- Freddie Mercury (Foto: Media Punch/ IPX)

Freddie Mercury eterno: Como o Queen se tornou uma das maiores bandas de todos os tempos

Teatral, bombástico, brilhante: nunca mais existiu outra banda como o Queen ou um frontman como Freddie Mercury

Mikal Gilmore Publicado em 05/09/2019, às 10h02

Foi um renascimento inesperado. No instante em que Freddie Mercury e os outros integrantes do Queen – o guitarrista Brian May, o baterista Roger Taylor e o baixista John Deacon – subiram ao palco do Estádio de Wembley, em Londres, em 13 de julho de 1985 para o histórico show do Live Aid, a banda ganhou o dia.

Mercury se posicionou ao piano e tocou a bela e exótica “Bohemian Rhapsody”, com a banda que trovejava atrás dele em um andamento majestoso. O público de 72 mil pessoas cantou a letra em uníssono como se tivesse esperado por aquilo a vida inteira. Depois, o vocalista agarrou o pedestal do microfone enquanto os companheiros tocavam “Radio Ga Ga”. A multidão reagiu com um gesto coletivo de salva de palmas acima da cabeça e os punhos cerrados enquanto p vocalista os agitava poderosamente.

Algumas pessoas acharam assustadora a visão daquele movimento espontâneo da massa, como uma maré humana. Era muita potência, tudo sob o comando de uma banda e uma voz. O fato do Queen conseguir isso espantou a todos. Naquele momento, a banda parecia já estar próxima do fim.

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Depois do épico A Night at the Opera (1975), o quarteto tinha lançado sucesso atrás de sucesso em formatos estilisticamente diversificados: do pop barroco ao rock pesado, rockabilly e funk. Então, em meados dos anos 1980, o destino havia mudado – em parte porque muitos fãs tinham dificuldade em aceitar a aparente homossexualidade de Mercury.

Depois de um erro de julgamento em 1984, quando a banda decidiu fazer uma série de shows em uma África do Sul marcada pelo apartheid, o grupo parecia ter se tornado uma espécie de pária até em sua Inglaterra natal. Mas, depois do Live Aid – que exemplificou tudo o que era extraordinário no Queen, como a abrangência, o virtuosismo, o domínio de palco –, todos só queriam mais. Anos mais tarde, May disse: “Aquilo aconteceu graças ao Freddie. O restante de nós tocou bem, mas ele entrou e levou as coisas para outro nível”.

Hoje, quase 30 anos depois da morte do cantor devido a uma broncopneumonia relacionada à AIDS, o legado do Queen como uma das maiores e mais polêmicas bandas do rock continua inseparável do vocalista. Quando Taylor e May falam sobre os anos com Mercury (Deacon se recusa a comentar), às vezes parece que ainda estão espantados com como aquilo tudo foi maravilhoso – e, ao mesmo tempo, horrível. “Éramos próximos como banda”, afirmou Taylor dias após a morte do cantor. “Só que mesmo assim não sabíamos tudo sobre Freddie.”

O Queen começa e termina com Freddie Mercury. Ele incorporou a identidade da banda, os triunfos e os fracassos, e era a personalidade cuja perda não pôde ser superada. O astro nasceu com o nome Farrokh Bulsara, no dia 5 de setembro de 1946, no protetorado britânico de Zanzibar, na costa leste da África, em uma família parsi que praticava o zoroastrismo, uma das religiões monoteístas mais antigas do mundo. Bomi, o pai de Farrokh, era um funcionário de alto escalão do banco do governo britânico, o que significava que ele, a esposa, Jer, o filho e, mais tarde, Kashmira, segunda filha do casal, viviam cercados de privilégios.

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Em 1954, quando Farrokh tinha 8 anos, os pais o mandaram para a conceituada St. Peter’s Church of England School, em Panchgani, na Índia. Ele chegou como um menino tímido e com vergonha da arcada dentária proeminente. Muitos se lembram de que ele parecia solitário na St. Peter’s. “Aprendi a cuidar de mim mesmo e cresci rapidamente”, disse o rapaz anos mais tarde. Quando alguns professores começaram a chamá-lo carinhosamente de Freddie, ele se apossou do nome.

A família o havia apresentado à ópera, mas ele também cultivava um amor pelo rock de pianistas como Little Richard e Fats Domino. Em 1958, formou uma banda, The Hectics, com outros alunos da St. Peter’s. No palco, Freddie não era mais um garoto tímido – ali, era um artista desinibido que estava no controle.

