Líder do Nirvana cometeu suicídio no dia 5 de abril de 1994; leia a matéria de capa que a Rolling Stone publicou pouco depois da morte do cantor
Neil Strauss Publicado em 05/04/2013, às 13h32 - Atualizado às 13h47
O texto abaixo foi originalmente publicado na edição 683 da Rolling Stone EUA, em maio de 1994, e também veiculado na edição 31 da Rolling Stone Brasil, em abril de 2009.
No dia 8 de abril de 1994, pouco antes das 9h da manhã, o corpo de Kurt Cobain foi encontrado em uma estufa em cima da garagem de sua casa em Seattle. A espingarda calibre 20 que o cantor, guitarrista e compositor de 27 anos usara para colocar fim à própria vida estava por cima de seu peito. Fazia seis dias que ninguém o via. Um eletricista que foi instalar um sistema de segurança na casa encontrou Cobain morto. Apesar de a polícia, uma empresa de investigações particulares e amigos estarem à sua procura, o corpo já estava lá havia dois dias e meio, de acordo com o relatório do médico legista. Na corrente sanguínea do músico foi encontrada alta concentração de heroína e vestígios de Valium. Apenas as impressões digitais permitiram que o corpo fosse identificado.
Mark Lanegan, integrante da banda Screaming Trees e amigo íntimo de Cobain, disse que não tinha falado com ele na semana anterior. “Kurt não ligou para mim”, disse. “Não ligou para outras pessoas. Não ligou para a família. Não ligou para ninguém.” Lanegan disse que estivera “procurando Kurt cerca de uma semana antes de ele ser encontrado. (...) Tinha a sensação de que algo ruim de verdade tinha acontecido”. Os amigos, os familiares e as pessoas que trabalhavam com Cobain estavam preocupados com sua depressão e o uso de drogas crônico havia anos. “Eu participei de tentativas de conseguir ajuda profissional para Kurt em diversas ocasiões”, diz Danny Goldberg, ex-empresário do Nirvana.
Mas as pessoas próximas a Cobain só foram perceber que estava na hora de recorrer a medidas drásticas oito dias depois que ele voltou para Seattle de Roma para se recuperar de uma tentativa de suicídio malsucedida em março. Além de ter vários problemas domésticos, a relação de Cobain com o Nirvana era tumultuada. Aliás, a viúva, Courtney Love, declarara na MTV que Cobain tinha lhe dito nas semanas seguintes ao acontecido em Roma: “Eu odeio isto aqui – não posso mais tocar com eles”. Completou dizendo que ele só queria trabalhar com Michael Stipe, do REM.
“Nas últimas semanas, eu estava conversando muito com Kurt”, Stipe disse em uma declaração. “Tínhamos um projeto musical em andamento, mas nada gravado.”
No dia 18 de março, um desentendimento doméstico quase se transformou em desastre. Depois que policiais chegaram ao local, chamados por Love, ela disse que o marido tinha se trancado em um quarto com um revólver calibre .38 e disse que ia se matar. Os policiais confiscaram essa arma e mais três outras, além de diversos frascos com pílulas não identificadas. Mais tarde, naquela mesma noite, Cobain declarou a eles que, na verdade, não estava planejando tirar a própria vida.
A essa altura, Love, os familiares de Cobain, os colegas de banda e o pessoal que a empresariava começaram a falar com conselheiros de intervenção, entre eles Steven Chatoff, diretor executivo da Anacapa by the Sea, um centro de saúde comportamental para o tratamento de vícios e de distúrbios psicológicos localizado em Port Hueneme, Califórnia. “Ligaram para mim para saber o que era possível fazer”, diz Chatoff. “Ele estava se drogando em Seattle. Vivia em negação total. Era um caos completo. E eles temiam por sua vida.”
