- Nino Muñoz
RS 15 ANOS

Gisele Bündchen no topo do mundo [Arquivo RS]

No aniversário da brasileira mais famosa do mundo, relembre os bastidores da primeira capa da RS Brasil

Ademir Correa Publicado em 20/07/2021, às 16h00

Para celebrar os 15 anos da Rolling Stone no Brasil, continuamos recuperando as melhores reportagens publicadas na revista desde 2006. Esta terça-feira, 20 de julho, marca o aniversário de 41 anos de Gisele Bündchen, então não há melhor momento para relembrar a histórica primeira edição brasileira da revista, que trouxe a icônica modelo na capa.

O texto a seguir, escrito pelo então editor Ademir Correa (atual diretor editorial da Editora Perfil, que publica a RS Brasil), relata toda a empreitada em torno da reportagem principal de nossa edição inaugural, lançada em outubro de 2006. Gisele já havia sido capa da RS EUA em 2000, então a tarefa não era exatamente uma novidade para ela. Mas para a jovem equipe da revista, aquele momento representava o início de uma jornada profissional inesquecível, repleta de desafios, surpresas e realizações editoriais. Vale dizer que é a primeira vez que este relato na íntegra é publicado neste site, assim como as imagens do fotógrafo Nino Munoz, que ilustram a entrevista.
–Pablo Miyazawa
, ex-editor-chefe da RS Brasil 



Gisele Inflamável

Ou “os dias que antecederam as fotos de nossa garota de capa,” a maior estrela pop do Brasil

“Achamos bacana a ideia de a Gisele estar na capa da primeira edição da revista Rolling Stone Brasil. Qual é o prazo de vocês? Isso teria de ser feito aqui ou pode ser fotografado lá fora? Amanhã estarei o dia inteiro em reuniões, mas te ligo assim que tiver uma folga para conversarmos, ok? Se você já puder antecipar algo isso seria muito bom”, atenciosamente, Patrícia Bündchen. Começaram os preparativos que contam a história do subtítulo deste artigo. E para que a compreensão da complexidade do feito fique mais clara, faz-se necessário um parágrafo-flashback.

Há poucos meses, estive com as gêmeas Bündchen no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, para 15 cronometrados minutos com a mulher mais bonita do mundo. Por volta do tempo onze dessa conversa, tenho uma visão: Gisele Bündchen está me olhando no olho (confesso certo rubor por ter me dado tamanha importância), gesticulando à italiana e falando sem parar de assuntos – como meio ambiente, responsabilidade social, política, gravidez precoce – sobre os quais ela não está acostumada a conversar (pelo simples fato de que subjects como esses nunca tinham sido perguntados. O que foi confirmado na época). Ao final do diálogo, que se estendeu por exatos 23 minutos (vitória de jornalista), recebo um cartão de Patrícia B., que cuida da imagem da irmã. No papel, um telefone e um e-mail.

Com esse trunfo de boa primeira vez, sou recrutado para fazer a proposta: Gisele abrindo a Rolling Stone Brasil. Minha função imediata: mandar convite explicativo-entusiasta, ligar para confirmar o recebimento da mensagem e aguardar resolução. A resposta desse correio virtual, escrito coletivamente, mas endereçado particularmente, resulta na capa e nas fotos que acompanham este texto. Depois do sinal verde, entramos em recesso, longo. O telefone da redação fica em uso interrupto e toda a equipe está envolvida, direta ou indiretamente, na empreitada. A capa será mesmo essa. Parece ambiciosa, mas é Rolling Stone.

Precisamos contratar o staff de profissionais, nacionais e importados, responsável por tudo o que acontece num estúdio, entre, durante e depois de cada revelação. A sessão vai acontecer em Nova York daqui alguns dias e a diferença de fuso e mercado é mais uma barreira que vencemos, bilíngues, profissionais de um país de Terceiro Mundo solicitando entregas e orçamentos do Primeiro. Os Estados Unidos são realmente a nação dos assistentes e dos agentes. Não existe nenhum free lancer que não tenha os seus (quem “assiste” executa o processo anterior ao trabalho do chefe e quem “agencia” defende o pupilo e o tira dos infortúnios) e todos locam um carro para dirigir-se ao mesmo lugar, na mesma hora, com o mesmo propósito (boa razão para engarrafamentos-monstros). “Fecho os custos?”, pergunta Márcia Costa, do staff nova-iorquino da RS Brasil.

—“Claro.”
—“Como foi a reunião?”
—“Tudo certo.”
—“Cartão de crédito, please?”

Checamos as milhas e os documentos necessários para embarque; é indispensável que alguém acompanhe a sessão que definirá nosso debut nas bancas. As negociações prosseguem em pontes aéreas telefônicas entre São Paulo (onde estamos), Porto Alegre (o escritório de Patrícia B.), Nova York (para passar as coordenadas às produtoras locais), Canadá (o fotógrafo estava clicando por lá.) Até então sabemos apenas que Gi (atrevido!) anda pelo México, mas ela já foi informada de que precisamos conversar sobre vida e fotos.



