Com o isolamento social, produtores e DJs têm realizado festas virtuais como uma alternativa para continuar agitando a vida noturna; pisca-pisca, hits pop e coreografias são muito bem-vindas
Nicolle Cabral Publicado em 19/05/2020, às 07h00
O ritual parece o mesmo. Algumas horas antes do horário marcado para o encontro você toma um banho, separa uma roupa, se maquia e abre a bebida de preferência. A diferença é que agora, em tempos de coronavírus, você não pede um Uber - a menos que ele seja imaginário -, mas se posiciona na frente da câmera do computador ou da tela do seu celular e espera a festa começar.
No último sábado, 16, foi o que eu fiz. Com o ingresso no valor de R$10 (com a renda revertida para ajudar os produtores e DJs da organização), fui, por meio do aplicativo Zoom, ao MinhoQueens #LiveEmCasa. Conhecidos primordialmente por promover um bloco de rua que arrasta uma multidão durante o carnaval de São Paulo desde 2016, o MinhoQueens realizou uma balada à distância, das 23h às 2h da manhã, cheia de hits para quem adora bater cabelo e rebolar nas festas.
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A compra do ingresso foi realizada pelo Sympla. Após a confirmação, um e-mail foi enviado com um guia de como participar da transmissão. A videoconferência foi realizada via Sympla Streaming, uma integração com a plataforma do Zoom, que permite eventos com até 300 pessoas por sala.
Antes do encontro, no evento do Facebook, um recado: abuse no look. Então, imagine várias mini-câmeras - na edição, em torno de 22 pessoas - filmando shorts coloridos, abadás de bloco de carnaval, vestidos de cetim, colar de pérolas e perucas. No cenário, salas com sofás afastados para abrir espaço para a dança e kits de luzes de festa piscando nas paredes.
Para a noite, estavam escalados os DJs e organizadores do próprio MinhoQueens, Will Medeiros e Luís Giusti. Às 23h, no momento em que entrei na videoconferência, "Stupid Love" da Lady Gaga fez as honras do set.
No repertório, ao longo da madrugada, apareceram "Flash Pose", parceria de Pabllo Vittar com a Charli XCX, "Verdinha" de Ludmilla, "Movimento da Sanfona" de Anitta e "All the Lovers" de Kylie Minogue. Foi puro pop, disco e funk. O som - que é espelhado da placa do computador do host da conferência no Zoom - oscilou algumas vezes, porém, não desanimou quem buscava se divertir. Pelo chat, algumas dicas de como resolver o problema e pedidos de música.
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Lembra de 2009? Do auge do fake, comunidades de baladas no Orkut e atualizações de tópicos a cada minuto? É um pouco sobre isso. Na verdade, foi a primeira memória que me veio a cabeça quando vi as ideias criativas de simular as conversas de uma balada real no chat, enquanto mantemos o distanciamento social.
Com os microfones dos participantes mutados para evitar interferência no set, o chat bombava. "Quem tá ficando bêbado grita 'AHHHHHHHHH'", na sequência, algumas mensagens "AHHHHHHHH". Outros diálogos como "amiga, vamos ao banheiro comigo?" e "alguém pega uma cerveja para mim, a minha acabou" também foram frequentes. O famoso "meu Uber chegou", virou código oficial para indicar a saída da festa.
Clima de paquera e bate-papo entre amigos também marcaram presença virtualmente. Enquanto algumas pessoas apareceram com roommates (colegas de quarto) e cachorros pulando e correndo pela sala, outras estavam acompanhadas apenas por alguma bebida alcoólica.
Procurado pela Rolling Stone Brasil, o DJ e uma das frentes do MinhoQueens, ao lado de Will Medeiros e Fernando Magrin, Luís Giusti explicou sobre a intenção de transformar o bloco em uma festa online neste momento. "A gente acaba só vendo coisa triste na mídia, então a proposta é trazer um pouco de descontração e continuar aproximando as pessoas".