Chatoff começou a conversar com amigos, familiares e pessoas próximas para preparar a execução de uma intervenção pesada. De acordo com Chatoff, alguém contou a Cobain o que estava sendo planejado e o processo precisou ser cancelado. A empresa que empresaria o Nirvana, a Gold Mountain, afirma ter encontrado outro consultor de intervenção e contado uma mentirinha para Chatoff para dispensar seus serviços com educação.
Nesse ínterim, Roddy Bottum, um velho amigo de Love e Cobain, tecladista do Faith No More, viajou de San Francisco a Seattle para cuidar de Cobain. “Eu amava Kurt de verdade”, diz Bottum. “Nós nos dávamos bem pra valer. Fui para fazer companhia a ele como amigo.”
Em 25 de março, cerca de dez amigos, incluindo os colegas de banda Krist Novoselic e Pat Smear, o empresário do Nirvana, John Silva, Dylan Carlson, amigo de longa data, Love e Goldberg (Bottum já tinha voltado para casa), se reuniram na casa de Cobain, em Seattle, para tentar uma abordagem diferente com um novo consultor de intervenção (dizem que Novoselic também efetuou um confronto isolado e pessoal com Cobain). Como parte do processo, Love ameaçou abandonar Cobain, e Smear e Novoselic disseram que iam acabar com a banda se ele não se internasse para fazer desintoxicação. Depois de uma sessão tensa de cinco horas em dois dias, Cobain se retirou para o porão com Smear, onde ensaiaram material novo.
Love tinha esperança de convencer o marido a pegar um avião com ela até Los Angeles, onde os dois se internariam em uma clínica de desintoxicação juntos. Em vez disso, ela viajou com Janet Billig, a empresária de sua banda, Hole, no fim do primeiro dia de intervenção (a filha do casal, Frances Bean, foi para lá no dia seguinte, com uma babá). Love depois diria que se arrependeu de deixar Cobain sozinho (“Aquela besteirada de amor bruto dos anos 80... não funciona”, ela disse em uma mensagem gravada durante uma vigília em homenagem ao falecido, que ocorreu duas semanas depois). Com uma parada em San Francisco, Billig e Love foram até Los Angeles e, na manhã do dia 26, Love fez o check-in no hotel Peninsula, em Beverly Hills, e deu início a um programa de “desintoxicação de tranquilizantes” como paciente externa.
Em Seattle, Cobain deu uma passada no apartamento de Danny Carlson em busca de uma arma porque, como explicou, tinha gente invadindo sua propriedade.
“Ele parecia normal, ficamos conversando”, diz Carlson. “Além do mais, eu já tinha emprestado armas para ele antes.” Carlson acredita que Cobain não queria comprar a espingarda por conta própria por achar que a polícia a confiscaria, já que tinha levado embora suas outras armas de fogo depois do desentendimento de dias antes.
Cobain e Carlson foram até a loja de armas Stan’s, ali perto e compraram uma espingarda Remington calibre 20 e uma caixa de munição por aproximadamente US$ 300, que Cobain tinha dado a Carlson. “Ele estava indo a Los Angeles”, Carlson diz. “Pareceu meio estranho querer comprar uma arma antes de viajar. Então eu me ofereci para ficar com a espingarda até a volta dele.” Mas Cobain insistiu para ficar com a arma. A polícia acredita que Cobain tenha passado em casa para deixar a arma e saiu de Seattle para dar entrada na clínica de desintoxicação. Smear e um funcionário da Gold Mountain encontraram Cobain no aeroporto de Los Angeles e o levaram para o centro de recuperação Exodus, no hospital Daniel Freeman Marina, em Marina del Rey, na Califórnia.
Apesar da incapacidade de dar prosseguimento a seu plano, Chatoff diz ter conversado com Cobain ao telefone várias vezes antes de ele viajar a Los Angeles. “Eu não dei apoio para aquilo, de jeito nenhum”, diz Chatoff, a respeito da internação de Cobain no Exodus, “porque era só mais uma intoxicação de aparência”.
