“Meu primo Brian [Wilson] adorava o estúdio. Já eu gosto mesmo é de me apresentar ao vivo”, afirma ele. “Devo ter cantado ‘Fun, Fun, Fun’ mais de 6 mil vezes”
ERIK HEDEGAARD Publicado em 16/05/2016, às 11h20 - Atualizado às 12h38
Não interessa o tamanho da casa de espetáculos: para Love, todos devem ouvir sobre as garotas da Califórnia. “Meu primo Brian [Wilson] adorava o estúdio. Já eu gosto mesmo é de me apresentar ao vivo”, afirma. “Devo ter cantado ‘Fun, Fun, Fun’ mais de 6 mil vezes. Quebramos recordes de público, tocamos para avós, filhos e netos.” A versão dos Beach Boys comandada por Love faz valer o dinheiro dos fãs – os integrantes enfileiram 40 canções em duas horas, terminando o set com “Fun, Fun, Fun”, conduzida pelo barítono nasal de Love, sempre essencial às harmonias da banda. O público sai feliz, embora com uma sensação agridoce de nostalgia.
Nos anos 1960, os Beach Boys se tornaram os menestréis de um verão que parecia não ter fim. Mas em 1983 o baterista, Dennis Wilson, morreu afogado, depois de horas de bebedeira intensa. Carl Wilson se foi em 1998, em decorrência de um câncer no pulmão. Al Jardine permaneceu trabalhando, mas sempre discreto. Brian Wilson, o líder e gênio visionário, criador das maravilhosas harmonias e melodias da banda, abusou das drogas e tornou-se mental e emocionalmente instável a partir do final dos anos 1960; mas, de forma notável, conseguiu nos últimos 20 anos equilibrar a vida familiar e profissional. Já Mike Love seguiu em forma, exatamente como nos velhos tempos: um frontman que gosta de entreter o público e contar piadas, o contraponto ao primo introvertido Brian – ambos necessários ao trabalho que levou ao auge da banda.
Ainda assim, Love é considerado um dos sujeitos mais vis da história do rock. Essa é uma opinião geral há décadas e ele não consegue se livrar dela. Já foi chamado de palhaço, demônio, egoísta, encrenqueiro e espírito de porco. Love às vezes ri do veneno que lhe é destinado, mas nesse momento ele se vira para Jackie, sua esposa há 21 anos, e questiona: “O que eu fiz? Por que sou o vilão? Como cheguei a esse ponto?”
Para os detratores, tudo começou no estúdio em 1966, quando Love não escondia o fato de não gostar de Pet Sounds, a obra-prima de Brian. “Quem vai ouvir essa porcaria? Um cachorro?”, ele supostamente teria dito, embora negue até hoje. “Isso é bobagem. Todos nós demos duro naquele álbum”, afirma. No ano seguinte, ele criticou tanto o experimental Smile que abalou a fé de Brian. O projeto foi arquivado por 37 anos. Love processou o primo inúmeras vezes, alegando que o ajudou a escrever vários clássicos dos Beach Boys sem ter sido creditado por isso.
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Outras pistas relacionadas à má fama do músico: Love foi responsável pela insípida “Kokomo” (1988), que passa longe da maestria de Brian, mas se tornou o maior hit dos Beach Boys. Nos anos 1980, ele doou US$ 5 mil para ajudar Tipper Gore na cruzada pela censura da música pop (que resultou na inclusão de um selo obrigatório em capas de discos, avisando quando há conteúdo explícito nas músicas). E, claro, ainda tem os bonés. Até Jackie não gosta: “Eu pergunto: “Não da para deixar em casa?" , ele brinca.
Bem, Love é careca, então tem um motivo para usar boné. Mas são outras coisas que o incomodam. “Eu nunca falei metade do que é atribuído a mim", afirma. "Acham que eu sou um cara, que se levanta de manhã e fala: ‘Bem, tenho trabalho a fazer. Como posso ser escroto hoje?’”
Foi principalmente o complexo relacionamento com Brian Wilson que fez dele um vilão junto aos fãs e à imprensa. Os dois crescerem juntos, mas com o tempo viraram antagonistas. Quando as pessoas falam dos Beach Boys, pensam em Brian. Love raramente é mencionado, o que o deixa ressentido. Além disso, é preciso reconhecer que deve ter sido difícil para alguém pragmático como Love aturar Brian no pico do uso de drogas e da loucura, achando que suas canções estariam causando incêndios em Los Angeles. Ou quando Brian atuava como um ditador perfeccionista dentro do estúdio. Ou mesmo quando o primo descartou de vez as canções falando de surfe.
Apesar da imagem bélica, Love procura se manter em paz, pelo menos consigo mesmo. O artista é adepto da meditação transcendental, criada pelo guru hindu Maharishi Mahesh Yogi – Love esteve presente na famosa viagem que os Beatles fizeram à Índia em 1968 e até ganhou uma música de presente de aniversário gravada pelo Fab Four (“Happy Birthday, Mike Love”). Ele acorda todos os dias às 7h da manhã e medita, além de ser vegetariano.
Em breve, Love vai ter a chance de mostrar sua versão dos fatos. No meio deste ano, logo após as comemorações de 50 anos de Pet Sounds, ele lançará a autobiografia Good Vibrations: My Life as a Beach Boy, escrita com ajuda de James S. Hirsch. “Existem muitas coisas que eu não compartilhei antes”, afirma. “Estou ansioso para abrir minha vida neste livro.”
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