Josh Tillman lançou o aclamado I Love You, Honeybear (2015) e compôs para Beyoncé e Lady Gaga antes de chegar ao desiludido terceiro álbum do projeto
Lucas Brêda Publicado em 07/04/2017, às 19h17 - Atualizado às 19h59
“Nascemos metade formados e esperamos que quem quer que nos receba do outro lado seja gentil o bastante para nos completar”, canta Josh Tillman, contemplando a cena de um parto na visão do bebê, no quarto verso de “Pure Comedy”. A faixa-título do terceiro e mais aguardado álbum do projeto dele, Father John Misty, foi recebida como uma canção política e pessimista. “Esse disco trata de amor”, confessa, ao telefone, falando de pijamas da casa dele, em Los Angeles. “Os primeiros versos de ‘Pure Comedy’ são sobre amor. Sobre perceber o quão carente nós somos e como o mundo fica mais absurdo conforme deixamos de cuidar uns dos outros.”
Desde que deixou o Fleet Foxes – onde tocou bateria por quatro anos, depois de alguns discos solo como J. Tillman –, Father John Misty lançou Fear Fun em 2012 e se firmou com o criticamente aclamado I Love You, Honeybear (2015). No meio tempo, a presença confusa nas redes sociais, com comentários recheados de ironia e sarcasmo, e histórias excêntricas (em entrevista à Rolling Stone EUA, por exemplo, ele narrou a experiência de ir um show de Taylor Swift sob efeito de LSD) inflaram a persona de Tillman.
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Em 2015, o cantor e compositor de country alternativo Ryan Adams decidiu regravar por completo o álbum 1989, hit de Taylor Swift do ano anterior, com releituras das faixas em abordagem pop rock. Ao ficar sabendo da empreitada, Tillman publicou no SoundCloud a versão dele da história: supostas regravações das regravações de Adams cantando Taylor, mas que na verdade soavam como músicas clássicas do Velvet Underground com letras da estrela pop e vocais propositalmente preguiçosos. Parecia muito mais uma brincadeira despretensiosa no Twitter, mas as postagens acabaram ganhando a internet na semana.
No ano seguinte, Father John Misty acabou – de maneira absolutamente inesperada para um artista indie – solicitado por Beyoncé e Lady Gaga para compor músicas para elas. “Foi muito orgânico, sabe?”, conta ele. “Alguém mostrou meu som para Beyoncé, ela gostou e me pediu para compor uma música. E foi o mesmo com a Lady Gaga, muito orgânico. Não é algo que eu sonhei fazer, mas, como poderia resistir?”. O resultado foi “Hold Up”, um dos vários sucessos de Lemonade (2016), coassinada por Tillman. Foi o mesmo caso de “Come to Mama”, canção mais identificável com o universo do artista, que Gaga lançou em Joanne (2016) e depois teve a versão demo (cantada por Tillman) publicada na internet.
A expectativa em torno de Pure Comedy, que ganha vida em abril, cresceu a ponto de Tillman ser sondado por gravadoras major. “Me chamaram para almoçar e blá blá blá”, conta ele, que permaneceu na Sub Pop (clássico selo identificado com o grunge e a música independente de Seattle, onde ele morou por anos), sem esconder o desprezo. “Mas não pertenço a elas. Assinar com grandes gravadoras é estúpido. Diga uma banda indie que assinou com uma gravadora e isso funcionou. É sempre uma história trágica. E muitos dos pop stars que conheço queriam estar em gravadoras menores. Eles ganham dinheiro, mas é meio tudo que conseguem.”
Com produção e arranjos ainda mais refinados que o antecessor, Pure Comedy chega tomado por uma atmosfera reflexiva. O álbum foi criado “muito mais ao vivo” que I Love You, Honeybear, gravado quase inteiro por Tillman sozinho. Tal característica pode ser facilmente notada no filme surrealista de meia hora de making of do novo LP, publicado YouTube. Tillman inclusive contou com a ajuda de Gavin Bryars (com contribuições de Nico Muhly e Thomas Bartlett) para os arranjos de cordas, sopros e coral e do produtor Jonathan Wilson, além de ter permanecido majoritariamente sóbrio durante o processo.
Pure Comedy começou a ser concebido em 2015 e foi gravado no ano seguinte. Em julho de 2016, Tillman passou por uma situação curiosa. “Donald Trump tinha acabado de ser anunciado como um dos dois candidatos à Presidência do país”, recorda da ocasião em um festival de Camden, em Nova Jersey, no qual em vez de apresentar o set regular, o cantor pegou o microfone e fez um longo discurso sobre o poder alienante do entretenimento. “As pessoas estavam agindo como se tudo estivesse bem. E, sei lá, eu não consegui ficar em pé lá e fingir que tudo estava normal.”
“Os seres humanos não mudaram tanto na história”, teoriza, refutando, contudo, que o trabalho seja político, apesar da evidente influência de eventos como a ascensão de Trump. “Achamos que mudamos muito e é aí que a merda começa: quando pensamos que somos tão desenvolvidos que não precisamos nos preocupar com, tipo: ‘Nunca vai ter outro louco maléfico’. Por que somos tão modernos e avançados que não fazemos mais isso? Sabe, tudo se repete. Acho que é justamente por isso que não é um disco político.”
“Pure Comedy”, a faixa-título, é single e também abre o álbum, como a carta de intenção de Tillman, que também versa sobre sexo em realidade virtual com (novamente) Taylor Swift (em “Total Entertainment Forever”) e imagina uma pessoa checando o feed de notícias em uma rede social antes de morrer (“Ballad of the Dying Man”). Pure Comedy funciona como uma piada sem graça, daquelas capazes de amargar um sorriso antes mesmo de ele estar completamente formado. Ou mesmo como uma pesada injeção de realidade. “Muitas pessoas não são entretidas pelo que faço”, analisa, divagando sobre entretenimento e arte. “Entretenimento é tipo heroína, arte é cogumelo [alucinógeno]. Entretenimento te faz esquecer da vida. Arte faz você se lembrar dela.”
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