Cinco anos mais tarde, em 1963, ele voltou para Zanzibar com a família. O domínio colonial britânico acabou no mesmo ano. A ilha eclodiu em revolução e assassinatos, e os Bulsara rumaram para Feltham, Middlesex, na Inglaterra. O clima era ruim, assim como o salário, e Freddie ficou inquieto. “Eu era rebelde”, ele contou à Rolling Stone EUA em 1981. “Queria mandar em mim mesmo.” Era a época da Swinging London, dos Beatles e dos Rolling Stones.

Como Bulsara, os outros dois jovens que iniciaram o Queen, Brian May e Roger Taylor, frequentavam faculdades londrinas no final dos anos 1960. May era alto, magro, de fala mansa, culto (estudava matemática, física e astronomia na Imperial College) e estava no caminho de se tornar um guitarrista visionário. Ele e um amigo, o baixista Tim Staffell, tocavam em uma banda cover chamada 1984 quando ambos iniciaram a carreira universitária em meados daquela década.

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Em 1968, porém, os dois formaram uma nova banda, Smile, mais próxima do espírito de improvisação que ganhava terreno no rock britânico daquela época. Eles publicaram uma nota no quadro de avisos da Imperial College procurando um baterista que pudesse tocar como Ginger Baker e Mitch Mitchell. Roger Taylor respondeu ao anúncio. Taylor era bonito, um pouco rude e tocava o que o Smile procurava.

Staffell também tinha interesses musicais em comum com Freddie Bulsara, que frequentava a Ealing College of Art, da qual ambos eram alunos. Bulsara agora era extrovertido. Tinha cabelo comprido, era bonito de uma forma atípica, perigosa e se movia sinuosamente.

No começo de 1969, quando Staffell levou o amigo para conhecer Taylor e May, eles o acharam peculiar – o cantor pintava as unhas de preto. Era charmoso e mandão. Gostava de cantar blues, mas as influências que tinha eram amplas: apreciava o compositor britânico Noël Coward; o som erudito de Chopin e Mozart; o estilo do vocal de Dick Powell, Ruby Keeler, Robert Plant e Aretha Franklin; e a teatralidade de seus dois astros preferidos, Jimi Hendrix e, mais tarde, Liza Minnelli.

Depois de ver o Smile ao vivo, Freddie Bulsara quis se tornar o vocalista da banda. Na época, começo dos anos 1970, Staffell, que era a ligação inicial dele com a banda, anunciou que estava deixando o grupo. May e Taylor estavam cientes de que Bulsara era um pianista treinado e se tornava cada vez mais um cantor excepcional. Então, em abril de 1970, os três formaram uma nova banda. Tiveram vários baixistas antes de conhecerem John Deacon no ano seguinte. Deacon era outro aluno exemplar (tinha mestrado em acústica e tecnologia da vibração). Era reservado, mas aprendeu rápido e foi contratado no ato.

Foi Bulsara que persuadiu os outros a se vestir de forma mais exuberante. Ele também insistiu que tinha encontrado o nome perfeito para a banda. May e Taylor sugeriram The Rich Kids e The Grand Dance, mas o vocalista teimava que fosse Queen. “É tão aristocrático”. E disse anos mais tarde, que “é um nome muito forte, universal e imediato”. Naquela época, o vocalista já não era mais Freddie Bulsara: era Freddie Mercury. O novo sobrenome era uma referência a Mercúrio, mensageiro dos deuses romanos. “Acho que a mudança de nome fazia parte de ele assumir essa pele diferente”, afirmou May.

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No começo do Queen, persistiu a lenda de que a banda tinha passado um ano ou dois mapeando estratagemas antes que qualquer pessoa pudesse ouvir a música deles. Para Mercury, não havia plano B. May, Taylor e Deacon poderiam recorrer à carreira acadêmica, embora o cantor tenha convencido os integrantes de que valia a pena abdicar de qualquer outra carreira.

Quando o quarteto lançou Queen, o álbum de estreia, em julho de 1973, o material já parecia velho para os integrantes. Mercury não tinha paciência para improvisos ou caprichos. Ele acreditava que se você quisesse que as pessoas ouvissem o seu trabalho, tinha que fazê-lo memorável – e que a aparência, como se vestir e se mexer no palco, era igualmente importante.

