Milner reservou US$ 1 milhão em recompensas para a formulação de mensagens que possam ser enviadas para uma civilização recém-descoberta
Mark Adams Publicado em 13/06/2016, às 10h10 - Atualizado às 18h52
Se o primeiro trimestre de 2016 servir de parâmetro, este ano poderá se tornar o equivalente histórico a 1491 em termos de descobertas espaciais. O volume de notícias “cósmicas” até meados de fevereiro foi proporcional ao que se espera no período de um ano. A empresa de aeronáutica Blue Origin, do CEO da Amazon Jeff Bezos, deu um enorme salto em direção à nova Era dos Descobrimentos ao lançar e aterrissar um foguete que já havia feito uma viagem de ida e volta para a estratosfera – um momento revolucionário no setor privado de exploração espacial. Dois pesquisadores deram o pontapé inicial em uma frenética “caça ao planeta” ao demonstrar que um corpo celeste enorme e até agora indetectável pode estar à espreita nos limites do nosso sistema solar. O cosmólogo Stephen Hawking propôs que um progresso científico tão acelerado tem efeitos imprevisíveis, que, paradoxalmente, podem levar à extinção da vida na Terra dentro de cerca de mil anos. “Mas até lá já estaremos espalhados pelo espaço e por outras estrelas, então um desastre na Terra não significaria o fim da raça humana”, ele completa. Cientistas anunciaram ter detectado ondas gravitacionais, evidência de uma colisão entre dois buracos negros ocorrida há cerca de 1 bilhão de anos, que confirma o último e mais obscuro princípio da teoria da relatividade de Einstein, e abre uma janela que em breve poderá nos dar um vislumbre sobre a criação do Universo.
Análise - Arquivo X: a paranoia não é mais o que era antes
Enquanto isso, em uma área protegida nos Apalaches, onde celulares e wi-fi são proibidos para minimizar interferências de rádio, uma equipe de astrofísicos e programadores da Universidade da Califórnia-Berkeley (UC-Berkeley) estrearam uma nova forma de exploração interestelar no telescópio Robert C. Byrd, em Green Bank, West Virginia. O projeto de US$ 100 milhões e dez anos de duração, batizado de Breakthrough Listen, será “a mais meticulosa, abrangente e avançada busca por vida inteligente em outros planetas já conduzida”, afirma Andrew Siemion, diretor do centro de pesquisa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence, ou Busca por Inteligência Extraterrestre), de Berkeley. O objetivo é detectar qualquer evidência de tecnologia distante, tal como comunicação por rádio ou um pico concentrado de energia. Se tiver sucesso, o projeto Breakthrough Listen responderá à pergunta filosófica e existencial que atormenta a humanidade há milênios: estamos sozinhos no Universo?
A autodepreciação é um pré-requisito essencial para quem trabalha naquele que é o campo da pesquisa científica que mais sofre com frequentes associações a discos voadores e pedidos de “Leve-me ao seu líder”. “Em festas, sempre acabo participando de conversas sobre [a série de televisão] Alienígenas do Passado e as pirâmides”, conta Siemion, resignado. Ele tem 35 anos – é jovem para alguém desse campo do SETI, cujo último pico aconteceu na era entre o lançamento do livro Cosmos (1980), de Carl Sagan, e o fechamento de um projeto da Nasa que era como o próprio SETI, em 1993, por cortes orçamentários. Não fosse por sua cabeça raspada, Siemion poderia se passar por um universitário do campus vizinho, ao chegar para o almoço em um restaurante rústico típico de Berkeley usando um agasalho de zíper e levando uma mochila jogada no ombro.
Dados estatísticos, e a Lei dos Grandes Números em especial: é isso que separa a busca por vida extraterrestre e as teorias de conspiração de séries fictícias como Arquivo X. Os cientistas agora estimam que a Via Láctea tenha pelo menos 200 bilhões de estrelas, e que o Universo tenha até 100 bilhões de galáxias. Até 50 bilhões dos planetas da nossa galáxia podem estar numa área chamada por astrofísicos de “Zona Cachinhos Dourados”, uma região cuja temperatura não é quente demais ou gelada demais para abrigar vida, o que a torna potencialmente habitável. No ano passado, astrônomos encontraram evidências de água salobra em Marte e localizaram um exoplaneta bem afastado – batizado de Kepler 452b – tão parecido com a Terra que os dois planetas poderiam ser primos. Em abril, foi anunciada a descoberta de três outros planetas habitáveis há 40 anos-luz da Terra, segundo cientistas da Bélgica. “As estimativas mais recentes estabelecem que aproximadamente uma em cada dez estrelas tem um planeta no qual poderia haver vida como a nossa”, afirma Seth Shostak, astrônomo sênior e diretor do Instituto SETI, que não tem fins lucrativos. “Mesmo que somente um em 1 milhão de planetas seja ideal para desenvolver vida inteligente, existe 1 trilhão de planetas na galáxia. Isso significaria 1 milhão de mundos com vida inteligente.”
