Filme é provocador e indispensável para esses tempos em que vivemos
Paulo Cavalcanti Publicado em 09/03/2017, às 14h53 - Atualizado em 11/03/2017, às 15h18
Antes de Donald Trump, houve Ray Kroc, o empresário que foi responsável por tornar o McDonald’s uma potência global e representante de valores que muitos amam e outros tantos odeiam, nos Estados Unidos. Interpretado por Michael Keaton, Kroc é o foco de Fome de Poder.
O ano é 1954. Ray Kroc é um vendedor de 52 anos. O casamento de Kroc com Ethel (Laura Dern) é frio e a conta bancária dele é mais gelada ainda. Ele vende máquinas de misturar milkshakes, mas ninguém está minimamente interessado no produto ou no próprio Kroc. Mesmo com as portas sendo batidas na cara dele de forma humilhante, o sujeito acredita mais na persistência do que no talento ou na sorte. Ele ouve LPs de autoajuda e crê que um dia terá a oportunidade da vida dele.
Isso finalmente acontece quando fica sabendo que tem gente interessada em nada menos do que seis das máquinas de milkshake. Kroc acha que é brincadeira. Intrigado, vai até São Bernardino, Califórnia, e descobre que os solicitantes são os irmãos McDonald, Dick (Nick Offerman) e Mac (John Carroll Lynch), donos de uma lanchonete que leva o sobrenome deles. Kroc fica mais impressionado ainda quando vê como o restaurante funciona. Apesar do estabelecimento ter uma imensa fila, ela se dissipa rápido. A entrega dos pedidos não ultrapassam 30 segundos. O segredo está na linha de produção criada pelos irmãos. Eles fazem hambúrgueres como Henry Ford fabricava automóveis. Quem compra ali recebe eficiência e um produto de qualidade. E ele também percebe que o local tem um forte senso de comunidade.
Kroc tem uma visão. Ele propõe aos irmãos que o McDonald's vire uma franquia, primeiro regional, depois nacional. “Toda cidade americana tem um igreja ou um tribunal. Tem que ter uma unidade do McDonald's também”, ele argumenta. Com muita lábia, apelando até para o patriotismo, ele consegue que os ingênuos irmãos o deixem expandir o negócio. Assim, a indústria do fast food dava seus primeiros passos. O desenrolar e o desfecho são conhecidos e podem ser resumido desta forma: Kroc torna o McDonald's um império e automaticamente se transforma em um bilionário poderoso. Os irmãos McDonald caem em várias armadilhas legais e são obrigados pelos advogados de Kroc a vender a marca. “Colocamos a raposa dentro do galinheiro”, diz um deles em certo ponto.
Fome de Poder não é apenas uma biografia. É um perturbador estudo de caráter. Keaton, que há muito tempo já merece um Oscar, é um canalha jovial e desesperado. Ele é um sonhador que até certo ponto ganha a simpatia do público – quando Kroc mostra sua verdadeira natureza, isso desaparece. Ray Kroc pisa em todos, mente e manipula. Ele sobe, sobe e sobe, sem nenhum revés ou alguém para dizer a ele que não é assim que se joga o jogo.
O longa também comenta a cultura do consumo rápido e suas consequências, benéficas ou não – ele não enxerga de forma positiva como a cadeia de sanduíches expandiu de forma avassaladora e os métodos por trás disso. O diretor John Lee Hancock e o roteirista Robert Siegel entregam um filme que, se por um lado louva o empreendedorismo, também mostra que nem todo mundo se beneficia com a industrialização. Com um elenco notável e uma bela reconstituição de época, Fome de Poder é provocador e indispensável para esses tempos em que vivemos.
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