Com as unhas pintadas de preto, macacões de arlequim e mantos com asas de anjo que acentuavam seus movimentos atléticos e circulantes nos shows, Mercury se banhava de um esplendor andrógino. Esses atributos eram parecidos com o estilo forjado na época por David Bowie, T. Rex, Roxy Music e Mott the Hoople – e isso, para a banda, era preocupante. “Gostávamos do rock glam antes de aparecerem o Sweet e o David Bowie”, May disse na época, “e agora estamos encucados, porque podemos ter chegado tarde demais”.

O tempo passou e, com os dois álbuns seguintes, Queen II e Sheer Heart Attack (ambos de 1974), o Queen evoluiu com sucesso. A banda estabeleceu as bases para o som extravagante e complexo que marcou o primeiro período triunfante do grupo. No palco, Mercury era o ponto focal. A imprensa britânica odiou os maneirismos debochados e teatrais do cantor, mas ele construia um laço poderoso e incomum entre a banda e o público. “O que você precisa entender”, ele disse certa vez a outro cantor, “é que minha voz vem da energia da plateia. Quanto melhor ela for, melhor eu fico.”

Enquanto gravava o quarto disco, A Night at the Opera (1975), o vocalista revelou planos para uma faixa épica. O produtor Roy Thomas Baker contou a história sobre a primeira vez em que ouviu “Bohemian Rhapsody”: “Freddie estava sentado no apartamento dele e falou: ‘Tenho uma ideia para uma música’. Então, começou a tocá-la no piano... e, de repente, parou e disse: ‘Queridos, aqui é onde a parte de ópera entra’”. Do trecho de balada na abertura, a música ascendia em uma opereta, virava um rock intenso e voltava para uma balada.

Quando “Bohemian Rhapsody” ficou pronta, a banda quis que ela fosse o primeiro single de A Night at the Opera. John Reid, empresário do Queen na época, exigia que a faixa de quase seis minutos de duração fosse editada. Deacon também achava isso, mas Taylor e May compartilhavam da determinação do cantor. Qualquer dúvida foi eliminada quando Mercury e Taylor tocaram a gravação final para Kenny Everett, radialista da BBC, que ajudou a divulgá-la. Assim, o faixa se tornou o primeiro single do Queen a alcançar o topo da parada britânica. Também chegou ao Top 10 nos Estados Unidos.

Mas o líder do grupo não tinha paciência com quem lhe perguntava sobre o significado da música; é possível que a faixa tenha algo que seu criador ainda não estivesse pronto para divulgar. “As letras de Freddie eram veladas”, May afirmou mais tarde. “Mas dava para perceber, mesmo em pequenos vislumbres, que muitos dos pensamentos particulares dele estavam ali.”

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Mercury protegia ferozmente a intimidade, porque sentia que precisava ser assim. Durante um tempo, ele manteve um relacionamento passional com Mary Austin, uma jovem glamourosa que conheceu no circuito de moda em Londres. “Ele achava que gostava de mulheres”, um conhecido de Mercury dos tempos de colégio disse à biógrafa Lesley-Ann Jones. “Levou um tempo para ele perceber que era gay... eu acho que ele não conseguia enfrentar os sentimentos que isso causava internamente.”

Então, na época do lançamento de A Day at the Races (1976), o cantor começou a agir de forma estranha com a namorada. “Dava para ver que ele se sentia mal com relação a algo”, ela disse no documentário Freddie Mercury, The Untold Story. Finalmente, ele conseguiu contar a ela sobre sua nova compreensão de si mesmo. “Foi um alívio ouvir aquilo dele próprio”, afirmou. Mercury continuaria próximo da amiga pelo resto de vida, contratando-a como secretária pessoal e conselheira. Até referia-se a ela como esposa. O fato é que, a partir daquele momento, ele não sentiu obrigação de explicar sua sexualidade a ninguém.

Em 1976, na época do lançamento de A Day at the Races, o punk começou a delinear divisões no rock, e começou a levantar críticas à música de bandas “pomposas” como o Queen. Por algum motivo, o som do quarteto mudou em News of the World (1977): era algo mais simples, sem orquestrações e harmonias. Duas faixas do LP, “We Will Rock You” e “We Are the Champions”, se tornaram icônicas. A primeira, composta por May, abria com uma forte marcação de bateria. A letra advertia para que quem estivesse no caminho saísse da frente. Foi considerada uma reação aos punks.