Yuri Milner, um empresário russo de fala mansa cujo nome é uma homenagem a Yuri Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo espaço, financia o Breakthrough Listen. Como muitos fãs do projeto SETI, Milner leu A Vida Inteligente no Universo, de Carl Sagan, quando criança. Após conquistar um Ph.D. em física, ele fez sua fortuna investindo em empresas como o Facebook. Agora, aos 54 anos, e como muitos homens ricos na meia-idade, ele está pensando sobre qual será o seu legado. Em conjunto com outros empresários como Mark Zuckerberg e Sergey Brin, ele fundou o Breakthrough Prize, que dá como prêmio quantias na casa dos milhões a cientistas e matemáticos. O Breakthrough Listen é uma missão para alcançar o que Milner descreveu como “um evento de baixa probabilidade, porém de alto impacto”. O unicórnio do mundo da ciência.
“A resposta é interessante de qualquer jeito”, afirma Dan Werthimer, que na posição de cientista-chefe do SETI em Berkeley complementa a confiança jovial de Siemion com um otimismo inabalado por 40 anos infrutíferos de busca por alienígenas. “Se encontrarmos um E.T., significa que o Universo está repleto de vida”, afirma Werthimer, “mas, se estivermos sozinhos, é bom tomarmos conta da preciosa vida deste planeta”.
A nova corrida espacial está sendo liderada em grande parte por bilionários como Yuri Milner, que cresceram observando as estrelas antes de conquistarem suas fortunas tecnológicas na Terra. Viagens sustentáveis para a estratosfera e além, que há apenas uma geração foram o sonho fracassado do programa Ônibus Espacial, que custou US$200 bilhões, são agora uma realidade graças à acirrada competição entre empresas como a Blue Origin e a SpaceX, de Elon Musk (a SpaceX, que constrói foguetes muito mais potentes do que os de sua concorrente, conseguiu aterrissar um veículo reutilizável em dezembro). A Virgin Galactic, de Richard Branson, e sua rival menos espalhafatosa, a XCOR, já aceitam reservas para seus primeiros voos turísticos suborbitais. Paul Allen, o cofundador da Microsoft – que antes de Milner era o mais conhecido benfeitor do SETI –, espera construir o maior avião do mundo, uma nave-mãe projetada para lançar foguetes a 9 mil metros de altura.
O destino dos sonhos de qualquer nerd espacial é, certamente, Marte. A Nasa espera já ter uma equipe lá na década de 2030. Elon Musk, um obcecado assumido por Marte, cuja empresa SpaceX fez várias parcerias com a Nasa, prometeu não disponibilizar serviços de sua companhia ao público antes de aterrissar uma espaçonave no Planeta Vermelho. O polêmico projeto Mars One, sediado na Holanda, alegou que mais de 200 mil pessoas já se candidataram para sua viagem só de ida, e de estadia permanente, com desembarque previsto para o ano de 2027.
“Os órgãos governamentais tendem a não se envolver em empreitadas abstratas, e compromissos espaciais a longo prazo são caros”, diz Pete Worden, ex-diretor do Centro de Pesquisa Ames da Nasa. Ele anunciou sua saída da Nasa em fevereiro ao declarar que queria “correr atrás de alguns sonhos antigos no setor privado”. Pouco tempo depois, Yuri Milner o nomeou diretor da Fundação Breakthrough Prize, que supervisiona o Breakthrough Listen. Worden veste uma velha camiseta azul da Nasa enquanto chacoalha o gelo dentro de um copo plástico no restaurante Tee Minus One Bar & Grill, na base aérea de Moffet, próxima a Mountain View, na Califórnia. Ele explica por que acredita que aqueles que trabalham com capital de risco serão os futuros líderes em exploração espacial. “As pessoas sempre perguntam por que o Vale do Silício é diferente. A melhor resposta que eu ouvi diz que lá é um lugar onde o fracasso não é um problema. Ele não só é bem visto, como é esperado.”
