Da briga Galerito vs Gil da Esfirra a letras mais vulneráveis: o caminho do Protomartyr até o novo disco

Joe Casey, vocalista da banda de pós-punk, contou como um momento icônico da TV brasileiro se tornou inspiração para um clipe

Igor Brunaldi

Publicado em 17/07/2020, às 07h00
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- Protomartyr (Foto: Trevor Naud)

No comecinho de abril, quando o Brasil não tinha completado nem um mês de quarentena, conversei com Joe Casey, vocalista da banda norte-americana Protomartyr. E agora, na metade de julho e já tendo passado ¼ de 2020 sem sair de casa, uma coisa me chama atenção nessa entrevista: como falamos pouco do isolamento social e da pandemia do coronavírus.

A Covid-19 se mantém um tópico urgente e no topo da lista dos temas mais abordados diariamente, mas quando falei com Casey, nossa inocência e ignorância em relação ao que o futuro preparava para o mundo fez com que nosso papo girasse em torno de memes, crooning e o lançamento do disco Ultimate Success Today, que chegou hoje às plataformas de streaming.

Alguns dias antes da conversa, a banda de pós-punk de Detroit tinha surpreendido o Brasil inteiro com o lançamento do clipe de "Processed By The Boys", no qual - pasmemrecriaram a icônica e infame briga entre o fantoche Galerito e o Gil da Esfirra, que teve como palco o programa de auditório Canal Livre, transmitido pela Band.

Então não podia perder a oportunidade de perguntar ao vocalista sobre a trajetória que o fez chegar nessa pérola da televisão nacional. E a resposta? Nada mais que um daqueles clássicos momentos no qual a gente se perde em um limbo de vídeos do YouTube.

Esse achado, que aconteceu em 2019, coincidiu com o momento em que o Protomartyr buscava ideias para um novo clipe. Segundo Casey, os integrantes passaram por vários temas, como por exemplo "vampiros sexy" e "imagens em preto e branco de pessoas passando fome", até decidirem que queriam algo mais leve.

"A gente foi de um cara lutando contra um fantoche a aprender muito sobre um país", contou. Apesar dessa enorme referência, ele disse que o objetivo não era chamar a atenção do Brasil, mesmo porque "se você fala algo como 'minha mãe morreu', alguém vai comentar 'Vem para o Brasil'".

Com uma discografia composta por No Passion All Technique (2012), Under Color of Official Right (2014), The Agent Intellect (2015) e Relatives In Descent (2017), ele explicou que Ultimate Success Today apresenta um lado inédito dele como letrista, diferente daquilo que havia demonstrado nos quatro discos anteriores.

Ele garantiu que os fãs vão se surpreender com "a transparência das letras. Antes eu tentava me esconder atrás de referências".

"Não sabemos quantos álbuns mais vamos fazer, então eu queria ter nesse novo o sentimento de urgência, como mostramos no primeiro", acrescentou.

Se você procurar na Wikipédia ou em qualquer plataforma de streaming, o som do Protomartyr vai estar lá classificado naquela intersecção do amplo nicho do rock onde se encontra o pós-punk, o art rock e o noise. 

A bateria marcada por tempos complexo serve de espinha dorsal para o baixo que preenche a possibilidade de um silêncio tranquilizante e a guitarra agressiva que intercala entre solos esgoelados e sequências de riffs que acolhem o ouvinte antes de arremessá-lo novamente ao vórtex da loucura. Mas não para por aí. Por cima de tudo isso tem ainda a voz de Casey.

Como se não fosse o suficiente a insanidade sonora que parece muitas vezes ignorar qualquer possibilidade de uso de um metrônomo, o vocalista entra em cena sem compromisso algum de acompanhar qualquer elemento do instrumental, a não ser a atmosfera da composição como um todo.

Adepto da técnica chamada crooning, nascida do jazz e imortalizada anos depois por ninguém menos que Nick Cave, a presença de Casey em uma faixa nunca passa despercebida.

Seja pelo tempo, pela dicção embriagada ou pelos surtos teatrais das cordas vocais que às vezes explodem sem aviso, o cantor sempre encontra uma forma de ser ouvido.

Sobre o processo de composição, ele contou que o instrumental "sempre vem primeiro. Preciso me inspirar no som criado", pelos outros integrantes Greg Ahee (guitarra), Alex Leonard (bateria) e Scott Davidson (baixo).

Segundo ele, a busca e o êxito em conseguir deixar a participação destacada nas músicas é resultado da necessidade "de me manter no topo da canção e evitar que eu seja expulso da banda".

Quando, por fim, chegamos ao tópico da quarentena, sem fazer ideia das proporções do que estava por vir, questionei Casey sobre a possibilidade do Protomartyr fazer uma live e se a banda, assim como muitos artista fizeram, considerava adiar o lançamento do novo disco, por não ser o "momento certo".

A resposta para ambas as perguntas foi negativa."Todo mundo vai cansar de lives daqui um mês", falou sobre o auge das apresentações virtuais.

E apesar de, naquela época, não achar que o disco devesse ser adiado, afirmou que "um disco de pós-punk é a menor das preocupações do mundo nesse momento. Até das minhas."

O álbum, no fim das contas, adiado. Exatamente para o dia de hoje. E apesar de ainda ser a menor das preocupações do mundo (possivelmente até entre as dos integrantes do quarteto), Ultimate Success Today serve justamente como uma fuga da realidade desgastante.

TAGS: música, entrevista, rock, art rock, protomartyr, Joe Casey, pós punk, noise rock