Bruno Raphael Publicado em 26/12/2011, às 11h07 - Atualizado às 11h14
Em nota oficial publicada no dia 14 de dezembro, treze festivais independentes, incluindo o Goiânia Noise e o Abril Pro Rock, anunciaram a saída da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes. O motivo, explicitado em muitos momentos do texto, foi o novo regimento da entidade, cuja presidência em 2011 passou para Talles Lopes, integrante do coletivo Fora do Eixo. Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Lopes rebateu as críticas à sua gestão. “Foi algo natural da dinâmica de um processo associativo”, justifica. “Nós sabemos que nessa saída ninguém foi pego de surpresa. O texto colocado aponta algumas coisas programáticas sobre o que a Abrafin deve ser, e que não foram apresentadas nos últimos anos.”
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Dentre alguns trechos do texto divulgado pelos representantes dos festivais dissidentes, destacam-se pontos como “[...] a evidência de que a Abrafin não é mais uma unanimidade. Boa parte da aura de independência se esvaiu e, não raras vezes, percebemos que a entidade é vista com desconfiança. [...] Adotar um modelo único de funcionamento é um erro crasso, completamente oposto às premissas da fundação da entidade. [...] O fato desta reunião da Abrafin [realizada em São Paulo recentemente, para definir seus novos rumos] estar acontecendo dentro de um Congresso Fora do Eixo é prova irrefutável desta sobreposição”.
"Clube dos 13"
Tais argumentos impossibilitam uma discussão política dentro da Abrafin, crê Talles Lopes. “A questão não é ‘o Fora do Eixo está o ocupando a Abrafin’ – é como quando o PSDB vai disputar com o PT o governo do Brasil e são dois projetos apresentados”, compara. “Tem que ter maturidade política pra entender que, mesmo sendo uma associação de música, o processo é este. Temos que pensar no que é bom pra música brasileira, ela [a entidade] continua tendo o seu papel de ser a que representa os festivais independentes no Brasil. Se eles se organizarem enquanto outra entidade e transformarem esse, que está sendo colocado como o ‘Clube dos 13’ [na verdade, são 14 – o Mimo, único festival pernambucano que ainda era filiado, anunciou a saída na última quarta, 21] na disputa, eu acho que a música brasileira só crescerá. Esse processo, que talvez o Fora do Eixo represente de forma mais forte, sempre quis qualificar a plataforma.”
"Caso China"
Em determinado trecho, o texto publicado pelo “Clube dos 13” afirma que “o uso de verbas públicas [dentro da entidade] deve ser estratégico” e que “o que se tem visto é uma Abrafin que cada vez mais enxerga os recursos públicos como um fim e não como um meio. [...] A opinião pública, obviamente, tem sido incapaz de diferenciar Abrafin e Fora do Eixo. [...] Cada vez mais a Abrafin e artistas têm se encarado de forma animosa, como se fossem opostos”.
Contrariando todas estas afirmações, Lopes diz que a saída dos festivais e o “caso China” [se referindo às acusações que o músico fez recentemente ao Fora do Eixo em redes sociais e em seu próprio blog, cujo texto você pode ler aqui] não têm nenhuma ligação entre si. “Não podemos colocar na mesma panela”, diz o presidente. “A citação do China é extremamente desatualizada. Ele não tem conhecimento sobre o que está acontecendo nos festivais independentes, porque ele não tem disposição de conhecer. Está pautando uma crítica extremamente datada, lá do início do circuito Fora do Eixo. Na verdade, não é datada só no Fora do Eixo – é uma coisa datada historicamente na música independente brasileira.”
“A gente pega a maioria dos festivais hoje da Abrafin e do Fora do Eixo - a maioria paga cachê e, quando não paga, isso é negociado entre as partes”, continua Lopes. “Só em Minas Gerais no ano passado, fizemos um investimento de R$ 330 mil em cachê.”