Cobain passou dois dias na clínica que tem lugar para 20 pacientes. No dia 1º de abril, ligou para Love, que continuava no Peninsula. “Ele disse: ‘Courtney, independentemente do que possa acontecer, quero que você saiba que fez um disco ótimo’”, ela posteriormente declarou a um jornal de Seattle. “Eu respondi: ‘Bom, o que você quer dizer?’ E ele respondeu: ‘Apenas se lembre de que, independentemente de tudo, eu te amo’” (o Hole lançaria o segundo álbum, Live Through This, 11 dias depois). Foi a última vez que Love conversou com o marido.
De acordo com uma das pessoas que visitaram Cobain na clínica, “eu estava pronto para vê-lo acabado e deprimido. Ele parece ótimo, porra. Saiu de lá uma hora depois disso”. Às 19h25, Cobain disse aos funcionários da clínica que iria até o pátio para fumar e, de acordo com Love, “pulou a cerca”. Na verdade, era um muro de tijolos de quase 2 metros de altura. “Nós vigiamos nossos pacientes muito bem”, diz um porta-voz do Exodus. “Mas alguns conseguem fugir.”
No dia seguinte, Love cancelou os cartões de crédito de Cobain e contratou detetives particulares para segui-lo. Mas ele já tinha tomado um avião de volta para Seattle. “Conversei com Cali [um dos babás de Frances Bean]”, conta Carlson. “Ele disse que tinha visto Kurt no sábado [2 de abril], mas eu não consegui encontrá-lo.” Ninguém conseguiu. Em 4 de abril, a mãe de Cobain, Wendy O’Connor – que afirma ter estado preocupada com a segurança do filho já algum tempo antes disso – fez declaração de desaparecimento na polícia. Disse aos oficiais que Cobain podia estar com ideias suicidas e sugeriu que o procurassem em um prédio de tijolinhos de três andares específico, descrito como lugar para obtenção de narcóticos, no bairro Capitol Hill, região boêmia de Seattle.
A polícia acredita que Cobain tenha passado seus últimos dias vagando pela cidade sem nada em mente, mas desconfiam de que tenha passado em alguma loja de armas para comprar mais munição. Vizinhos dizem ter visto Cobain em um parque próximo à sua casa nesse período, com má aparência e usando uma jaqueta pesada, que não combinava com o clima. Acredita-se também que Cobain tenha passado uma noite em sua casa de veraneio em Carnation, ali perto, com um amigo não identificado.
Em algum momento na tarde do dia 5 de abril ou antes disso, Cobain se trancou na estufa em cima da garagem, bloqueando a porta envidraçada com uma banqueta. As evidências colhidas na cena sugerem que ele teria tirado seu boné de caça – que usava quando não queria ser reconhecido – e pegou uma caixa de cigarros onde ficariam escondidas suas drogas. Escreveu um bilhete de uma página com caneta vermelha. Também jogou a carteira no chão, aberta na carteira de motorista do estado de Washington, algo que os amigos acreditam que ele fez para ajudar a polícia a identificá-lo.
Love reconstruiu o restante da tragédia para a MTV: Cobain arrastou uma cadeira até uma janela com vista para o estreito de Puger, sentou-se, usou drogas (provavelmente heroína), encostou o cano da espingarda calibre 20 na cabeça e – evidentemente usando o polegar – puxou o gatilho (apesar de o médico legista ter determinado que Cobain morreu na tarde de 5 de abril, a polícia relata que duas pessoas afirmam ter falado com ele em 6 de abril).
Em uma jogada cruel do destino, foi só no dia 6 de abril que os detetives particulares de Love chegaram a Seattle. “Eu estava trabalhando com um detetive”, Carlson diz, “e, no dia em que íamos até Carnation para procurá-lo, descobrimos que estava morto”. Antes de o corpo de Cobain ter sido encontrado, a polícia diz ter perguntado a pessoas que trabalhavam no exterior de sua casa se o tinham visto, e eles garantiram que o músico não entrou na residência.