Cada minúsculo detalhe é importante quando se trata de alguém reconhecida por superlativos como maior, melhor, super, hiper, uber. A sensação de entrar no mundo fabuloso de Gisele não assusta porque a simpatia da maior popstar daqui vem antes de seus títulos. “Acho que todos somos especiais. Nunca me senti nem mais nem menos que ninguém. Não me colocaria rótulo nenhum”, ela sentencia.

A ideia da foto sai de um brainstorm coletivo: “Gisele Rocks”. Propomos a ela encarnar o espírito roqueiro com todas as implicações que esse estado de ânimo pode oferecer – atitude, ousadia, sacanagem, delírio. Com o fotógrafo, chegamos ao consenso de que o ensaio deve ter um movimento. Ele sugere microfone e uma guitarra para criar clima. E ainda dispara, defendendo sua argumentação: “SHE LOVES IT!” Estamos no caminho. Mas precisamos de pele, beleza, calor. Brasil, ora…

O telefone toca apressado. Do outro lado, Márcia, que diz:
—“Eles pensaram em um sofá!!!”
—“Para fotografar? Ela vai estar sentada nele? Ou é composição do ambiente?”
—“Isso não ficou claro ainda.”
—“Não podemos ter ela sentada na capa. Precisamos de espaços em branco, ou em qualquer outra cor, para as chamadas da revista.”
—“Resolvo isso e ligo aí”, finaliza M.

Quando foi inventada a máxima: “Não me apresente problemas, apenas soluções”, o chavão virou uma frase profissional. Chegou, então, a hora de fazer aquela ligação que vai tirar o “sentável” da sala e pôr o fundo na foto limpa. Em inglês, óbvio, telefono para a empresa que aluga e vende objetos de cena e digo que não posso ter uma poltrona “dois ou três lugares”. Mas tudo ficaria bem mais claro com essa sentença: “Vou ter de comprar esse sofá (por esse preço). Como vocês vão me mandar o móvel, de navio, num contêiner?” Caso encerrado com bastante polidez – se eu tivesse dito realmente isso. Acabamos demitindo a mobília no jeitinho nacional, trocada pelos instrumentos musicais de que precisávamos.


Acho que todos somos especiais. Nunca me senti nem mais nem menos que ninguém. Não me colocaria rótulo nenhum", Gisele sentencia.


O editorial vai acontecer num domingo, período em que os norte-americanos trabalham por bem mais tostões do que os já cobrados. “Precisamos definir o horário conjuntamente, mas já posso antecipar que o tempo é reduzido”, explica Patrícia.

—“Você sabe me informar onde é o estúdio?”
—“Chama Milk, já está alugado.”

E por falar em leite, ainda é necessário acertar detalhes gastronômicos: duas refeições para equipe, que envolve mais de 15 pessoas, e Gisele, a convidada especial da mesa. “O almoço dela pode ser salada verde orgânica e um peixe ou frango”, pede Patrícia. No Google, uma foto recente da diva devorando um creme de gelo (tradução: sorvete) em pelo verão nova-iorquino. Salada verde e peixe ou frango para 15, então.

—“Quantos cafés?”

Durante a construção da imagem, nossa protagonista aparece em campanha em prol de vítimas de aids na África. Está preocupada e continua sua marcha de beneficências (já conversamos sobre isso anteriormente, mas terei de tocar novamente na tecla. É coerente entender essa atitude-modelo). “Vivo viajando pelo mundo e percebo tudo o que acontece ao meu redor. Muitas coisas que vejo me sensibilizam. Pessoas que têm visibilidade devem chamar a atenção para problemas que precisam ser encarados de frente”, manifesta-se.

—“O que deixa você triste hoje?”
—“Violência e falta de solidariedade.”

Partindo dela, o pedido de engajamento torna-se ordem direta. Por que um ícone máximo resolve arregaçar as mangas da moda a fim de defender causas pelas quais nem levantamos da cadeira para lutar? “É preocupante ver que problemas antigos como as guerras, a discriminação, as doenças, a fome e a degradação do meio ambiente ainda sejam tão presentes”, indigna-se a lutadora. Além de tudo o que já faz, é ou representa, virou imediatamente uma mulher-maravilha. Um bom exemplo.

—“Como consegue tempo para cuidar da sua carreira e ainda se dedicar às campanhas sociais? Sua vida deve ser bem corrida, não?”
—“Minha agenda é rock n’ roll.” (Bingo)
—“Mas como é seu dia normal, Gisele?”
—“Se estou em casa (NYC), meu dia perfeito seria acordar às sete, passear com meus cachorros, fazer ioga e meditar por uma hora. Cozinhar um ovo com queijo de cabra… No verão, adoro andar de bicicleta. No inverno, fico em frente à lareira lendo um livro ou vendo um filme e comendo pipoca. E para fechar com chave de ouro – uma massagem e um banho de banheira. Daí fico 100%.”