Worden foi professor de astronomia e general da Força Aérea norte-americana. Ele diz haver dois lados da questão sobre a vida no Universo: um acadêmico e outro estratégico. Em primeiro lugar, o que há lá fora? “O que é vida, qual a sua origem, onde mais ela está e qual o seu futuro? Qual é a origem e a estrutura do Universo? Como ele começou? Essas são as perguntas fundamentais desde o início da Revolução Científica, há cerca de 500, 600 anos.”
O lado menos filosófico da questão é quando os terráqueos vão lançar sua ofensiva ao espaço. “Se vai acontecer em 2030 ou 2050 ou 2080 eu não sei, mas este será o século no qual a humanidade avançará pela galáxia”, continua Worden. A estimativa mais recente da Nasa é que uma viagem para Marte poderá levar até um ano, e necessitará de várias vezes a quantidade de comida, água e combustível utilizada nas viagens de três dias para a Lua. Há 25 anos o custo estimado de uma missão para Marte era de US$ 400 bilhões, porém, se a carga for reduzida drasticamente, o custo também diminuirá.
Mas Worden aponta para uma tecnologia que promete carregar a humanidade até as estrelas: a inteligência artificial. “Você enviaria alguma espécie de essência de si mesmo, como um avatar. Seria como colonizar territórios para além do sistema solar usando máquinas”, define. Outro cenário popular entre futuristas imagina a criação de sondas de Von Neumann – máquinas autorreplicantes que visitariam planetas distantes, localizariam os ingredientes necessários para fabricar cópias mais avançadas de si mesmas e repetiriam o processo ao avançar para os pontos mais distantes do espaço sideral. Worden também identifica potencial na biologia sintética, que transformaria matérias-primas de mundos distantes em necessidades físicas, como comida e abrigo. “Aí tudo o que seria preciso transmitir seria informação. E informação viaja à velocidade da luz”, conclui.
Assim como viagens como a descrita acima, o trabalho do SETI até agora tem sido principalmente especulativo – a única certeza é que ninguém encontrou provas concretas da existência de vida extraterrestre. Como o Universo em si, a lista de possíveis empecilhos é infinita. Partindo do princípio da existência de civilizações distantes, elas podem ter começado muito à nossa frente, e nesse caso uma missão interestelar pode ter passado despercebida pelos neandertais. Um E.T. pode já ter passado por aqui, nos observado sob uma Primeira Diretriz como a da equipe da Enterprise, de Star Trek, sem poder interferir. Edward Snowden sugeriu que alienígenas poderiam até fazer uso de técnicas avançadas de criptografia que disfarçariam seus sinais, fazendo-os indistinguíveis para nós. Elon Musk vê um possível lado negro nesse silêncio cósmico, e reitera a advertência de Stephen Hawking. “Se considerarmos o nosso nível tecnológico, alguma coisa estranha deve acontecer com as civilizações, e eu digo estranha no sentido ruim”, Musk declarou em uma entrevista recente à revista Aeon. Pode haver uma razão perturbadora pela qual nenhum extraterrestre tenha nos contatado nos 13,8 bilhões de anos desde o Big Bang: os avanços tecnológicos que permitirão a exploração da galáxia pelos seres humanos, como a inteligência autorreplicante, poderão vir a ser os gênios que se viram contra seus mestres. “Pode ser que existam muitas civilizações de um planeta só, já extintas”, completa Musk.
Worden tem uma explicação mais otimista: “A resposta mais provável é que não procuramos o bastante”.
O investimento de Milner no Breakthrough Listen será empregado em três frentes: o aluguel de radiotelescópios para observação em West Virginia e na Austrália, assim como do telescópio ótico do Observatório Lick da Universidade da Califórnia; a contratação de jovens cientistas que até recentemente se afastavam do projeto SETI, pois a falta de financiamento indicava suicídio profissional; e, talvez a mais importante, a construção de novas tecnologias para processar o tsunami de dados inéditos que inundarão o projeto.
Essa responsabilidade cairá sobre os ombros de Dan Werthimer, em Berkeley. Aos 61 anos, ele é o tipo de acadêmico que calouros deslumbrados esperam encontrar, mas raramente encontram: de barba benfeita, entusiasmo contagiante, respeitado em sua área e talentoso em explicar ideias complicadas, ele estampa sua “nerdice” com orgulho, vestindo por debaixo da manga um relógio cujos ponteiros são mãos que fazem o sinal de vida longa e próspera enquanto orbitam o rosto de Spock. Seu papel como cientista-chefe no mundo do SETI, se transportado para o universo de James Bond, seria quase igual a uma parte M e três partes Q. “Eu tento descobrir algum problema interessante na astronomia que eu poderia resolver construindo alguma engenhoca, porque o que eu sei fazer é construir engenhocas”, define Werthimer. A oficina da equipe dele no Campbell Hall, o prédio de astronomia da Universidade de Berkeley, parece uma assistência técnica de home theaters de ponta, onde prateleiras de madeira estão repletas de placas de memória e de outros componentes eletrônicos.
