Cantor que se destacou nos Stooges foi um dos precursores do punk
Paulo Cavalcanti Publicado em 21/04/2017, às 16h30 - Atualizado às 17h04
Iggy Pop completa 70 anos nesta sexta, 21. O cantor, nascido com o nome James Newell Osterberg Jr. no dia 21 de abril de 1947 em Muskegon, Michigan, dispensa maiores apresentações – se não fosse por ele, o punk teria que surgir de uma outra maneira.
Pop começou nos anos 1960, tocando bateria, e formou bandas que imitavam os Rolling Stones, Yardbirds e outros artistas ingleses. Mas quando sucumbiu ao som e à postura transgressora do The Doors e do Velvet Underground, tudo mudou. O músico fundou o The Stooges, seminal banda que gravou três álbuns essenciais. O som cru e cortante da banda foi primordial para que depois florescesse a sonoridade e a estética do punk. Com o término da banda, em 1974, ele passou por dificuldades financeiras e ainda se tornou dependente de heroína. Mas o fã David Bowie veio em socorro e ajudou Iggy a colocar a carreira no prumo. Quando lançou The Idiot, em 1977, disco produzido por Bowie, Iggy não parou mais. Lançou vários álbuns clássicos e também gravou uma série de LPs diversificados e interessantes, que seguem sendo redescobertos. Além de gravar regularmente e se apresentar em todo o mundo, Iggy também se envolveu com diversos projetos paralelos, especialmente relacionados à moda. Seu mais recente trabalho é Post Pop Depression (2016), que gravou com Josh Homme, do Queens of the Stone Age. E Iggy não descansa. Ela acabou de lançar "Asshole Blues”, uma colaboração com o Jacuzzi Boys, banda de Miami que é apadrinhada por ele. É um blues acústico lo-fi que saiu em um single de 7 polegadas em vinil.
Hoje é dia de celebrar a vida e música do verdadeiro padrinho do punk. No fim de 2014, a Rolling Stone Brasil viajou para Miami e entrevistou Iggy Pop com exclusividade. Na ocasião, ele falou sobre os discos clássicos dos Stooges, de seu relacionamento com o mundo da moda e mais. Leia abaixo alguns momentos daquela conversa.
Muita gente ainda liga sua imagem à aspereza da cena punk de Detroit e Nova York, mas poucos sabem que você mora em Miami há muito tempo. Como fez da cidade o seu lar?
Eu amo Miami! Eu vim para cá no começo dos anos 1970, quando só tinha velhinhos aposentados. Queria ficar aqui, mas não tinha nenhum dinheiro. Shaw apareceu e falou: “Eu tenho um lugar para você”. E me vendeu uma casa bem barata. Eu cheguei a ter uma residência aqui no estilo mediterrâneo, igual àquelas que você acha em Salvador, na Bahia. Era uma vizinhança repleta de velhinhos judeus, algo bem tranquilo. Mas Miami está diferente. Às vezes, fica perigoso – você não sabe quem vai encontrar depois da meia-noite, se vai acabar saindo com um traficante de heroína. Os velhinhos de Miami começaram a morrer e agora aqui vivem esses nerds de computador, esse pessoal de reality show da MTV... Mas, ok, Miami ainda é um lugar cheio de malucos, mesmo.
Você tem uma relação forte com a América Latina. As apresentações que fez no Brasil e na Argentina causaram um grande impacto.
Nos Estados Unidos, você ganha dinheiro, mas não aproveita a vida. Eu achava que com os latinos era justamente o contrário, mas talvez agora as coisas estejam mudando dos dois lados. Miami sempre teve uma presença forte de latinos: aqui tem brasileiros, haitianos, jamaicanos. Eu tive uma namorada da Argentina, conheci muita gente do Brasil, passei uns tempos em Bogotá, na Colômbia. Para os latinos, o lado humano é mais importante, algo que nem sempre ocorre com os norte-americanos. Meu sonho é arranjar alguns guarda-costas e sumir no meio do Paraguai! Mas, já que não é possível, viver em Miami é o mais perto disso que consigo.