Futuro da Abrafin
Questionado se a força da Abrafin não será mais a mesma com a saída destes festivais, Lopes acredita que é tudo relativo. “Se formos avaliar que estamos perdendo festivais representativos e importantes, que foram pioneiros [com a saída dos 14, restaram três festivais fundadores da Abrafin dentro da entidade], não tem como falar que isso não é uma perda”, reflete. “Mas, no momento em que você tem dois grupos, que são muito importantes pra música brasileira e não conseguem avançar juntos, a gente ganha com a resolução do problema. Agora, a Abrafin vai poder tocar sua agenda dentro de sua política de festivais.”
Frisando que sempre teve abertura ao diálogo (ao se desfiliar do Fora do Eixo no dia 14 de dezembro, o Movimento Soma reclamou justamente do contrário), Talles Lopes diz não achar que a saída de festivais foi proveniente de falta de flexibilidade. “Teve um momento, dois anos atrás, quando um grupo de festivais, vocalizado pelo Abril Pro Rock, colocou o seguinte: ‘Se a próxima presidência da Abrafin for do Fora do Eixo, a gente sai’”, revela. “E nem estávamos em processo eleitoral. Eu visitei boa parte dos festivais que estão saindo e [ser] mais aberto ao diálogo é impossível. Quando você fala que pensa numa política de descentralização e de troca de tecnologia, isso é justamente um sinal de abertura. Talvez o fato que tenha feito o Fora do Eixo crescer como cresceu foi porque foi o movimento que teve menos medo de ser debatido. Ele está num momento em que, com a organização de redes de festivais, talvez daqui a pouco não tenha a necessidade de existir. Estamos discutindo fortemente, aqui no Congresso, o momento do pós-marca e a construção das redes no Brasil pra poder trabalhar a cultura. Temos de buscar informação pra poder falar sobre as coisas.”
Críticas de Pablo Capilé ao Estado de Pernambuco durante o Congresso Fora do Eixo
Alguns dias após a entrevista de Talles Lopes à Rolling Stone Brasil, foi divulgado um vídeo gravado durante o congresso do coletivo, no qual Pablo Capilé, um dos principais organizadores do Fora do Eixo, minimizava a relevância dos festivais que saíram da Abrafin e a cena musical pernambucana.
“Que relevância cultural tem hoje um Abril Pro Rock?”, declarou Capilé no congresso. “O Abril Pro Rock hoje não lança bosta nenhuma! O Goiânia Noise acabou de acontecer e meteu o Raimundos de headliner no primeiro dia, é tipo o Mada colocando Biquíni Cavadão. Além de perderem a relevância histórica, os caras ficaram constrangedores. [...] Pernambuco é a personificação do rancor, cara. Se tem um Estado rancoroso, hoje, é Pernambuco: eles não se associam, não trabalham coletivamente, reclamam pra caralho. [...] É o genérico de São Paulo, que [...] fica chorando porque hoje não é mais o centro do que há de melhor, esteticamente falando, no Brasil. [...] Os caras estão lutando pra se manter como algo relevante. Vamos falar: que banda de Pernambuco tá lotando o baixo Augusta? É o Eddie, Mombojó...mas são caras que, em determinado momento, já bateram num teto em que já não é mais o que se esperava de Pernambuco. O que se falou de Pernambuco em 2011? [...] A gente retirou as nossas bases de Pernambuco e a gente está em crise diplomática com esse estado, cara.”
Outra artista a se manifestar contra a premissa atual do Fora do Eixo, a cantora Karina Buhr mostrou indignação em sua página no Facebook: "Quem não concorda com a política em questão [dentro da Abrafin e do Fora do Eixo] deveria ter o direito de fazer shows no circuito", ela escreveu. "De outra forma, vira uma coisa bem feia: perseguição política. Sim, o que está embutido nessa questão é um jogo de poder. Só que é um jogo de um lado só, porque, pelo menos do lado dos músicos de Pernambuco, o que se quer é muita música. Poder, só se for o de botar o povo pra bailar ou pra chorar, rir, com as porcarias das músicas que a gente faz e toca, 'irrelevantes artisticamente' pro gestor do coletivo Fora do Eixo."
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