- Bordados do Linhas de Sampa na época das greves dos funcionários (Foto: Reprodução / Instagram / SOS Cinemateca)

A (falta de) responsabilidade do governo federal com a Cinemateca Brasileira: o incêndio foi culpa de quem?

Sob responsabilidade do governo federal, a Cinemateca Brasileira estava abandonada durante mais de um ano antes do incêndio, descrito como "tragédia anunciada"

Yolanda Reis Publicado em 15/08/2021, às 11h00

Durante o sábado, 7, cinco capitais do Brasil receberam protestos em defesa à Cinemateca. São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre reuniram pessoas em frente às sedes da instituição cultural; no Distrito Federal, a concentração foi no Palácio do Planalto. Organizado às pressas, o ato não teve muita repercussão, mas foi bem divulgado, posteriormente, nas mídias brasileiras.

O protesto aconteceu depois do acervo da Cinemateca Brasileira pegar fogo em São Paulo no dia 29 de julho. As organizações por trás do protesto - muitos ex-funcionários - chamaram a tragédia de "crime anunciado" e acusaram o governo de Jair Bolsonaro de negligência; desde novembro de 2020, o Ministério do Turismo - comandado por Gilson Machado Neto- é responsável pela manutenção da instituição - especificamente, a responsabilidade é da Secretaria Especial da Cultura, sob comando de Mário Frias. Desde então, a verba diminuiu em R$ 14 milhões, além de diversos funcionários terem sido demitidos sem substituição.

+++ LEIA MAIS: Kleber Mendonça Filho lamenta incêndio na Cinemateca: 'O Brasil está sem álbuns de família'

O incêndio, embora trágico, não foi uma surpresa para Francisco Campera (diretor da Associação de Comunicação Educativa Roquette, Acerp - quem cuidava, até 2019, da Cinemateca) à Globonews, declarou: "Quando entregamos a Cinemateca ao governo, em agosto do ano passado, cheguei a dar um depoimento ao Ministério Público Federal de que não era um ‘risco de pegar fogo’ era uma ‘tragédia anunciada’." Vale lembrar: filmes são altamente inflamáveis. Na semana anterior ao acidente, no dia 20 de julho, houve outro aviso de risco de incêndio ao governo federal durante uma reunião.

 

Responsabilidade do Governo Bolsonaro na Cinemateca Brasileira

Até 31 de dezembro de 2019, a Cinemateca Brasileira era administrada pela Organização Social (OS) Acerp em um acordo feito com os Ministérios da Cultura e Educação. Nessa data, o contrato venceu - e Abraham Weintraub, então ministro da Educação, não renovou ou repassou a responsabilidade de preservação.

+++ LEIA MAIS: Martin Scorsese cobra governo brasileiro para salvar Cinemateca: ‘Artes são necessidade’

Durante 2020, os funcionários da Cinemateca fizeram diversas denúncias de abandono. Segundo o G1, faltavam salários e dinheiro para pagar contas básicas (como água e luz) das sedes. A Cinemateca também não obteve inspeções do corpo de bombeiros nesse tempo; tampouco tinha equipe de segurança. De modo voluntário, a Acerp e técnicos continuaram a tentar manter o acervo e funcionamento.

 

No primeiro semestre de 2020, houve briga entre a Acerp e o governo federal. Em julho, uma comitiva do Ministério de Turismo foi barrada de entrar na Cinemateca. No mesmo mês, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP), por meio do procurador de Justiça Gustavo Torres Soares, entrou com ação contra o governo federal - pediam uma nova contratação para gestão da instituição. Mário Frias, secretário especial da cultura (em âmbito federal), rebateu e enviou um ofício a Acerp, pedindo as chaves da Cinemateca. O MPF perdeu a ação - a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto julgou que o governo já tomava as providências necessárias.

+++ LEIA MAIS: Antes de incêndio, governo federal garantiu à Cinemateca conservação dos materiais e manutenção do espaço

Em 23 de novembro de 2020, o governo federal - sob o decreto 10.548/20 - tomou as rédeas da Cinemateca, e as responsabilidades básicas passaram a ser do Ministério do Turismo. Prometeram "garantir a manutenção do espaço, assim como a conservação dos materiais sob a tutela da Cinemateca [depois do fim do acordo entre governo e Acerp]. Estão vigentes apenas contratos emergenciais para segurança, brigada de incêndio, fornecimento de energia elétrica, controle de pragas e manutenções diversas." O ministro do Turismo na época, Marcelo Álvaro Antônio, disse: “Vamos restabelecer a Cinemateca Brasileira, entendendo sua importância para a história e cultura brasileiras."

Quando o controle da Cinemateca passou para o Ministério do Turismo, o governo ficou responsável por publicar um edital e encontrar uma nova gestão para cuidar da instituição. Tinham até 5 de outubro de 2021. Mas nenhum chamamento foi realizado, e tampouco o ministério cuidava da Cinemateca. Então, no começo de 2021, o MPF recorreu à ação e conseguiu uma liminar para a União ao menos realizar a manutenção básica dos prédios - pagar as contas e as inspeções (responsabilidade prevista no decreto). O juiz federal Marco Aurelio de Mello Castrianni deu um prazo de 45 dias - depois, mais 60 - para a União resolver as pendências e encontrar uma nova gestão por edital.