Já “We Are the Champions”, de Mercury, criou polêmica até dentro da banda. May temia que ela fosse considerada uma exercício de arrogância e disse que eles não poderiam gravá-la. O colega replicou, categoricamente: “Podemos sim”. Por causa dessas duas canções, o Queen foi chamado na resenha da Rolling Stone EUA do álbum Jazz (1978) de “a primeira banda de rock verdadeiramente fascista”. May afirmou que isso não tinha nada a ver – elas foram compostas para ser cânticos de estádio, com a participação do público em mente. Alguns também enxergam “Champions” como um reconhecimento engenhoso e subversivo de Mercury da resistência gay. Mas, no final, a canção resistiu como um hino universal de vitoriosos em eventos esportivos.

Mesmo que News of the World tenha mostrado um Queen diferente, a banda nunca levou o punk a sério. Quando o grupo estava gravando em um estúdio ao lado do Sex Pistols, Sid Vicious perguntou a Mercury: “Então você é o tal de Freddie Platinum [ou “Platina”, em português, gerando a piada com o sobrenome “Mercúrio”] que está levando balé para as massas?” Ao que o vocalista respondeu: “Ah, senhor Ferocious [uma referência a “Vicious”, algo como “malicioso” ou “cruel”]. Fazemos o nosso melhor, querido”.

O fato é que a mudança iniciada com o disco de 1977 desaguou no também menos complicado Jazz, seguido pelo álbum duplo ao vivo Live Killers (1979), que proporcionou uma merecida pausa.

Em junho de 1980, o Queen voltou ao mercado de músicas inéditas com The Game, que fez um sucesso estrondoso e mostrou que os rapazes sabiam brincar de rock retrô (a exemplo do rockabilly “Crazy Little Thing Called Love”) e também podiam ter uma pegada funk (“Another One Bites the Dust”).

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A essa altura, Freddie Mercury havia se cansado do visual glam rebuscado da década anterior. Cortou o cabelo, o penteou para trás e passou a usar roupas de couro ou esportivas, com o tecido colado ao corpo. Também deixou crescer um vasto bigode. Era um exemplo do que ficou conhecido como o visual estereotipado dos gays no final dos anos 1970 – um comportamento com o qual o mundo do rock não estava nada acostumado.

Ao levar essa aparência para os shows – em particular durante a performance de “Another One Bites the Dust”, na qual desfilava pelo palco usando short justo e disparando frases como “morda com vontade, baby” –, ele parecia estar mais próximo do que nunca de uma admissão pública de sua homossexualidade.

Em alguns shows na turnê norte-americana da banda em 1980, fãs jogaram lâminas de barbear descartáveis no palco: eles não gostavam dessa identidade de Mercury – o percebiam como um herói abertamente gay do rock – e queriam que ele a eliminasse. Só que o vocalista não tolerava insultos.

Em uma apresentação em Manchester, Inglaterra, quando um sujeito perto do palco gritou “Bichona!”, o cantor pediu que a equipe de iluminação jogasse o holofote na plateia para achar o sujeito. Quando isso aconteceu, Mercury bradou ao microfone: “Fale isso novamente, querido”. O provocador, que era um grandalhão, encolheu diante de todos.

Depois da maratona de shows marcada pelo episódio das lâminas de barbear, a banda só fez uma turnê nos Estados Unidos novamente após 1982. Havia boatos de que integrantes do grupo culpavam a imagem de Mercury pelo afastamento do público norte-americano, que era enorme. “Alguns de nós odeiam isso”, Deacon disse à Rolling Stone EUA em 1981, “mas ele é desse jeito e não dá para impedir”. Brian May, no entanto, afirmava que eles não estavam preocupados com o mercado norte-americano: “Sempre havia algum lugar onde éramos o máximo e aonde poderíamos ir e sermos nós mesmos sem nos preocupar”.

O Queen seguiu como uma potência ao vivo, que lotava estádios e arenas ao redor do mundo durante boa parte da década de 1980. As turnês eram tão grandes e os shows tão espetaculares que tudo isso se tornou mais um aspecto a trabalhar contra a banda: para algumas pessoas, ela era uma indústria, não arte.

No começo de 1981, o quarteto fez a primeira turnê na América do Sul - uma excursão breve, mas memorável. Parecia uma ambição válida, já que nenhuma grande banda de rock tinha levado os fãs da região suficientemente a sério para empreender um esforço tão grande. O primeiro show foi marcado em Buenos Aires, Argentina, e seria o maior realizado no país até então. Uma ditadura militar governava a nação na época, e o Queen tentou racionalizar a visita. “Estávamos tocando para o povo”, afirmou Taylor. “Não fomos para lá em busca de vendas.”