Voltando aos momentos que antecederam o dia em que ela foi enquadrada em nossas lentes… Tudo tem de ser previamente bem mais agendado do que em um dia útil, porque fim de semana é igual em qualquer lugar. As confirmações para fornecedores norte-americanos foram enviadas por fax (obsoletos?). Estamos adiantados. Na cabeça, planos A, B e C, imprevistos acontecem. Do nada, nossa “número um” assume um segredo: “Consigo tomar chimarrão até em Nova York”. Será que ela importa a erva (mate)? Em São Paulo achar essa iguaria não é tão simples assim. Algumas hipóteses: mercados brasileiros radicados na Grande Maçã, remessas pelo correio ou encomendas levadas pessoalmente pela família.

Malas dirigem-se ao setor de check-in. Falta pouco tempo para o voo. Chegaremos antes para retoques finais num plano que parece infalível. Ainda temos uma noite de consumo e uma volta pela cidade em busca de outdoors que estampem Gisele na proporção que ela merece ter: gigante. A musa dispara – “Fico um pouco envergonhada e tento passar rápido para ninguém me reconhecer” – sempre que se vê em tamanho extralarge superexposto. “Ela vai sozinha para o estúdio. Vocês não precisam buscá-la, ok?”, combina Patrícia.

Welcome to New York. Central Park. Times Square. Virgin. Greenwich Village. Ex-Torres Gêmeas. Soho. Madonna. Cachorro-quente “pão-salsicha-molho”. No dia G, a equipe começa a chegar ao Estúdio 4 do Complexo Milk. O relógio marca 9h30 (10h30, horário de Brasília). “A Gisele solicitou que iniciássemos às 11 horas. Tudo bem?”, pergunta sua gêmea. “Claro”, respondemos. Maquiador e cabeleireiro a postos (deve ser difícil lapidar o belo); produtora que correm aqui e ali para estender o tapete vermelho à nossa garota da capa; o café da manhã está servido; o fotógrafo conversa com os assistentes e o bureau digital está montado para descarregar os retratos que vão imortalizar o espírito Rolling Stone de ser. A equipe de estilo começa a preparar os looks que devem ser usados. Repetimos nosso mantra: “Precisamos de pele, beleza, calor. Brasil, ora…” A correria vira rock. Gisele é música. O último show em que esteve foi do Pearl Jam: “Tinha muita energia”, lembrou ela, fã.

—“Como você está no violão?”
—“Não tenho tido muito tempo, mas, de vez em quando, arrisco uns acordes dos livrinhos ou invento alguma coisa.”

O dia está lindo, ninguém ousou consultar a meteorologia no sábado. Nova York sabe o que vai acontecer entre aquelas quatro paredes. Em São Paulo, os telefones não param de discar. A manhã também é alegre por lá. Todos falam sem parar. Gisele é grande, vira comoção. E a expectativa sobre o que vai dizer ao chegar, ou o que vai pedir, inquieta, arrepia. Como estaremos depois desse contato com a mulher que pode, sim, dar nomes aos furacões?

Alguém comenta da tatuagem de estrela que GB carrega no pulso. Ela tem isso porque, quando foi pela primeira vez para Nova York, viu que a metrópole não tinha estrelas, elas ficavam escondidas. E a star resolveu fazer uma ao alcance dos olhos, nada mais justo. “Incrível perceber como o mundo é lindo e como tudo foi criado com tanta perfeição. Parar para olhar o céu é também dar uma pausa na correria de sempre e lembrar a bênção que é estar aqui”, suspira. Um pensamento em uníssono ronda a equipe: “Nós (não) estamos apaixonados”.

—“E onde o céu é mais lindo?”
—“Páreo duro entre Belize, Costa Rica, Horizontina (cidade natal) ou a aldeia indígena que visitei no Parque do Xingu”, a deusa tenta decidir. E aumentam os pacotes turísticos para esses paraísos a partir da frase anterior. Gisele é mesmo globalizada – brasileira, internacional, real, virtual, “imprimível”. É a maior popstar do Brasil – sem desmerecer rainhas rebolativas e erotizadas, produzidas em nossa indústria de cabeças ocas; e suas vidas (des)interessantíssimas que acompanhamos como se fossem pornochanchada. Gisele é cultura de massa, a namorada ideal que habita o inconsciente coletivo.

Falta pouco para a concretização dos nossos sonhos. Existem comentários sobre pontualidade. No ar, aquela calma aflita que precede realizações. Tudo já foi discutido (inclusive com a cover girl que já versou sobre “vida e foto” no decorrer da narrativa).

—“Tem mais alguma coisa que vocês precisam saber?”, pergunta Patrícia.
—(Pensativos): “Está tudo certo.”

Domingo, 11 horas. A porta do estúdio se abre para a entrada de Gisele Bündchen. Ela comenta, sorrindo, que acaba de levar um tombo na rua. Direta, ao ponto, G. 

Este fim é o começo de tudo. 


 

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