A edição foi a primeira oficializada como uma festa e teve um caráter colaborativo (R$10), porém, a próxima será gratuita. "Muita gente não pode pagar nesse momento, alguns estão sem emprego ou tiveram a jornada de trabalho reduzida, e consequentemente, o salário, então na próxima, vamos fazer uma live gratuita".
Giusti, antes de promover a festa com o MinhoQueens, participou de outros eventos à distância e destacou a diferença que sentiu entre as lives e as baladas online. Para exemplificar, o DJ citou as lives dos famosos. "[Nas lives] você mais assiste do que interage. E a nossa proposta é contrária, a gente gosta da interação".
Por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social, unido à higienização das mãos e o uso de máscaras, se tornou uma das alternativas mais eficazes para a contenção doença. Por isso, as lives, encontros via videoconferência e baladas à distância se tornaram opções tão tentadoras - mas a falta do público é óbvia.
"É muito diferente não ter esse contato direto com as pessoas, mas, ao mesmo tempo, a troca que você tem em uma festa é muito legal. As pessoas se engajam da forma que podem".
Durante a festa, um participante simulou com o celular um letreiro digital com "Eu Amo MinhoQueens" escrito em neon. Na entrevista, Giusti celebra essa empolgação do público: "As pessoas escrevem em caderno, se maquiam, bebem em casa. Isso é muito bacana, é uma nova forma de poder estar próximo [das pessoas] nesse momento".
Uma das principais questões é a tecnologia, aponta Giusti. "Nem sempre fica como queremos", explica o DJ ao citar problemas técnicos com o som e a imagem, que pode oscilar por causa da conexão da internet, na plataforma. "Fazemos o máximo para passar uma imagem bacana e um som legal - não só de repertório, mas de qualidade - para que a galera consiga aproveitar".
Na era das lives, uma transmissão de qualidade tem sido um desafio para os artistas e organizadores das festas. DJs, músicos e cantoras já sofreram com o problema nas transmissões ao vivo também realizadas em outras plataformas, como no YouTube. A dupla Simone e Simaria, Marília Mendonça, Jão e Ferrugem são alguns exemplos de artistas que já enfrentaram problemas com a nova opção da indústria do entretenimento.
A próxima balada do MinhoQueens, marcada para o dia 31 de maio, terá o horário diferente da estreia: "Decidimos fazer em um domingo à tarde". A questão do som alto no horário escolhido (a partir das 23h), foi a principal razão da mudança, já que, para quem mora em condomínio e/ou apartamento, o som ou as danças podem incomodar os vizinhos.
"Aos poucos vamos entender, sentir quais são as necessidades do nosso público e vamos nos adequar durante esse período que estamos em casa", enfatiza.
O bloco, que por enquanto virou festa online, não foi o primeiro a despontar essa tendência. Os eventos online já eram uma realidade, mas com o isolamento social, a procura e as opções aumentaram.
Em Toronto, no Canadá, a Club Quarentine já recebeu, por exemplo, a Pabllo Vittar como DJ. Enquanto em Londres, um coletivo tem realizado o Queer House Parties, evento que reúne o público LGBTQ+ e da cena de música eletrônica.
No Brasil, a I Hate Mondays (evento promovido pelo I Hate Flash) já ganhou versões online. A festa virtual tem sido transmitida às segundas-feiras, pelo YouTube, com "pista de dança" no Zoom, para arrecadar fundos para a comunidade Santo Amaro e ONGs LGBTQ+.
Além do coletivo de criadores, o DJ e produtor Gabriel Barros, conhecido por totonete, também tem tocado em várias baladas online. "A primeira vez eu nem botei tanta fé [em festas à distância], mas foi super legal. Me diverti a beça". Barros tocou na aZoom, projeto do DJ Omulu, voltado para eventos à distância de música pop e eletrônica.
Morador do Rio de Janeiro (RJ) e há 5 anos na cena noturna, Barros ressalta os pontos positivos das reuniões online: "Tem público de vários lugares do Brasil, pessoas que nunca puderam ir [às festas], agora podem".
A verdade é que, enquanto não existe ainda uma previsão de normalidade em relação ao coronavírus, te sugiro frequentar a baladinha (online) mais próxima de você.
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