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A banda também tocou no Brasil, mas a imagem do quarteto piorou quando eles aceitaram fazer 12 apresentações em Botsuana e na África do Sul, no Sun City Superbowl, em outubro de 1984. A África do Sul ainda estava dominada pelo Apartheid, e a ONU pedia aos artistas que boicotassem o regime racista. Além disso, o Sindicato de Músicos da Grã-Bretanha proibiu que qualquer um de seus membros se apresentasse no Sun City. O Queen tocou mesmo assim, apesar de uma intensa polêmica na Inglaterra. No final das contas, depois que Mercury perdeu a voz na primeira noite, várias apresentações foram canceladas.

Ao subir ao palco em países de regimes ditatoriais e racistas, parecia que o Queen aprovava esse tipo de poder. “Não gosto de compor músicas com mensagens”, o cantor disse na época. Eles eram artistas, afirmou – uma banda apolítica que não sancionava o governo de um país simplesmente por tocar para seus cidadãos.

Só que as críticas continuaram fortes. No final de 1984, quando ninguém do Queen foi convidado para participar da gravação beneficente “Do They Know It’s Christmas?” – do supergrupo Band Aid, organizado por Bob Geldof e Midge Ure para arrecadar dinheiro para aliviar a fome na Etiópia –, Mercury ficou genuinamente magoado. A banda passou por uma depressão coletiva na época e diversos relatos dizem que os integrantes consideravam se separar ou pelo menos tirar longas férias.

No entanto, alguns meses depois, Geldof convidou os músicos para participar do Live Aid em julho de 1985, no Estádio de Wembley, em Londres (um concerto norte-americano foi realizado simultaneamente na Filadélfia). O Queen inicialmente hesitou – eles se apresentariam durante a luz do dia, o que não gostavam de fazer, e estavam preocupados com a qualidade do som. Além disso, haveria uma competição considerável – Paul McCartney, U2, Elton John, David Bowie, The Who e Sting com Phil Collins.

Os integrantes provavelmente sabiam que seriam vistos como um corpo estranho no evento, devido aos erros políticos que cometeram nos anos anteriores. Só que Geldof prevaleceu e, 22 minutos depois de subirem ao palco em Wembley no final da tarde de 13 de julho, durante a transmissão mundial do evento, os rapazes do Queen terminaram a apresentação como heróis inesperados. Elton John encontrou a banda nos bastidores: “Filhos da mãe, vocês roubaram o show!”, afirmou.

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“Aquele foi o melhor dia de nossas vidas”, disse May. A apresentação reavivou a banda imediatamente. Em setembro de 1985, o Queen começou a trabalhar em Munique, Alemanha, em A Kind of Magic e também se preparou para uma turnê de verão em 1986. “Acho que, provavelmente, somos a melhor banda ao vivo do mundo no momento”, afirmou Taylor. Os shows pareciam confirmar a propaganda. O grupo estava no auge em todos os sentidos. Só que, enquanto isso, Mercury sofria mudanças drásticas e imprevisíveis de humor. Durante uma discussão na Espanha, disse a Deacon: “Não farei isto para sempre, esta provavelmente é a última vez”. A banda ficou em choque.

No final da turnê, a demanda por ingressos era enorme e o Queen acrescentou uma nova data final no Knebworth Park, Inglaterra, em 9 de agosto de 1986. Lá, tocaram para um público de cerca de 200 mil pessoas. Então, tudo acabou. Depois do show, Mercury foi embora apressadamente. Não queria mais ser visto pelo publico que o amavam. O Queen tinha feito sua derradeira performance ao vivo.

No começo dos anos 1980, a Aids começou a se alastrar pelos Estados Unidos – inicialmente centralizada em Nova York, onde cerca de metade das contaminações foram registradas pela primeira vez. Algumas pessoas chamavam a doença mortal de “peste gay”, mas logo ficou aparente que o vírus não discriminava ninguém, embora fosse mais disseminado por usuários de drogas que compartilhavam agulhas e pessoas que faziam sexo sem proteção, especialmente aquelas com vários parceiros. Freddie Mercury caiu nessa última categoria. “Sou apenas um lixo velho que acorda toda manhã, coça a cabeça e se pergunta com quem quer transar”, disse certa vez.

