"A produção de uma música é só um efeito especial. Se você não consegue eliminar tudo e tocar ao piano, não é uma boa canção", diz ele
Josh Eells Publicado em 16/02/2016, às 15h08 - Atualizado às 15h54
E aí, é um palavrão ou não é?” em um estúdio na periferia de Londres, Abel Tesfaye está questionando se pode dizer “fuck” (foda) ou não. Mais conhecido como a sensação pop de 2015 The Weeknd, ele está em um ensaio para o programa musical da BBC Later... With Jools Holland, prestes a passar o som do hit “The Hills”, cuja letra narra uma ligação telefônica em busca de sexo. Para Tesfaye, “fuck” é uma palavra relativamente tranquila, mas ele sabe que os aposentados que assistem ao programa podem discordar disso. Então, quando sai o veredito de “nada de palavrões”, ele acena com a cabeça e muda para uma versão censurada da faixa – um pequeno gesto que diz muito sobre o tipo de profissional que ele se tornou.
Naqueles dias, “The Hills” estava na quarta semana seguida no topo das paradas, um feito ainda mais impressionante porque tirou o lugar de outra faixa de Weeknd, “Can’t Feel My Face” – a única canção sobre cocaína a ter sido dublada por Tom Cruise na televisão. Tesfaye é apenas o 12º artista na história a conseguir ter faixas seguidas no número 1 da parada, um grupo que inclui Elvis Presley e Beatles. O disco Beauty Behind the Madness (2015) vendeu mais de meio milhão de cópias em alguns
meses. “Ainda estou digerindo isso, para ser sincero”, diz o cantor sobre o sucesso. “Mas os gritos estão cada vez mais altos, cara.”
Ele se aproxima para dar um “oi”, vestindo jeans preto e uma blusa com capuz, com o tsunami que é seu cabelo preso no topo da cabeça. “Desculpa, estou doente”, diz enquanto o aperto de mãos se transforma em um “toca aqui” sem toque. Ficou resfriado ontem, durante uma sessão de autógrafos para 500 fãs enlouquecidos.
Um evento desse tipo não teria sido possível em 2011, quando The Weeknd apareceu com um trio de mixtapes cult (House of Balloons, Thursday e Echoes of Silence, todas posteriormente reembaladas e vendidas como Trilogy) que estabeleceu o modelo do som dele – R&B mergulhado em drogas, com samples de indie rock e altamente sexual – e a persona misteriosa e taciturna que criou para si. Um garoto tímido, de origem etíope, nascido em Toronto e que deu poucas entrevistas, ele cultivou uma imagem enigmática de um jovem que transa muito e usa todo tipo de substância. “Vivemos em uma era em que tudo é tão excessivo que acho bom todo mundo ficar: ‘Quem diabos é este cara?’”, diz Tesfaye. “Acho que é por isso que minha carreira vai
tão longe: não dei tudo às pessoas.”
No entanto, é só passar cinco minutos em sua companhia que ele se revela: doce, de fala mansa, honesto. Quando digo que não é o que eu esperava, ele concorda. “Quando as pessoas me conhecem, dizem que sou muito gentil – o contrário de boa parte da minha música.”
Quando fala sobre sua arte e carreira, o panorama muda um pouco: Tesfaye é abençoado com uma autoconfiança imponente e não hesita em declarar a própria grandeza. “As pessoas me dizem que estou mudando a cultura”, afirma. Ao ouvi-lo se gabar de falar de trabalho com Bono ou mencionar nomes como “Naomi Campbell, que agora é minha amiga”, você pode ficar tentado a ver uma diva em formação – ou enxergar simplesmente um rapaz de 25 anos impressionado e incrédulo por estar na posição em que está.
No quesito referências, qualquer um que tenha ouvido The Weeknd cantar ou visto seus movimentos no palco sabe o quanto ele deve a Michael Jackson. O rapaz frequentemente diz que a música do Rei do Pop o fez querer ser cantor. Só que Jackson foi ainda mais importante para a família de Tesfaye do que para a maioria. “As pessoas esquecem que ‘We Are the World’ é para a Etiópia”, afirma o canadense. “Em casa, quando não tocava música etíope, tocava Michael.”