+++ LEIA MAIS: Novo documentário de Ron Howard chega ao Nat Geo e alerta sobre perigos dos incêndios florestais

Antes deste prazo findar, porém, o galpão de acervo da Cinemateca em São Paulo pegou fogo. Foi em 29 de julho. No dia 30, o governo federal publicou um edital de chamamento público; procuram uma "entidade privada e sem fins lucrativos" para um contrato de cinco anos. O resultado provisório deve ser anunciado em 27 de outubro de 2021.

 

O incêndio na Cinemateca de São Paulo 

 

No final da tarde de 29 de julho, o corpo de bombeiros de São Paulo recebeu uma ligação sobre um incêndio na Vila Leopoldina, Zona Oeste da cidade. Um dos galpões da Cinemateca Brasileira estava em chamas. Foram enviados 15 viaturas e 70 bombeiros. Quase duas horas depois, às 19h45, o fogo foi controlado - ou seja, parou de se espalhar, mas não se apagou.

+++ LEIA MAIS: Bolsonaro diz que combate ao fogo no Pantanal é difícil 'porque área é enorme'

O incêndio começou durante a manutenção do ar-condicionado de uma sala por uma empresa terceirizada. Uma faísca fez três salas serem consumidas em chamas. Ao Globonews, a bombeira Karina Paula Moreira informou:

"O incêndio começou em uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. Essa parte é dividida entre três salas, uma delas com acervo de filmes entre 1920 e 1940 e uma das salas de arquivo impresso, também histórico. Estamos levando o que foi queimado e preservado dentro dessas três salas - provavelmente nada. Porém, no andar térreo, tem uma parte grande do acervo histórico que não foi atingida”, afirmou.

+++ LEIA MAIS: Leonardo DiCaprio responde acusação feita por Bolsonaro sobre os incêndios na Amazônia

Não houve, ainda, um levantamento exato do que foi perdido. Calculam-se 4 toneladas de material. Sabe-se que boa parte do acervo de Glauber Rocha, estrela do Cinema Novo e um dos maiores nomes da sétima arte no Brasil, queimou. 100 caixas de documentos, cópias e duplicatas, para sermos exatos. Nomeados, também havia trabalhos de Goulart de Andrade, jornalista e repórter.

Da história empresarial do cinema brasileiro, queimaram boa parcela do acervo da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) e do Instituto Nacional do Cinema (INC) (dos anos 1960) e do Conselho Nacional de Cinema (Concine) (anos 1970). Também haviam cópias em 35mm da distribuidora Pandora Filmes, e acervo de alunos de cinema da USP.

+++ LEIA MAIS: De Nirvana a Guns N' Roses: incêndio de 2008 queimou 500 mil gravações originais, mas ninguém sabia

Sem serem filmes, perderam-se equipamentos e mobília de fotografia e cinema. Estes eram essenciais para o bom funcionamento, manutenção, uso e exibição de artigos antigos. Os objetos eram parte de um plano para um museu de cinema. 

Além dos filmes comerciais, existiam cópias e originais de arquivos de cinejornais, documentários, filmes caseiros, cenas "extras" de longa metragens, entre outros elementos considerados insubstituíveis. 

+++ LEIA MAIS: Medidas para aumentar popularidade de Bolsonaro custam R$ 67 bi

No dia 4 de agosto, iniciou-se a transferência do material restante no galpão para a sede da Cinemateca na cidade, no bairro Vila Mariana. É um trabalho urgente, pois os materiais são delicados e sensíveis ao calor e umidade (com fogo e água, a urgência é maior). Um caminhão-baú retirou os objetos que requerem atenção imediata, e calculam-se que serão necessários dezenas de veículos. 

Antes de serem realocados, porém, os objetos deverão ser tratados: serão analisados quais têm dano de água (tanto da parte dos bombeiros, enquanto apagavam o incêndio, quanto da enchente de 2020), e se há restauração para estes. Também deverão ser limpos para evitar espalhar dano para o acervo da Vila Mariana. [será que é legal comentar da enchente quando você fala sobre a treta da administração?]

Posicionamento do governo federal

"A Secretaria Especial da Cultura lamenta profundamente e acompanha de perto o incêndio que atinge um galpão da Cinemateca Brasileira, em São Paulo (SP). Cabe registrar que todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição. A Secretaria já solicitou apoio à Polícia Federal para investigação das causas do incêndio e só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico. Por fim, o governo federal, por meio da Secretaria, reafirma o seu compromisso com o espaço e com a manutenção de sua história."
notícia cinema História bolsonaro incendio cinemateca governo responsabilidade federal

Leia também

Alfa Anderson, vocalista principal do Chic, morre aos 78 anos


Blake Lively se pronuncia sobre acusação de assédio contra Justin Baldoni


Luigi Mangione enfrenta acusações federais de assassinato e perseguição


Prince e The Clash receberão o Grammy pelo conjunto da obra na edição de 2025


Música de Robbie Williams é desqualificada do Oscar por supostas semelhanças com outras canções


Detonautas divulga agenda de shows de 2025; veja