No final da década de 1970 e durante boa parte da de 1980, o Queen considerava Munique sua casa longe de casa – o que, mais tarde, foi motivo de arrependimento. A cidade tinha uma cultura sexual ativa, diversificada e parecia ser o paraíso e o inferno para Mercury. May afirmou que às vezes o vocalista mal conseguia suportar estar no estúdio – “Ele queria fazer a parte dele e cair fora” –, preferindo passar as noites nas discotecas e nos clubes locais. Uma noite, conheceu a atriz Barbara Valentin. Mercury iniciou um romance apaixonado com ela, ao mesmo tempo que mantinha casos intensos e tempestuosos com diversos homens. Usava drogas e bebia muito; em algumas ocasiões, sofria verdadeiros apagões, e não lembrava o que tinha feito na noite anterior.

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Barbara Valentin contou à autora Lesley-Ann Jones que chegou a encontrar Mercury nu na sacada de um apartamento cantando “We Are the Champions” para alguns pedreiros na rua e, depois, gritando: “Quem tiver o maior pau pode subir!”. Há relatos variados sobre como ele lidava com o risco de contrair Aids. Algumas pessoas achavam que esse era o motivo para ele nunca estar ansioso por uma turnê do Queen nos Estados Unidos depois de 1982.

Mas o apresentador de rádio Paul Gambaccini, da BBC, desmente essa ideia ao lembrar de uma conversa que teve com o músico em uma noite de 1984, na boate londrina Heaven, um dos primeiros redutos gays da Europa, que funciona até hoje. O radialista perguntou a ele se a Aids tinha mudado sua atitude sobre o sexo livre. A resposta foi: “Querido, minha atitude é ‘foda-se’. Faço tudo com todos”.

Mercury uma vez disse ao jornalista Rick Sky: “Por natureza, sou muito inquieto e agitado, uma pessoa de verdadeiros extremos, e isso é destrutivo para mim e para os outros”. Em um momento, ele claramente reconsiderou o modo como vivia. No final de 1985, fez um teste de Aids – o resultado foi negativo. Abandonou a cena noturna de Munique e se instalou em uma mansão em Kensington; a ex-namorada Mary Austin, agora atuando como secretária pessoal dele, tinha encontrado a casa em 1980. “Eu vivia para o sexo”, contaria ele mais tarde.

“Fui extremamente promíscuo, mas a doença mudou minha vida.” Em 1987, se submeteu a outro teste de HIV, mas parecia evitar saber o resultado. Depois de tentar contatá-lo várias vezes sem resposta, o consultório do médico responsável entrou em contato com Mary e falou sobre a urgência da notícia: ele tinha sido diagnosticado como HIV positivo. “Senti meu coração desabar”, ela revelou mais tarde. Mercury, no entanto, não contou imediatamente ao resto do Queen. “Sabíamos que algo estava acontecendo”, May chegou a afirmar. “Mas não se falava sobre o assunto.”

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Nessa época, Paul Prenter, ex-empresário pessoal de Mercury, já tinha contado a um jornal britânico sobre o primeiro exame de sangue e a imprensa pressionava a banda para comentar a respeito; Mercury insistia que era boato. Alguns amigos imaginavam que ele tinha desenvolvido um problema no fígado por beber demais, embora, em 1987, Barbara tivesse notado cicatrizes no rosto e nas mãos do cantor – possíveis sinais do sarcoma de Kaposi, comum em portadores da Aids antes do desenvolvimento de remédios mais avançados contra a doença.

Quando The Miracle, o 13º álbum do Queen, foi concluído no início de 1989, o vocalista queria começar logo outro LP. Esperava gravar o máximo que pudesse. Mas teria de dizer o motivo aos companheiros. “Ele convidou a todos nós para uma reunião na casa dele”, relembrou Taylor. Mercury contou a eles: “Vocês provavelmente percebem qual é o meu problema. Bom, é isso, e não quero que faça nenhuma diferença. Não quero que ninguém saiba. Não quero falar sobre isso. Só quero continuar trabalhando até morrer. Gostaria de ter o apoio de vocês”. May disse que ele, Taylor e Deacon ficaram devastados: “Saímos e fomos para algum canto passar mal. Foi a única conversa direta que tivemos sobre a doença”.

O conhecimento afetou o teor do novo álbum, Innuendo (1991). “Isso produziu uma união, uma proximidade”, disse Taylor. May afirmou que, na hora de compor, os músicos sabiam que iriam enfrentar o assunto final da história do grupo, mas os hábitos da banda dificultaram a comunicação sobre isso. “Não conversávamos sobre as letras”, falou o guitarrista em 2004 à revista Mojo. “Estávamos envergonhados demais para dialogar sobre elas.” Innuendo aborda a morte iminente de uma forma tão memorável e graciosa quanto qualquer obra poderia almejar fazer, e faz isso sem um instante sequer de autopiedade.

