Pedro Antunes Publicado em 18/10/2013, às 11h07 - Atualizado às 11h21
Heitor Dhalia não conseguia prever que Serra Pelada, o mais novo filme dele, se tornaria uma espécie de faroeste tropical. Mas se viu impulsionado a seguir o rumo que o roteiro tomava conforme a pesquisa se embrenhava pelo cotidiano dos quase 100 mil garimpeiros que ocupavam a Serra Pelada, no Pará, o maior garimpo a céu aberto do mundo, nos anos 80. “O filme foi amadurecendo”, diz o pernambucano, também responsável pelo roteiro.
Cinco anos separam esta tarde de fim de agosto – quando o longa Serra Pelada passa pelos últimos ajustes, como acerto de cores e de som – do momento em que Dhalia teve a ideia do projeto. Nesse período, ele lançou dois trabalhos, À Deriva e o hollywoodiano 12 Horas, mas a fixação pela trama dos garimperos se manteve. E Serra Pelada chega às telas em outubro. “Quando escrevemos o primeiro roteiro, não havia pesquisa”, ele diz, ao telefone, durante um raro período distante das cabines de pós-produção. “Conforme avançamos na história, descobrimos que se tratava de algo muito pior do que havíamos imaginado. Era um ambiente muito mais violento e selvagem. Fomos entendendo que essa era a vocação do filme: a terra sem lei, naquele lugar tão distante.”
Dhalia ressalta que em Serra Pelada, a lei era ditada por aquele que fosse mais rápido com o revólver em mãos. “Morriam de 10 a 15 pessoas ali por noite”, ele conta. A busca pelo ouro e a viagem ao desconhecido dialogam diretamente com a conquista do Velho Oeste norte-americano. Não há índios na história brasileira, apenas homens e ganância. Mas Serra Pelada não se resume a pepitas douradas, balas e o sol escaldante do interior do Pará. A trama segue a jornada de dois amigos de infância, Juliano e Joaquim, interpretados por Juliano Cazarré e Júlio Andrade, respectivamente.
O primeiro é grandalhão, bom de bola e de briga; o segundo, um professor desempregado esperto com números. Cada um decidiu ir para Serra Pelada com um objetivo. E a trama mostra como dois homens, próximos, podem caminhar para sentidos tão opostos. O ouro é apenas a fagulha necessária para mandar tudo pelos ares. “Queríamos mostrar como personalidades distintas reagem de maneiras diferentes a um mesmo estímulo”, recorda Dhalia. “É o princípio da dramaturgia. Cada um reage ao mundo de forma diferente.”
O mundo, no caso dos dois personagens, é um enorme buraco no chão, no qual homens se espremem entre lama e caos para encontrar o sonhado ouro. Serra Pelada é um conto de ambição, amizade e insanidade narrado por Joaquim, mas protagonizado pelo anti-herói Juliano. A princípio, os personagens seriam vividos por Daniel Oliveira (Joaquim) e Wagner Moura (Juliano), também produtor do filme. Em junho de 2012, duas semanas antes de as filmagens terem início, a Companhia Vale do Rio Doce, dona do terreno onde seria rodada a produção, decidiu que não cederia mais o espaço. Tudo precisou ser adiado e os planos mudaram. Moura e Oliveira não encontraram mais espaços nas agendas, mas foram eles mesmos que indicaram Cazarré e Andrade.
Também produtor do projeto, Wagner Moura conseguiu se manter na frente das câmeras ao dar vida a um surreal e insano vilão chamado Lindo Rico. De tão impressionante, é difícil não torcer a favor dele, mesmo com a imprevisibilidade louca. “O Wagner fez a careca do personagem por conta dele”, diz o diretor, sobre o visual de Lindo Rico, que chamou a atenção já no pôster: com a testa alongada até o topo da cabeça, óculos e um bigode fino. “Ele é um virtuoso, né?”, derrete-se Dhalia, que também elogia a dupla de protagonistas. “Personagem tem dono. Pode demorar a chegar, mas o dono aparece. É essa a magia do cinema, né? Desses acasos que fazem você ir para um lugar que não esperava. E, de repente, não consegue imaginar mais de outra forma que não aquela.” Assim como o próprio filme, que partiu de um contexto histórico – “de um Brasil que está deixando de existir”, segundo o diretor – e ganhou nova forma. “É um lugar sem lei, movido pela loucura, ambição, delírio. Tem esse diálogo com faroeste, com filme de máfia, mas de um jeito amazônico.”
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