Herbert de perto e sem drama

Frontman do Paralamas do Sucesso conta à Rolling Stone Brasil que só fez um pedido para os diretores do doc Herbert de Perto: não queria "nada telenovelístico"

Por Anna Virginia Balloussier, de Paulínia Publicado em 17/07/2009, às 18h21

Tratar de Herbert Vianna é se livrar de alguns vícios da escrita. Seria estúpido, por exemplo, valer-se do clichê "confinado à cadeira de rodas" para falar sobre o líder do Paralamas do Sucesso.

Sim, ele ficou paraplégico após um acidente de ultraleve em 2001, que, num golpe bem mais paralisante, matou sua mulher, a inglesa Lucy. Mas, em vez de experimentar a nova realidade como confinamento, daqueles que imobilizam o espírito de forma tão ou mais atroz como o fazem ao corpo, o artista consegue tirar vantagens da atual fase - adora, por exemplo, poder encarar o público no olho e focar a reação de cada pessoa, em vez de se perder no transe habitual do rockstar em ação, como fazia antigamente. E é isso que Herbert de Perto, documentário que rendeu a Roberto Berliner e Pedro Bronz o prêmio de melhor direção no 2º Festival de Paulínia, mostra bem: um ídolo definitivamente avesso ao estigma de "pobre coitado".

E uma coisa é certa: os diretores tiveram destreza ao pular armadilhas sentimentaloides, abordando o episódio do acidente sem apelação. Uma proeza e tanto, já que seria fácil descarrilhar para o dramalhão em cenas capitais, como quando Dado Villa-Lobos narra ter visto "o avião se espatifar na água" após algumas piruetas, enquanto a galera tomava caipirinha numa praia de Angra dos Reis (RJ). Mas pouco depois acompanhamos a (bastante desacreditada, por sinal) recuperação de Herbert - que acordou trocando tudo (cantava uma música com a melodia de outra, por exemplo). "Não tenho esse registro", o músico contou à reportagem da Rolling Stone Brasil, na quinta, 16, horas antes de o Paralamas tocar na cerimônia de encerramento do 2º Festival de Paulínia. "No momento inicial, só falava inglês. Depois, espanhol. Isso porque foram duas línguas em que mergulhei com alegria e persistência".

Alegria e persistência. Duas palavras-chave para descrever a guinada do músico, que quando criança pediu para um Papai Noel, desses que toda loja tinha em dezembro, trocar seu presente - estava nem aí para a bicicleta, queria mesmo um violão. Herbert conta que fez apenas um pedido a Berliner, de quem é camarada desde os anos 80: "Não usar uma direção 'telenovelística' e lacrimogênea".

Antes do encontro no festival, o site da Rolling Stone Brasil trocou uma ideia com Berliner há duas semanas, por telefone. Durante a conversa à distância, ele calculou que o primeiro esbarrão com o músico foi em 1982. "Eu fazia parte da turma que tinha fundado o Circo. Era ator e virei videomaker. Tinha o Rock Voador todos os sábados; bandas como Blitz, Barão [Vermelho], Celso Blues Boy, Kid Abelha, Lobão, Lulu Santos."

Foi assim que ele virou chapa dos Paralamas - proximidade que lhe garantiu um arquivo e tanto sobre a banda. Além de dirigir vários clipes, como "Alagados" e "Trac Trac", o cineasta colheu muito do fundo do baú - no caso, o da produtora TV Zero, da qual é fundador e que este ano colocou outro doc musical na praça, Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei. "Herbert sempre foi bom moço, nunca fez nada demais. Todos nós", o diretor disse, com capricho na dose de ironia, em entrevista coletiva de imprensa realizada na quinta.

Pedro Bronz, convidado para tocar o projeto junto a Berliner, explicou à RS Brasil a riqueza de imagens de arquivo. "Ao longo da carreira, Herbert se expôs muito na mídia. Fora o lado pessoal do Bob [Berliner] e o arquivo da TV Zero. Conseguimos shows nunca vistos e até todo processo de recuperação, com cenas filmadas pelos enfermeiros do hospital."

No doc, o frontman do Paralamas aparece assistindo a vários desses vídeos - chega a falar que "este mané não sabe bem do que está falando", quando vê sua versão moleque (várias vezes com os óculos clássicos e um casaco do Mickey) dando pitaco sobre a vida (como a facilidade em recomeçar depois de uma tragédia). "Era um conhecimento bem mais superficial do tema", Herbert admitiu à repórter. Mas ele sabe que seu grande incentivo foi saber que Lucy odiaria vê-lo cabisbaixo por um momento sequer. "Nosso amor foi honesto e curioso. Nos casamos numa igrejinha de um condado na Inglaterra. Na plaquinha, o ano de fundação é mais antigo do que o do descobrimento do Brasil."

Para Herbert, o bacana é ver a mudança de ponto de vista menos traumático do que todo mundo acha que deve ser. Não à toa escreveu, em "Brasil Afora", faixa-título do novo álbum dos Paralamas, os seguintes versos: "Não viver a causar pena/ Por cuidar tanto das pernas/ Conhecer uma pequena/ Que me entregue o coração".

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