Longe dali, em 7 de abril, uma ligação de emergência foi feita para o número 911 sobre uma “possível vítima de overdose” no hotel Peninsula. A polícia, os bombeiros e as ambulâncias foram até o local, onde encontraram Love e Eric Erlandson, guitarrista do Hole (Frances Bean e a babá estavam no quarto ao lado). Love foi levada ao hospital Century City, onde chegou por volta das 9h30. Foi liberada duas horas e meia depois. O tenente Joe Lombardi, da polícia de Beverly Hills, diz que Love foi presa imediatamente depois de receber alta e “autuada por posse de substância controlada, posse de parafernália para o uso de drogas, posse de uma seringa hipodérmica e posse/recepção de propriedade roubada”.
O advogado criminal Barry Tarlow, defensor de Love, diz que, contrariamente a informações publicadas, Love “não tinha usado heroína” e “não teve overdose”. Disse que “ela teve uma reação alérgica” ao tranquilizante Xanax. Tarlow diz que a propriedade roubada era um talão de receita que “o médico dela (...) deixou no hotel ao fazer uma visita. (...) Não havia nenhuma receita escrita nele”. E a substância controlada? “Não era narcótico”, diz Tarlow. “São cinzas hindus de boa sorte, que ela recebeu de sua advogada artística, Rosemary Carroll.”
Love foi solta por volta das 15h, depois de pagar fiança de US$ 10 mil. Deu entrada imediata no centro de recuperação Exodus, a mesma instalação de desintoxicação de onde o marido tinha fugido uma semana antes. No dia seguinte, 8 de abril, ela deixou o local ao receber a notícia de que o marido havia sido encontrado.
A primeira vez que os problemas de Cobain ganharam as manchetes dos tabloides foi em agosto de 1992, depois de um artigo publicado na Vanity Fair, hoje considerado infame, em que a autora, Lynn Hirschberg, informou que Love tinha usado heroína durante a gravidez de Frances Bean (Love negou a informação). Como resultado da atenção subsequente dispensada pela mídia, o casal Cobain foi proibido de ficar sozinho com a filha durante um mês.
Depois de longa e cansativa batalha com o serviço de proteção à criança em Los Angeles, onde o casal residia na época, os dois recuperaram a custódia da menina. Em um artigo publicado pelo jornal Los Angeles Times em setembro de 1992, Cobain reconheceu ter consumido “um pouquinho” de heroína e ter feito desintoxicação duas vezes no ano anterior – de acordo com uma pessoa próxima, foi um movimento estratégico para amolecer o serviço de proteção à criança. Em entrevistas subsequentes, Cobain nunca mais admitiu ter consumido heroína depois que ele e Love passaram por desintoxicação depois do nascimento de Frances Bean.
No primeiro semestre de 1993, depois de a banda gravar In Utero com o produtor Steve Albini, outra série de acontecimentos assustadores começou a se desenrolar.
Primeiro vieram boas notícias: em 23 de março de 1993, depois de uma sentença proferida pelo Tribunal da Família em Los Angeles, o serviço de proteção à criança suspendeu a supervisão da maneira como o casal Cobain criava sua filha. Mas, apenas seis semanas depois disso, em 2 de maio, Cobain chegou em casa (que agora ficava na região de Sand Point, em Seattle), tremendo, vermelho e aturdido. Love chamou a polícia. De acordo com um relatório policial, Cobain tinha consumido heroína. Na presença da mãe e da irmã de Cobain, Love injetou buprenirfina no marido, droga ilegal que pode ser usada para despertar uma pessoa que tenha tido overdose de heroína. Ela também deu a ele um Valium, três Benadryls e quatro comprimidos de Tylenol com codeína, que o fizeram vomitar. Love declarou à polícia que esse tipo de coisa já tinha acontecido antes.
