenas com um abraço ou uma caminhada de mãos dadas.
No entanto, Extracurricular prova que as coisas estão mudando. O dorama (como são chamados os dramas coreanos) trata de questões sociais importantes, muitas vezes colocando o espectador em uma posição desconfortável e estimulando um debate moral sobre quem é vilão e quem é vítima.
A própria sinopse da Netflix já alerta que Extracurricular é uma “história de estudantes do ensino médio que se metem em uma série de conflitos e eventos que desafiam os valores humanos e a moralidade”.
E a série foi muito bem classificada como para maiores de 18 anos. Ela foge totalmente dos padrões de dramas escolares ao mostrar prostituição, assédio, depressão, palavrões e críticas sociais - e por isso merece sua atenção.
A série apresenta Oh Jisoo, um jovem do ensino médio que comanda um negócio criminoso de prostituição porque precisa do dinheiro para se sustentar e ir para a faculdade. Em uma aula extracurricular sobre Problemas Sociais, JiSoo conhece GyuRi, estudante de uma família rica, mas longe de perfeita.
Logo no primeiro episódio, os dois alunos debatem com um professor sobre prostituição. E a série já apresenta algumas questões morais: qual o papel da e escola nesses casos? O jovem deve ser responsabilizado por se prostituir? A culpa é dos pais?
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Extracurricular alerta no início dos episódios que a obra, os personagens e os eventos são fictícios, mas os problemas que retrata são obviamente reais e precisam ser discutidos. A série apresenta as perguntas para os espectadores e estimula o debate, o que é muito mais relevante devido aos recentes casos na Coreia do Sul.
Em 2019, a notícia de que Seungri, ex-membro do grupo de K-pop BigBang, foi preso por envolvimento em um esquema de prostituição e assédio chocou a sociedade conservadora sul-coreana. Segundo as autoridades, ele intermediava o contato das mulheres com os empresários - assim como JiSoo faz na série.
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Já em 2020, o caso apelidado de “Nth Room” chocou novamente o país. A polícia sul-coreana descobriu uma onda de crimes de cunho sexual digital envolvendo abuso e exploração de mais de 70 mulheres- algumas delas menores- pelo aplicativo Telegram.
Depois de ser abandonado pelos pais, JiSoo precisa encontrar uma forma de se sustentar sozinho. O jovem tenta trabalhos tradicionais, mas nenhum deles paga o suficiente para cobrir os gastos de educação, moradia, alimentação e futuras despesas.
A série faz um bom trabalho em mostrar JiSoo como um criminoso que comanda um esquema de prostituição e como um jovem vítima do sistema capitalista. Essa contradição também aparece nas histórias de outros personagens.
MinHee, a menor de idade que trabalha no esquema de prostituição de JiSoo, tem como motivação ganhar dinheiro para conseguir comprar presentes de grife para o namorado. A jovem acredita que essa é a única forma de conquistar o interesse do garoto. Do outro lado, os pais de GyuRi são muito ricos, mas negligenciam a saúde mental da filha em favor do negócio.
Por isso, o dilema moral sobre quem é o vilão e quem é a vítima permeia por todos os episódios da série, colocando o espectador em uma posição desconfortável, mas necessária.
Para quem estava acostumado com personagens femininas tímidas e manipuláveis, Extracurricular é chocante. A série não poupa nos xingamentos e MinHee e GyuRi estão entre as mais agressivas.
GyuRi é filha dos diretores de uma empresa de entretenimento sul-coreana e assumirá os negócios quando se formar. Ela é a personificação de que o dinheiro não traz a felicidade.
Por causa da pressão constante e da falta de afeto, GyuRi sofre com depressão e tenta acabar com a própria vida. Ainda assim, os pais preferem fingir que nada aconteceu e negligenciar a saúde mental da filha em favor da empresa.
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Em um desses momentos, durante visita à empresa dos pais, GyuRi é assediada por um parceiro de negócios da família. Mesmo com as insinuações sexuais, a mãe da adolescente não parece se importar.
A depressão e instabilidade emocional de GyuRi são evidenciadas nas pequenas automutilações quando está nervosa e na personalidade assustadora quando decide entrar para o negócio de tráfico sexual.
Extracurricular não é uma série que condena os personagens pelas atitudes moralmente erradas. A produção mostra a culpa da sociedade na formação dos jovens e deixa as questões em aberto para os espectadores. Vale ressaltar também que - ao contrário de algumas séries norte-americanas - o dorama não é irresponsável ao tratar de assédio, prostituição e depressão.
Extracurricular é perfeita para quem busca reviravoltas e suspense, mas é melhor se preparar mentalmente para lidar com temas pesados, sangue e muita violência.
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