A mãe de Tesfaye, Samra, emigrou da Etiópia nos anos 1980 e foi morar com a avó dele em um bairro da periferia de Toronto. Ela teve vários empregos ao mesmo tempo – como enfermeira, em bufês, além de estudar à noite – e, quando estava em casa, mimava o único filho. “Sou filhinho da mamãe”, Tesfaye admite. Era um menino quieto, às vezes solitário. “Sempre quis um irmão para ter com quem brincar. Lembro que mentia para as pessoas sobre ter irmãos – para você ver o quanto eu queria um.”
Na escola, o garoto sempre teve altos e baixos. Antes do ensino médio, começou a fumar maconha e, quando tinha 17 anos, foi expulso por causa de “um incidente” do qual ele não consegue se lembrar. Teve de ser transferido para um colégio mais rigoroso do outro lado da cidade, longe dos amigos. “Imagine começar tudo de novo na reta final do ensino médio? Foda-se – vou nessa.” Durou seis meses lá antes de abandonar os estudos e sair da casa da mãe, mudando-se com mais dois amigos para uma casa de um dormitório em um bairro promissor de Toronto chamado
Parkdale. “Foi incrível”, Tesfaye relembra. “Sem pais, podíamos fazer o que queríamos, ficar acordados até a hora que desse na telha – literalmente por dias.” A dois quarteirões dali havia uma rua com bares e baladas da moda. “Meio que formamos aquela parte da cidade. Éramos lendas naquela rua. Se vocêfor para lá agora, está cheia de meninos de 18 anos que se parecem comigo”, gaba-se. Tesfaye queria ser músico havia muito tempo e começou a correr atrás disso. Também começou a badalar bastante. “Nunca precisei me desintoxicar nem nada disso”, ele garante,
“mas era viciado no sentido de ‘Caralho, não quero passar esse dia sem ficar chapado’”.
Em uma noite londrina, o músico recebe a visita da namorada, Bella Hadid, modelo de 19 anos e filha de uma participante do programa The Real Housewives.
Na música que faz, ele apresenta uma visão conflituosa, frequentemente áspera, sobre mulheres e relacionamentos. Em “Crew Love”, parceria dele com Drake, dispensa uma garota que se atreve a distraí-lo de sua arte (“Tira o nariz do meu teclado/ Pra que você está me incomodando?”). Em “Often”, ele se vangloria de transformar a zona erógena de uma mulher em um fenômeno meteorológico.
Tesfaye diz que o sexo em suas músicas é, na maior parte das vezes, autobiográfico. “Quer dizer, eu não fiz nenhuma garota chover de verdade [referência à letra de ‘Often’], mas se não é isso que você está perguntando, então sim [é autobiográfica]. Não quero soar como um cara para quem o sexo não é um obstáculo, mas já transei muito.”
Ele perdeu a virgindade aos 16 anos. Um amigo na faculdade o levou a uma festa e ele disse para uma garota mais velha que era estudante na vizinha York University. “Poderia ter dito que era aluno na porra do McDonald’s, ela estava muito bêbada”, conta. “Estava bêbado também. Foi a pior experiência da minha vida.”
Parte da atração da música de Weeknd é a frieza emocional que ela apresenta – a forma como cria um mundo que soa sexy e anestesiado. Perto de suas canções mais sombrias, uma faixa de R. Kelly pode parecer quase melancolicamente romântica. A libertinagem que ele descreve soa, às vezes, assustadora: suas músicas, especialmente as mais antigas, frequentemente ilustram situações perturbadoras, como “High for This”, de 2011, na qual ele canta sobre fazer uma garota ficar chapada antes de transar com ela. “É tudo com consentimento”, insiste. “O tom é sombrio, a ambientação é sombria, mas nada foi forçado. Eles querem se divertir. Todos querem estar lá. Se eles se arrependem de suas escolhas depois, não importa, mas todos estão consentindo.”