Um mês depois, em 4 de junho, a polícia apareceu na casa dos Cobain mais uma vez, chamada por Love. Ela disse aos oficiais que ela e Cobain estavam discutindo a respeito de ter armas em casa. Cobain foi autuado por violência doméstica (passou três horas na cadeia) e três armas de fogo encontradas na casa foram confiscadas. Uma dessas armas, um Taurus .38, tinha sido emprestada a Cobain por Carlson (Cobain recuperou as armas alguns meses depois. Elas voltaram a ser confiscadas na ocasião do distúrbio doméstico de março de 1994). Uma fonte diz que Cobain teria lhe dito que a briga, na verdade, tinha sido por causa de seu hábito de usar drogas.
Sete semanas depois disso, na manhã de 23 de junho, Love ouviu um baque no banheiro do hotel em Nova York onde o casal estava hospedado. Abriu a porta e encontrou Cobain inconsciente. Ele tinha tido mais uma overdose. Ainda assim, o Nirvana se apresentou mais uma vez no Roseland Ballroom naquela noite. Os fãs nem perceberam a diferença.
Alguns dias depois, Cobain retornou a Seattle. Um amigo diz: “Ele simplesmente se isolava. Cada vez que voltava de uma turnê, estava ainda mais recluso. As únicas pessoas que ele permitia passar bastante tempo com ele eram Courtney, Cali e Jackie [Farry, ex-babá e empresária-assistente]”. Cobain parece nunca ter acreditado totalmente que tinha um problema – nem perto da época da intervenção, como os amigos confirmam. A depressão clínica de Cobain tinha sido diagnosticada já no ensino médio. Muitas pessoas próximas confirmam que o músico sofria variações de humor frequentes e violentas.
“Kurt podia estar muito simpático, engraçado e charmoso”, diz Butch Vig, que produziu Nevermind, “e, meia hora depois, sentava em um canto totalmente de mau humor e fechado”.
Em 14 de setembro de 1993, In Utero foi lançado. Apesar de Cobain ter jurado que nunca mais “faria longas turnês”, a menos que conseguisse controlar sua dor de estômago, a banda caiu na estrada para cobrir um bom pedaço dos Estados Unidos e fazer muitas entrevistas, incluindo uma para a Rolling Stone EUA, em outubro. De acordo com fontes, Cobain se desintoxicou de heroína antes de começar a turnê.
Em 8 de janeiro de 1994, o Nirvana fez seu último show em solo norte-americano, na Center Arena de Seattle. A banda então passou as duas semanas seguintes descansando na cidade. Nessa época, em uma atitude considerada nada comum por muita gente, Cobain autorizou a Geffen a fazer algumas mudanças em In Utero. Para conseguir que redes como a Kmart e a Wal-Mart vendessem o álbum, que tinha sido anteriormente rejeitado pelas lojas, a Geffen resolveu retirar a colagem de modelos de fetos humanos feita por Cobain para a contracapa.
A Geffen também mudou o título da canção “Rape Me” (estupre-me) para “Waif Me” (algo como “abandone-me”), nome que Cobain escolheu, de acordo com Ray Farrell, do departamento de vendas da Geffen. “No começo, Kurt queria que o título fosse ‘Sexually Assault Me’ [ataque-me sexualmente]”, diz Farrell, “mas ocupava muito espaço. No final, ele optou por ‘Waif Me’ porque waif, assim como rape, não fala de nenhum gênero sexual específico. Waif representa alguém que está à mercê de outras pessoas”, A versão alterada também foi enviada para Cingapura – o único país em que In Utero foi proibido.