“Ele foi muito consciente perto do fim”, afirmou May. “Às vezes, Freddie não conseguia vocalizar [o que queria dizer] e nós, de certa forma... isso pode soar estranho, mas acho que Roger e eu falamos por ele ao compor algumas das letras. Porque ele estava quase além do ponto em que poderia colocar aquilo em palavras. Então, músicas como ‘The Show Must Go On’, no meu caso, ou ‘Days of Our Lives’, no caso do Roger, eram coisas que demos ao Freddie como uma forma de ele trabalhar aquilo conosco. E isso não foi falado. Éramos nós tentando encontrar o final antes de chegarmos lá.” Taylor acrescentou: “Estávamos determinados a ficar juntos até o fim”.

“Estranhamente, havia alegria”, continuava May. “Freddie tinha dores, mas dentro do estúdio havia uma espécie de proteção, e ele podia ser feliz e aproveitar o que mais gostava de fazer.” Às vezes, isso durava poucas horas por dia, porque o cantor ficava muito cansado. “Só que, durante aquelas horas, rapaz, ele dava muito de si. Quando não conseguia ficar em pé, costumava se apoiar em uma mesa e tomar vodca: ‘Vou cantar até sangrar’.”

Depois de Innuendo, o vocalista mais uma vez queria continuar a gravar – e concluir outro álbum, se possível. “Freddie disse: ‘Escreva coisas para mim, continue me dando palavras. Eu cantarei”, Brian May relembrou. O resultado foi lançado em Made in Heaven (1995). “Ele continuou porque gostava daquilo”, Mary contou há alguns anos. Jim Hutton, namorado de longa data do cantor que morou com ele até o fim, concordava: “Se não fosse pela música, ele não teria se mantido vivo”.

Em setembro de 1991, Mercury já havia gravado o máximo que podia e se aposentou em sua casa em Kensington. Continuou cauteloso com o que contava aos pais. Evita visitas – não queria que o vissem com o corpo degradado.

Parou de tomar remédios e teve crises de cegueira. Mesmo assim, insistia em negar que tinha a doença até a noite de 23 de novembro de 1991, quando emitiu um comunicado admitindo a condição: “Após uma enorme conjectura na imprensa, quero confirmar que fui diagnosticado como HIV positivo e tenho Aids. Sinto que era correto manter essa informação privada para proteger a privacidade dos que me cercam. Entretanto, chegou a hora de meus amigos e fãs em todo o mundo saberem a verdade, e espero que todos se juntem a mim, a meus médicos e a todos no mundo inteiro na luta contra essa terrível doença”. Segundo relatos, ele pareceu mais em paz depois disso.

No começo da noite seguinte, Peter Freestone, assistente do vocalista, e Hutton se preparavam para trocar os lençóis do cantor quando viram que ele não respirava mais. “Ele se foi”, disse Hutton. Freddie Mercury tinha 45 anos. Freestone ligou para Taylor, que estava a caminho para uma visita. O funeral aconteceu alguns dias depois, em uma cerimônia zoroastrista. Aretha Franklin cantou e a soprano Montserrat Caballé apresentou uma ária de Verdi. O corpo foi cremado e Mary Austin – a única pessoa em que o astro dizia realmente confiar e para quem deixou a mansão onde morava – colocou as cinzas em um local que nunca revelou.

Em abril de 1992, os três integrantes remanescentes do Queen fizeram um tributo ao vocalista no Estádio de Wembley e lançaram o Mercury Phoenix Trust, que continua arrecadando dinheiro para diversas organizações que lutam contra a Aids. Depois do show, a banda se desfez por 13 anos. Deacon se aposentou totalmente, exceto para as sessões que concluíram Made in Heaven, que incluiu gravações nas quais Mercury tinha trabalhado em seu último ano de vida.

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Todas eram músicas sobre o esplendor do amor e a despedida das coisas terrenas. “Nunca superei a morte dele”, Taylor disse mais tarde. “Nenhum de nós superou. Acho que pensávamos que podíamos digerir rapidamente, mas subestimamos o impacto da morte de Freddie em nossas vidas. Para nós que ficamos, é como se o Queen tivesse sido em uma vida passada”.

