Dois Coelhos - Reprodução/Still

Dois Coelhos traz nova linguagem ao cinema nacional, mas esbarra no excesso de efeitos especiais

Repleto de referências pop, estreia de Afonso Poyart no cinema acerta em cheio na adrenalina mas peca em roteiro raso

Bruno Raphael Publicado em 20/01/2012, às 11h19 - Atualizado às 11h24

Dedicado a um público que tem pouca atenção do cinema nacional, Dois Coelhos segue fielmente o script de um blockbuster norte-americano: explosões, tiroteios, flashbacks, cenas em slow motion e uma adrenalina que, infelizmente, acaba por drenar o potencial da trama que estreia nesta sexta, 20. Entretanto, é bom reforçar que, apesar da semelhança com as produções de fora, o filme busca uma identidade própria ao vestir (literalmente, em dado momento) a camisa da cidade de São Paulo, que serve como cenário para o longa-metragem.

Em Dois Coelhos, ninguém é inocente. Nessa situação, nada mais correto que o protagonista do filme ser um anti-herói e Edgar (Fernando Alves Pinto) cumpre bem esse papel. Salvo da prisão pelo deputado corrupto Jader (Roberto Marchese) após um acidente de carro envolvendo a família de Walter (Caco Ciocler), ele é enviado para os Estados Unidos. Em um surto de justiceiro quando retorna ao Brasil, ele decide "matar dois coelhos", se livrando de Jader e do traficante Maicon (Marat Descartes), que tem um caso com sua advogada, Julia (Alessandra Negrini). Tudo isso é explicado de maneira ramificada, de modo que quem for ao cinema só entenderá o por quê dos atos de Edgar no último minuto, como é a intenção de Poyart.

Alessandra Negrini na Rolling Stone Brasil: aos 40 anos, atriz reflete sobre a passagem dos anos, celebra a nudez, revela angústias e diz que um sorriso na cara é necessário para combater a eterna fama de mulher difícil

Quando o assunto é inovação, Dois Coelhos flerta com a linguagem pop de uma maneira que nenhum filme nacional fez até o momento. O diretor deixa claro a influência de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ao transferir as gírias cariocas para o âmbito paulistano, com momentos hilários (e ora exagerados) de discussões e tiroteios vividos por Edgar, Maicon, Bolinha (Thogun) e Velinha (interpretado pelo rapper Thaíde), entre outros.

Há referência aos games também, que não passam despercebidas: a maioria dos vilões do filme usam camisas floridas, semelhante ao jogo Grand Theft Auto: Vice City que, em uma das cenas de efeitos especiais, ganha uma homenagem quase declarada ("Detonando Miami Beach" pode ser jogado no site oficial do filme, clicando aqui). Outro destaque é que, em determinada cena, Julia destroça personagens animados bizarros com uma espada ao som de uma versão heavy metal de "Paciência", do cantor Lenine, no melhor estilo Kill Bill.

A ideia de manter o mistério de alguns personagens até os momentos finais intriga, mas acaba por reforçar o roteiro raso que torna alguns dos diálogos superficiais, como a briga entre Maicon e um policial (corrupto, pra variar) que termina em uma execução em slow motion que não deve nada a um filme como Matrix. A trilha sonora também é caprichada, com nomes como Radiohead, 30 Seconds to Mars e Titãs dando o tom das cenas, como a que explica o acidente de Edgar e Walter, sem a intervenção de diálogos e apenas "I'm Still Here", de Tom Waits, tocando ao fundo. Ponto para Caco Ciocler em sua atuação e Poyart, responsável pela escolha dos temas.

O final do filme deve dividir o público, que pode se incomodar com algumas contradições. Além disso, o corte de câmeras frenético deixará o espectador menos atento completamente perdido nas cenas de perseguição. Mesmo pecando pelo excesso, Dois Coelhos traz ao Brasil um gênero quase inexistente no país, e que deve ser melhor lapidado no futuro.

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