O Nirvana (menos Pat Smear, que ainda estava em sua residência em Los Angeles) emergiu da hibernação no fim de semana de 28 de janeiro e passou três dias em estúdio. Em 2 de fevereiro, os integrantes viajaram para a Europa. Fizeram uma parada na França para participar de um programa de televisão e deram início à turnê em Lisboa, Portugal, em 5 de fevereiro. Foi a primeira vez que o Nirvana tinha marcado tantas apresentações consecutivas na Europa. A banda e a equipe viajavam de ônibus. Cobain e Smear iam em um ônibus, Grohl e Novoselic em outro. De acordo com o gerente de turnê Alex Macleod, os dois ônibus eram questão de luxo, não de animosidade.
“Os shows foram bons mesmo”, lembra Macleod. “Mas Kurt estava cansado. Eles estavam viajando muito.”
Passados dez ou 12 dias depois do início da turnê, já na França, Cobain começou a perder a voz. Durante certo tempo, um spray comprado em Paris e usado antes dos shows ajudou a amenizar o desconforto.
Depois da passagem por um punhado de cidades francesas e italianas – entre elas Roma –, o Nirvana se apresentou em Lubjana, na ex-Iugoslávia, em 27 de fevereiro e, dois dias depois, no Terminal Einz, em Munique, na Alemanha. Seria a última apresentação do Nirvana. Cobain perdeu a voz no meio do show e, de acordo com Macleod, foi se consultar com um otorrinolaringologista no dia seguinte. “Foi orientado a tirar entre duas e quatro semanas de folga”, diz Macleod. “Recebeu sprays e remédios para os pulmões porque o diagnóstico foi de laringite severa e bronquite.”
Macleod recorda que o médico que prescreveu o spray de garganta para Cobain lhe disse: “‘Você não devia cantar do jeito que canta’, como todos sempre dizem. ‘Precisa tirar pelo menos dois meses de férias e aprender a cantar direito.’ E ele disse: ‘Que se foda’”.
A banda adiou outras duas apresentações na Alemanha – em Munique e em Offenbach – para 12 e 13 de abril e tirou uma folga. Novoselic retornou a Seattle no dia seguinte para acompanhar reparos em sua casa; Grohl ficou na Alemanha para participar de uma gravação de vídeo para o filme Backbeat (ele tocou bateria na trilha sonora); e Cobain e Smear foram para Roma. A banda tinha conseguido fazer 15 shows, ainda faltavam 23.
Cobain resolveu ficar na Europa. A viagem de avião e a diferença de fuso horário seriam demais para sua situa-ção. “Ele ficou chateado, assim como todo mundo, por precisar adiar aqueles dois shows”, diz Macleod. “Mas não ia ter como ele subir ao palco na noite seguinte.”
Em 3 de março, Cobain fez o check-in no hotel cinco estrelas Excelsior, em Roma. Naquele mesmo dia, em um quarto de hotel de Londres, um repórter da revista britânica Select entrevistava Love, que se preparava para uma turnê pela Inglaterra com o Hole. O jornalista diz que, durante a entrevista, Love tomava Rohypnol, um tranquilizante produzido pela Roche, que também fabrica o Valium. De acordo com farmacêuticos, o medicamento é usado no tratamento da insônia. Também já foi utilizado no tratamento de ansiedade acentuada e de síndrome de abstinência de álcool, além de funcionar como alternativa à metadona na síndrome de abstinência de heroína (a Gold Mountain nega que síndrome de abstinência tenha sido problema no caso de Love e de Cobain). Conhecido em algumas partes da Europa como Roipnol, o medicamento não é vendido nos Estados Unidos. “Olhe, eu sei que essa é uma substância controlada”, Love disse na entrevista. “Eu consegui com o meu médico. É igual a Valium.”
De acordo com a Gold Mountain, Love, Frances Bean e Cali encontraram Cobain em Roma na tarde do dia seguinte. Naquela noite, Cobain mandou que um mensageiro fosse comprar Rohypnol com uma receita. Também pediu champanhe para o serviço de quarto.
