Com apenas três temporadas, a obra de Thurop Van Orman abriu as portas para os maiores clássicos modernos
Igor Brunaldi Publicado em 20/07/2020, às 07h00
Entre a estreia em junho de 2008, e o cancelamente em agosto de 2010, o Cartoon Network exibiu aquele que viria a ser o melhor dos desenhos subestimados e também a origem de muitas das melhores animações dos anos 2010: As Trapalhadas de Flapjack.
Apesar do total de apenas 91 episódios de 11 minutos cada, divididos em meras três temporadas, o projeto idealizada e criada pelo cartunista norte-americano Thurop Van Orman, teve um papel essencial para o mundo da animação, principalmente para a gestação das principais ideias das mentes criativas mais relevantes da atualidade.
Se você nunca assistiu a nenhum episódio sequer, não deixe o título ingênuo e a fofura do protagonista te enganarem.
As aventuras desse pequeno marinheiro de voz fina que mora e viaja dentro de uma baleia falante é carregado de temas voltados para o público adulto, escondidos embaixo de algumas camadas de interpretação que, à primeira vista, podem parecer infantis e inocentes, mas ficam progressivamente mais sombrias conforme avança a idade de quem assiste.
Isso, aliás, vai muito além das piadas no roteiro. Alguns enredos de episódios inteiros caminham mais no lado adulto do que no infantil, com elementos surrealistas e de terror intensos, que evocam instantaneamente no espectador mais velho aquele famoso pensamento de "eita, isso não é para criança".
Não seria correto chamar Flapjack de percursor desse estilo de narrativa nos desenhos animados teoricamente infantis, já que outras animações, como por exemplo Ren e Stimpy (1991), A Vida Moderna de Rocko (1992) e Coragem o Cão Covarde (1996) usaram dessa ambiguidade e profundidade temáticas muitos anos antes (em intensidades bem diferentes).
Apesar de Flapjack poder ser considerado o ponto de partida, em tom e estilo, para o surgimento de uma nova era de desenhos, o objetivo aqui não é analisar quem merece tal mérito.
Mas sim para exaltá-lo por ter contribuído de maneira definitiva para o amadurecimento criativo de artistas que trabalharam nessa obra subestimada e que deram origem a alguns dos principais clássicos modernos, como:
Possivelmente a mais popular e certamente a mais duradoura de todas as "crias diretas".
Com um universo vasto e detalhado, linha(s) do tempo complexa(s), um enredo repleto de histórias tão divertidas quanto lindas, uma variedade assustadora de personagens cativantes e bem desenvolvidos, além de uma direção de arte impecável, o fenômeno cultural Hora de Aventura foi criado por Pendleton Ward, que trabalhou como roteirista e artista de storyboard em As Trapalhadas de Flapjack.
Exibido também pelo Cartoon Network entre abril de 2010 e setembro de 2018, a terra pós-apocalíptica de Ooo foi palco de inúmeras aventuras (protagonizadas por Finn, Jake e companhia) contadas ao longo de 10 temporadas e 283 episódios, sem contar os curtas.
Artistas que trabalharam em Hora de Aventura também criaram outras animações que sucessivamente marcaram época. Os maiores e melhores exemplos disso são Steven Universe (2013), criado pela Rebecca Sugar, e The Midnight Gospel (2020), criado pelo próprio Ward com o diretor de arte Jesse Moynihan.
Apenas Um Show foi um desenho que cresceu lado a lado como um irmão de Hora de Aventura. Apesar de também ter atingido um sucesso notável, não chegou a gerar o mesmo impacto cultural que o irmão.
Idealizado por J. G. Quintel, diretor criativo em Flapjack, o desenho foi exibido pelo Cartoon Network entre setembro de 2010 e janeiro de 2017, com oito temporadas e um filme.
Quintel, assim como Pendleton Ward, estreou em 2020 um novo projeto chamado Close Enough, e da equipe de escritores de Apenas Um Show emergiu Owen Dennis, criador do imaginativo, emocional e amplamente aclamado Infinity Train (2019).
Assim como Hora de Aventura, esse desenho exibido pelo Disney Chanel é fruto de um ex-escritor e artista de storyboard de Flapjack.
Criado por Alex Hirsch, Gravity Falls é um daqueles casos raros de obra audiovisual que começa com o fim já em mente, e se mantém concisa e coesa até chegar nele, depois de enxutas duas temporadas quee somam 40 episódios ao todo.
Se tem uma coisa que esses números atipicamente baixos significam, é qualidade do primeiro ao último capítulo. Imersas em mistérios que envolvem ocultismo, o sobrenatural e detalhes sutis, as aventuras dos gêmeos Dipper e Mabel se tornam cada vez mais interessantes e imersivas, além de progredirem em um ritmo satisfatório. Nada de fillers por aqui.
Dana Terrance, revisora de storyboard no programa, estreou como criadora este ano, com o promissor The Owl House, também do Disney Chanel.
Ela não foi a única da equipe a lançar um projeto próprio. Matt Braly criou Amphibia, também iniciado em 2020, e também exibido pelos estúdios Disney.
O mais curto de todos os desenhos mencionados aqui, a minissérie O Segredo Além do Jardim é uma obra prima com desenvolvimento e narrativa exemplares.
Em 10 episódio, o criador Patrick McHale conta uma história de terror e família perfeitamente balanceada para crianças e adultos, sem forçar no caráter explícito ou infantil, e também sem se preocupar demais em suavizar certas situações de tensão.
A jornada dos irmãos Wirt (dublado por Elijah Wood!)e Greg por uma floresta mal iluminada, habitada por criaturas assustadoras, aldeões com segredos obscuros e um ser misterioso que propaga a escuridão, consegue divertir e assustar espectadores de todas as idades com maestria, resultado de um tom que mistura o peso do gótico com a leveza da inocência infantil.
McHale iniciou a carreira profissional no mundo dos desenhos em Flapjack, e chegou também a fazer parte da equipe criativa de Hora de Aventura.
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