João Donato, Roberto Menescal, Danilo Caymmi, Joyce e Clara Moreno fazem ode à bossa nova em show nas Ilhas Canárias, no festival Tensamba
Por Bruna Veloso, de Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias) Publicado em 11/05/2010, às 16h06
João Donato faz o sinal da cruz, como se concedesse uma benção, enquanto conversamos no camarim do Auditório de Tenerife, em Santa Cruz de Tenerife. Num canto, Danilo Caymmi e Roberto Menescal dão risada do gesto. Mais tarde, a cena se repetiria na mesa de jantar, enquanto todos - incluindo Joyce e Clara Moreno, mãe e filha, que também participaram do show na noite de domingo, 9 de maio - aguardavam pela típica paella espanhola, aos gritos de "Varela!". Donato e Ivone Belém, sua esposa e assessora pessoal, explicam a piada: "No avião, vindo para cá, um padre chamado Varela começou a pregar e a entregar folhetos. E agora só se fala no Varela". Foi nesse clima descontraído que as "lendas da bossa nova", como anunciaram os organizadores do festival Tensamba, se apresentaram na ilha de Tenerife, a principal do arquipélago das Canárias.
O encontro histórico se deu a cerca de 6,4 mil quilômetros do Rio de Janeiro, cidade-berço da bossa nova. Para esses músicos medalhões, isso não é um sinal de falta de reconhecimento interno, mas um indicativo de que o PIB musical tupiniquim está sempre em alta no cenário estrangeiro. "A gente luta para isso, para a divulgação da música brasileira", diz Menescal, que aproveita para explicar sua visão sobre o que é hoje a produção nacional. "Nós somos 'Música Criativa Brasileira'. Hoje, existem duas músicas brasileiras, e acho inclusive que chegou a hora de dar nome às coisas. Nós não somos mais MPB. Chegamos a ser uma época, mas hoje MPB são aquelas pessoas que vendem mesmo, que estão nos programas de TV."
O ponto comum entre os artistas brasileiros ali presentes é que nenhum sente falta de estar entre os mais vendidos - nem entre os mais assistidos. "O Brasil é um país muito grande. O que aparece é o que está na grande mídia. Mas o que tem de trabalho pra gente lá é uma loucura! Nem precisa ser alardeado. É como o jazz, que toca no mundo todo, a vida inteira: em vez de botar 20 mil pessoas [no show], você põe 600. As pessoas ouvem melhor, às vezes você pode conversar com a plateia", Menescal relata, prevendo a quantidade de pessoas que o assistiria naquela noite: pouco menos da metade da capacidade total do nababesco Auditório de Tenerife, uma construção capaz de embasbacar qualquer amante da arquitetura pós-moderna.
E se para os mais pessimistas uma proporção como essa é sinal de fracasso, ali os ares passaram longe, muito longe disso (diga-se: os ingressos custavam €25, por volta de R$ 60, um valor alto para os padrões das Ilhas). No auditório estavam não apenas brasileiros com saudade de sua terra natal (era possível ouvir um grupo de pessoas falando em português nas primeiras fileiras), como espanhois aficionados pela bossa. Ao meu lado direito, uma mulher se emociona quando Donato entra no palco, levantando-se e conversando entusiasmadamente com seu companheiro; do lado esquerdo, um rapaz aparentando 30 anos parece explodir de alegria à chegada de Joyce, uma diva cuja receptividade é mais intensa fora do Brasil.
No show, um repertório para ninguém botar defeito. Danilo Caymmi abriu a noite lembrando o pai, Dorival, com "Vatapá", "O que É que a Baiana Tem?" e "Você Já foi à Bahia?" (a obra de Caymmi voltaria mais tarde com Danilo e Donato, em "Cala a Boca, Menino"), seguidas por "Samba do Avião", a primeira de Tom Jobim apresentada na noite. Depois, foi a vez de Clara Moreno, que apareceu em "A Felicidade", num dueto com Danilo, antes de mostrar três faixas de Miss Balanço, seu recém-lançado disco no Brasil: "Brincando de Samba/Miss Balanço", "Bruxaria" e "Mestiço".
O formato seguiu durante os aproximadamente 90 minutos de show: cada artista apresentava três músicas sozinho, chamando o músico seguinte para a quarta canção. Clara convidou Menescal, com quem cantou "Telefone"; Menescal chamou Joyce para "Benção Bossa Nova", que trocou o "40" da letra original de Carlos Lyra por "50", em homenagem ao aniversário da bossa, completado no ano passado. Joyce introduz Donato: "O maestro soberano da música brasileira é Antonio Carlos Jobim, mas se você perguntasse, ele diria: 'Meu maestro é João Donato'", diz ao chamar o músico. Juntos, cantaram "Emoriô".
Donato pediu ajuda à plateia para cantar "A Rã", brincando com o público no meio da canção (quando o coro aumenta, ele diz "É fácil, né?", para emendar em seguida um "Ah, agora estão inventando"). E não precisava pensar muito para saber que o ponto alto da noite viria com o encontro de todos, para cantar a mais que clássica "Bananeira", cuja letra vem de uma das diversas parcerias de Donato com Gilberto Gil, e "Chega de Saudade", de João Gilberto, um dos "pais" da bossa nova. No bis, depois dos pedidos do público, um medley que incluiu "Samba da Bênção", "O que É que a Baiana Tem?" e "Samba da Minha Terra".
Uma hora depois, à espera da paella, Danilo faz graça para Menescal, dublando as bossas que tocam no rádio do restaurante. Clara brinca ao dizer para todos tomarem cuidado, já que havia uma jornalista à mesa; Donato ri ao ouvir que o filho de Danilo perguntou "Mas ele pega?", ao ouvir "Edu Lobo" como resposta a uma pergunta. Todos satisfeitos após serem aplaudidos de pé por um público que pode não ter lotado a casa em número, mas que a encheu de intensidade ao reconhecer a importância daquela apresentação.
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