Às 6h30 da manhã seguinte, Love encontrou Cobain inconsciente. “Encostei nele e tinha sangue saindo do nariz dele”, ela declarou à Select em uma entrevista posterior, e completou: “Eu já tinha visto ele ficar totalmente fodido, mas nunca tinha visto quase ir embora”. Na época, o acontecido foi retratado como acidente. De lá para cá, foi revelado que havia cerca de 50 pílulas no estômago de Cobain. O Rohypnol é vendido em envelopes de papel-alumínio, os comprimidos precisam ser abertos um a um. Um bilhete suicida foi encontrado no local. A Gold Mountain continua negando que tenha havido tentativa de suicídio. “Um bilhete foi encontrado”, diz Billig, “mas Kurt afirmou que não era um bilhete suicida. Ele simplesmente tinha juntado todo o dinheiro dele e de Courtney e ia fugir e desaparecer”.
Cobain foi levado às pressas ao hospital Policlínico Humberto I, em Roma, e passou cinco horas submetido a tratamento de emergência. Depois, foi transferido para o hospital Americano, nos arredores da cidade. Acordou do coma 20 horas depois e imediatamente rabiscou seu primeiro pedido em um bloquinho de papel: “Tirem essas porras destes tubos do meu nariz”. Três dias depois, teve permissão para sair do hospital. O médico Osvaldo Galletta diz que o cantor não sofria de “danos permanentes” na ocasião.
“Ele não vai fugir de mim assim tão fácil”, Love diria depois. “Eu o sigo até o inferno.” O casal então voltou para Seattle. “Estive com Kurt no dia em que ele voltou de Roma”, diz Carlson. “Estava muito incomodado com toda a atenção que tinha recebido da mídia.” Carlson não notou nada de anormal em relação à saúde ou ao comportamento de Cobain. Assim como muitos amigos de Cobain, ele se lamenta que nem o próprio, nem ninguém próximo a ele tenha lhe dito que o acontecimento em Roma tinha sido tentativa de suicídio.
Os dias que se seguiram à morte de cobain foram preenchidos de tristeza, confusão e trocas de acusações entre todos os envolvidos. “Todo mundo que se sente culpado levante a mão”, Love declarou à MTV na manhã seguinte ao corpo de Cobain ter sido encontrado. Ela disse estar usando o jeans e as meias do marido e carregar um cacho do cabelo loiro dele. De acordo com Billig, um médico foi convocado para acompanhar Love o tempo todo. “Ela é forte o bastante para suportar tudo isso”, diz Craig Montgomery, que estava contratado para organizar uma turnê do Hole, que acabou cancelada.
“Era difícil imaginar Kurt envelhecendo feliz”, Montgomery fala. “Por anos, sonhei que tudo terminaria assim. O que me assusta é a maneira como ele se sentia sozinho e fechado. Foi ele que afastou muitos de seus amigos.”
Novoselic declarou a um jornal que acreditava que a morte de Cobain era o resultado de forças internas inexplicáveis: “Culpar apenas a heroína é uma estupidez. (...) A heroína era só uma pequena parte da vida dele”.
A notícia da morte de Cobain foi divulgada primeiro pela rádio KXRX-FM, de Seattle. Um colega de Gary Smith, o eletricista que encontrou o corpo de Cobain, ligou para a emissora com o que afirmou ser “o furo do ano”, e completou: “Vocês vão ficar me devendo muitas entradas de shows por esta notícia”.
“Colocar essa informação no ar foi uma decisão sinistra a ser tomada”, diz Marly Redimir, o locutor que estava no ar e que atendeu o telefonema. “Não somos uma emissora de notícias.” A irmã de Cobain, Kim, ficou sabendo da morte do irmão por meio de reportagens de rádio, assim como sua mãe, Wendy O’Connor. “Agora ele se foi e se juntou àquele clube idiota”, O’Connor declarou a um repórter, referindo-se a Janis Joplin, Brian Jones e Jim Morrison [todos mortos aos 27 anos]. “Eu disse a ele que não era para entrar para esse clube idiota.”