Há anos Werthimer lidera o projeto SETI@home, uma rede peer-to-peer originada na época do Napster. Dados observacionais brutos recolhidos em segundo plano durante as observações de outros astrônomos são enviados para os computadores pessoais de milhões de voluntários, nos quais são processados enquanto as máquinas estão em modo de repouso, e então transmitidos para Berkeley. A desvantagem de pegar carona na pesquisa de outros cientistas é que Werthimer e sua equipe raramente têm controle sobre a decisão de para onde apontar o telescópio. O Breakthrough Listen os colocará no volante, com dinheiro para dez anos de combustível.
Quando Cristóvão Colombo embarcou a caminho da Índia em 1492, ele levou consigo um intérprete cujas habilidades não serviram para traduzir o que diziam os nativos Taínos que a caravana encontrou ao aportar no Caribe. Os cientistas do Breakthrough Listen gostam de se comparar à expedição de Colombo, porém almejam estar melhor preparados. Em conjunto com o Breakthrough Listen, Yuri Milner reservou US$ 1 milhão em recompensas para a formulação de mensagens que possam ser enviadas para uma civilização recém-descoberta.
Douglas Vakoch, um psicólogo clínico que preside o METI (Messaging for Extraterrestrial Intelligence), afirma que em condições ideais qualquer sinal recebido pela Terra conteria informações comuns a todas as civilizações, como a matemática simples (uma sequência de números primos é o Velo de Ouro das transmissões do que parte da mensagem quer dizer”.
E até mesmo esse entendimento raso é um tiro no escuro. Logo antes de anunciar o projeto entre os nomes proeminentes da astrofísica – inclusive Stephen Hawking – em Londres, no meio do ano passado, Milner conduziu uma pesquisa com sua equipe. A estimativa deles foi a de que o Breakthrough Listen tem 1% de chance de sucesso. Enfrentando tais probabilidades, não faria mais sentido esperar até que os seres humanos tenham construído telescópios em Marte e estejam enviando sondas ciborgues para as profundezas da Via Láctea? “Você poderia ter dito ao Cristóvão Colombo: ‘Provavelmente você vai chegar à Índia, é só esperar 500 anos pela chegada dos aviões’”, rebate Werthimer, enquanto mexe no seu relógio de Star Trek. “Nós nunca vamos responder a essas perguntas na ponta do lápis. A única maneira de encontrar é sair procurando.”
COMUNICAÇÃO PERDIDA
Cientistas cogitam a possibilidade de encontrar mensagens enviadas sem destino certo pelo espaço
Há cerca de 60 anos os cientistas perceberam que, uma vez que as leis da física pareciam aplicar-se a todo o Universo, as diferentes concentrações de radiação eletromagnética que os seres humanos descobriram ser excelentes meios de comunicação (tais como as ondas utilizadas para a transmissão de rádio AM/FM) também serviriam para enviar mensagens por toda a galáxia. Qualquer vida inteligente aprenderia, em tese, a tirar proveito das muitas aplicações dessas radiações. Poderosos radiotelescópios talvez sejam capazes de captar o que os cientistas chamam de “vazamentos”, nos quais sinais de algum artefato tecnológico de alguma civilização distante possam ter escapado para o espaço sideral. “O planeta Terra emite esses sinais de rádio omnidirecionais por acidente”, afirma Werthimer. “A esta altura, a série I Love Lucy já passou por milhares de estrelas.” Uma possibilidade mais tentadora é a de que alguma entidade longínqua tenha enviado um sinal proposital com o intuito de iniciar um contato com a Terra. “Nós temos oxigênio [respirável] na nossa atmosfera há 500 milhões de anos, talvez eles já tenham percebido isso e presumido que possa haver vida neste planeta”, continua Werthimer. Alguns cientistas do SETI acreditam que o mais próximo que qualquer pesquisador já chegou de alguma transmissão como essa foi um potente sinal de 72 segundos, detectado no observatório da Universidade Ohio State em 1977, que aparentava ter origem na constelação de Sagitário. Apesar de inúmeras tentativas, ninguém teve sucesso em observá-lo novamente. Uma “solicitação de amizade” intergaláctica emitida através do Cosmos pode ainda estar por aí, esperando para ser aceita. - M.A.
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