“Uma coisa no abel que as pessoas não percebem é que ele é incrivelmente ambicioso”, relata Monte Lipman, presidente da gravadora Republic Records. Depois de decidir que não queria fi car apenas no underground, Tesfaye pediu à gravadora que o ajudasse a criar alguns hits. Em meados de 2014, a Republic mandou para ele uma música inacabada da colega de selo Ariana Grande, “Love Me Harder”, produzida pelo mago sueco do pop Max Martin. “Era uma faixa ótima, mas um pouco genérica. Não consegui me ouvir nela, então mudei e a deixei pesada”, conta. Ele reescreveu e devolveu a letra; Martin gostou. “Foi meio como se a gravadora me passasse a bola para encestar”, Tesfaye compara. “Acho que foi aí que as coisas se ajeitaram para mim. Quando vejo uma abertura” – ele bate o punho na palma da mão – “eu penetro”.
A faixa chegou ao número 7 da parada e marcou um ponto de virada para o artista – o início de sua conquista do mainstream. Depois, veio “Earned It”, parte da trilha sonora do filme Cinquenta Tons de Cinza, uma faixa sadomasoquista lenta e provocante que não soava como nada que havia nas rádios pop e disparou para a terceira posição nas paradas. Então, ele entrou em estúdio com Max Martin para elaborar alguns hits próprios. Martin acabou coproduzindo três faixas de Beauty Behind the Madness: “Can’t Feel My Face”, “Shameless” e o mais recente single, “In the Night”, outra homenagem a Michael Jackson.
As mixtapes do cantor, e mesmo Kiss Land (2013), o álbum anterior, eram bastante atmosféricas, com refrãos encobertos em uma névoa nauseante de cocaína. Beauty Behind the Madness é mais como uma droga injetada – mais curto, mais coeso, mais enérgico. “Para mim, as canções estão em primeiro plano”, ele diz. “A produção pode ser ótima e soar louca, mas são só efeitos especiais. Se você não consegue eliminar tudo e tocar ao piano, não é uma música boa.” Tesfaye consegue admitir para si mesmo que compor músicas pop é muito mais difícil do que compor músicas cool – ainda assim, sem deixar a autoconfi ança de lado. “Algumas pessoas dizem: ‘Ah, sim, é só se vender e fazer música pop’. Vai lá você fazer isso, então! Não é fácil! Posso ser sincero? O que esta molecada está fazendo agora... Consigo fazer esse negócio dormindo. Escuto e isso não me desafi a em nada. Posso deixar uma garota assim” – ele faz uma dancinha balançando os ombros – “com uma simples batida. É muito fácil. Fiz tanto isso que não consigo mais. Mas música pop? Essa porra é difícil, cara.”
Degrau a Degrau
The Weeknd é autoconfiante, mas assume que, no palco, nem sempre foi assim
Em novembro, The Weeknd saiu em turnê pelos Estados Unidos. Ele hoje aparenta bastante confiança no palco – bem diferente de quando fez a primeira apresenção em um grande festival, em 2012, no Coachella. “Foi meu primeiro show nos Estados Unidos e odiei a minha performance”, ele diz. “Estava me borrando de medo. Saí do palco e achei que tinha ido bem, mas depois vi os vídeos e foi um pesadelo. Li todos os comentários e quis me matar. Lembro que falei para o meu empresário: ‘Você precisa agendar o máximo possível de shows para mim. Aquele cara no palco não é um astro. Não é uma lenda’.” Então, Tesfaye botou a mão na massa. Fez algumas aulas de dança para tentar aumentar a autoconfiança. E fez muitos shows. “Eu me apresentei até dizer chega”, conta. “Minhas turnês estavam bombando. Todos ficaram confusos – não tenho uma música de sucesso e estou tocando em duas noites no Radio City, em Nova York? Não estou dizendo que sou a Beyoncé, mas sinto que corri atrás e mandei muitíssimo bem.”
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