Depois que Reimer ligou para a Associated Press para dar a notícia, a MTV reprisou a apresentação do Nirvana em seu programa Acústico e DJs de Seattle tomaram conta do rádio. “Ele morreu como um covarde”, vociferou um locutor, “e deixou uma menininha sem pai”.
“Acho que nenhum de nós estaria aqui nesta sala hoje se não fosse Kurt Cobain”, Eddie Vedder, do Pearl Jam, declarou à plateia lotada durante um show em Washington D.C. na noite em que a morte de Cobain foi anunciada. Vedder se despediu da plateia com uma bronca: “Não morram. Jurem por Deus” (duas semanas depois, o Pearl Jam desistiu dos planos para uma turnê porque, de acordo com a empresária Kelly Curtis, o suicídio de Cobain “deixou a banda sem fôlego”).
Na frente da casa de Cobain, em Seattle, na tarde depois de seu corpo ter sido encontrado, Kimberly Wagner, de 16 anos, passou quatro horas chorando e apurando por conta própria notícias divulgadas pela TV e por revistas. “Só vim para encontrar uma resposta”, ela soluçava. “Mas acho que não vou encontrar.”
A Clínica de Crises de Seattle recebeu aproximadamente 300 chamadas naquela dia, 100 a mais do que o normal. Apenas em 10 de abril, depois de uma vigília da qual participaram 5 mil fãs em um parque, Seattle registrou seu primeiro suicídio possivelmente relacionado a Cobain. Depois de voltar para casa da vigília, Daniel Kaspar, 28 anos, se matou com uma única bala.
Os efeitos do suicídio de Cobain reverberaram. No sul da Turquia, uma fã de 16 anos se trancou no quarto, colocou música do Nirvana no máximo volume e deu um tiro na cabeça. Amigas disseram que ela tinha ficado deprimida desde que recebera a notícia.
No dia da vigília, a família de Cobain marcou uma missa fechada na Unity Church de Seattle. Não havia caixão, o corpo de Cobain ainda estava sob a custódia dos médicos legistas (posteriormente, foi cremado).
O reverendo Stephen Towles deu início à missa dizendo aos cerca de 150 presentes: “Um suicídio não é diferente de apertar o dedo em uma prensa. A dor fica tão forte que se torna impossível de suportar”.
Novoselic fez um discurso na sequência, instruindo a todos que se “lembrassem de Kurt pelo que ele era – preo-cupado, generoso e doce”. Carlson leu versos budistas.
Love, vestida de preto, leu passagens do Livro de Jô e alguns dos poemas preferidos de Cobain de Iluminações, de Arthur Rimbaud. Contou histórias sobre a infância do músico e leu partes de seu bilhete suicida. Incluiu trechos que não tinha lido na gravação que fez para a vigília. “Tenho uma filha que me lembra demais de mim mesmo”, Cobain escrevera.
Gary Gersh, que assinou contrato com o Nirvana quando estava na Geffen, leu um texto enviado por fax por Michael Stipe. O último a falar foi Danny Goldberg. “Acredito que ele teria deixado este mundo há anos”, disse Goldberg, “se não tivesse conhecido Courtney.”
Quando esta reportagem foi concluída, nem Grohl nem Novoselic tinham contado sua história para a imprensa. Juntamente com a família de Cobain, eles vão organizar um fundo para oferecer bolsas de estudos para alunos do ensino médio em Aberdeen que demonstrem “talento artístico, independentemente do desempenho escolar”. O departamento de proteção à criança de Los Angeles e de Seattle confirmou que não tinha nenhum assistente social designado para cuidar de Frances Bean. Love doou todas as armas de fogo de Cobain, inclusive a que ele usou para se matar, à instituição Mothers Against Violence in America (Mães Contra a Violência nos Estados Unidos).
“Courtney está descansando agora”, diz Roddy Bottum. “É um momento traumático na vida dela. Ela perdeu o marido, e há fotógrafos nas árvores."
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