Algumas pessoas não gostavam de como Mercury viveu e morreu. Homofóbicos viam a deterioração dele como uma punição pela homossexualidade e promiscuidade. Outros, que atuavam no trabalho sobre a conscientização da doença, repreendiam-no por não reconhecer sua condição antes de estar perto do fim. E esses julgamentos seguirão Mercury, mas, se a música que ele fez for alguma indicação, havia um qualidade quase sacra em suas falhas.

Em diversas faixas ele cantou sobre mortalidade, desolação solitária e esperança, mas também implorou por algum santuário inatingível. Fez isso em “Save Me”, de The Game: “Não tenho uma determinação real/ Salve-me/ Não posso enfrentar esta vida sozinho”. Ele sentia que precisava ficar sozinho, como na infância. “Esta pode ser uma vida muito solitária”, afirmou, “mas eu a escolho”.

Em vez de um refúgio doméstico, buscou êxtase e inquietude durante boa parte da vida, e obviamente a escolha teve um custo. O hit “Don’t Stop Me Now” revelou o modo de ser do artista com uma simplicidade eufórica: “Sou um foguete a caminho de Marte/ Em uma rota de colisão/ Sou um satélite fora de controle/ Sou uma máquina de sexo pronta para recarregar”.

Em “Was it All Worth it”, enfrentou os excessos sem se poupar e descobriu a resposta: “Valeram a pena todos esses anos?/ Não importava se vencêssemos ou perdêssemos/ Vivíamos e respirávamos o rock/ Valeu a pena?/ Sim, foi uma experiência válida/ Valeu a pena”. Ele sabia que tinha pouco tempo de vida quando cantou essas palavras. Não havia espaço para falsas esperanças. “Meus erros são responsabilidade minha”, cantou.

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These Are the Days of Our Lives”, a música mais emblemática que Mercury cantou no final, foi composta para ele por Taylor. É uma faixa sobre o cantor aceitar tudo o que fez na vida e olhar para a morte com graça resoluta. O clipe traz os últimos momentos dele diante de uma câmera. É um homem prestes a morrer – estava dolorosamente magro, e quem estava presente nas filmagens disse que até o toque da roupa em sua pele lhe causava agonia.

No entanto, está totalmente presente nesses momentos – está ainda luminoso. Ele olha para o céu, de braços abertos, então fixa os olhos na lente da câmera enquanto diz o que lhe resta: “Aqueles foram os dias de nossas vidas – sim/ Havia pouquíssimas coisas ruins na vida/ Agora aqueles dias se foram, mas uma coisa ainda é verdadeira/ quando olho e percebo/ Que ainda te amo”. Nesses momentos, Mercury é tão resoluto quanto sempre foi: encontrou a sabedoria de um jeito árduo – talvez, do único jeito possível para ele. A morte o salvou.

O Queen veio ao Brasil com Freddie Mercury em duas ocasiões, e ajudou a mudar o showbusiness nacional. A primeira vez foi em março de 1981, quando tocou em São Paulo. A banda se apresentou em duas noites no Estádio do Morumbi (nos dias 20 e 21) e inaugurou a era dos megashows em nosso território.

Em plena forma e com a ajuda de som e iluminação de primeira, o grupo mostrou um repertório calcado no então recém-lançado The Game. Em janeiro de 1985, eles foram uma das atrações da primeira edição do Rock in Rio. Com a grandiosidade de sempre, o quarteto tocou nos dias 11 e 18 e, além dos hits, aproveitou para apresentar faixas do disco The Works.

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A carreira solo de Freddie Mercury começou em 1973, quando, com o pseudônimo Larry Lurex, ele lançou um obscuro single com as canções “I Can Hear Music” (The Ronettes) e “Goin’ Back” (Gerry Goffin e Carole King).

Em 1985, gravou o LP Mr. Bad Guy, muito criticado pelos fãs radicais do Queen, que não entenderam que, sem o resto do quarteto, ele não queria saber de rock. Em incursão solo, o interesse de Mercury era um tipo de música hedonista, dançante e debochada, como o hit “I Was Born to Love You”.

No ano seguinte, ele teve sucesso com o single “The Great Pretender”, regravação de um clássico do The Platters. Grande admirador de ópera, o vocalista do Queen realizou um sonho em 1988, quando gravou ao lado da soprano espanhola Montserrat Caballé o disco Barcelona, que teve como destaque “How Can I Go On”.


Texto originalmente publicado na edição 95 da Rolling Stone Brasil, em agosto de 2014.  

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