Os três primeiros álbuns que você gravou com o Stooges ainda são uma bíblia do pré-punk. Como você vê esses trabalhos?
Desde o começo, com a formação original do Stooges, eu fazia canções simples o suficiente para você aprender a tocar em cinco minutos. Muita gente que formou banda veio dizer para mim que começou tocando as músicas do Stooges porque era fácil. Quando eu olho para as fotos antigas do grupo original, percebo como tudo era muito simples. Nós tornamos o rock algo informal com aquele primeiro álbum [The Stooges, de 1969]. No segundo [Fun House, de 1970], viemos mais agressivos. Mas aí gravamos Raw Power (1973) e sentimos a pressão – o som era mais rebelde. Todos os discos do Stooges têm um contexto. Vejo assim: o primeiro é selvageria primitiva e inocente. Para mim, ainda é o melhor que fizemos. No segundo, nós estávamos falando de uma forma indiferente: “Foda-se”. E, no terceiro, a agressão era mais direta. A partir daí, eu
rumei para a carreira solo e, do ponto de vista musical, ficou tudo diferente para mim.
Em 2013, você lançou com o Stooges o álbum Ready to Die. Você gosta do disco?
Eu gosto, acho bom. Nos dois álbuns que fizemos quando os Stooges se reuniram, eu assumi um papel secundário. Todas as decisões importantes ficaram com Ron Asheton em The Weirdness (2007) e James Williamson em Ready to Die. James tomou conta de tudo. Ele estipulou onde gravar e quais faixas iriam entrar, me mandava bases prontas com o recado: “Você vai cantar sobre isso ou aquilo”. James não tinha feito nada por 30 anos, então concordei. Ele descartava improvisar no estúdio, já vinha com tudo pronto. Assim, em vez de eu me impor, nós acertamos um compromisso: nas apresentações ao vivo, eu mandava, e no estúdio ele dava as cartas. Eu tentei cantar da melhor maneira, embora alguns vocais pudessem ter sido melhores.
Canções como “1969”, “No Fun” e “I Wanna Be Your Dog” ainda tocam frequentemente nas rádios de classic rock. Qual é a sensação de olhar para esse legado?
Eu ainda gosto de ouvir essas canções no rádio, é um bom sentimento. Sei que “Candy” toca muito no Brasil, recebo relatórios dos direitos autorais. Toda vez que as pessoas assobiam ou cantarolam trechos dessas coisas que fiz há 40 e tantos anos, ainda me emociono. Depois de quase 60 anos, Chuck Berry pode estar cheio de tocar “Johnny B. Goode” ou outros hits, mas as canções dele fizeram sucesso na época em que foram lançadas. Entendo que um cara como ele possa ter ficado saturado. Não foi o meu caso. Ninguém aceitava o que eu fazia. Por isso, minhas músicas cresceram com o tempo. Mas concordo que não dá para fazer nada constantemente sem um descanso ou alguma mudança. Senão, fica irrelevante.
Como você se prepara para um show? As suas atuações no palco sempre estiveram entre as mais intensas do rock.
Nos meus primeiros anos, tudo era natural. Mas quando comecei a ficar mais velho, minhas horas pré-show se tornaram valiosas. Faço tudo aquilo que você imagina: alongamento, exercícios. Tenho uma concentração total. Sempre me preparo mentalmente, nunca penso em mais nada a não ser no que vai acontecer no palco. Os caras do Stooges nunca foram muito bons em saber quando começava ou terminava uma música. Eu tinha que ser um general com eles. Mas, quando estou lá em cima, não existe sensação melhor. Quando o som do local é bom, é sempre uma delícia curtir os caras tocando. E, é claro, não posso me esquecer do público. Quanto mais vital for a reação da plateia, melhor é a performance.
Hoje, além de ser uma lenda do rock, você também se tornou um ícone para a moda. Foi uma transição natural?
No começo, eu não me importava com roupas. Usava qualquer coisa. Nunca considerava que eu tivesse um “estilo”. Só que hoje as pessoas olham fotos antigas minhas ou vasculham a internet e falam: “Que coisa foda, olha só o que o Iggy usava”. Eu experimentava tudo, desde roupas de mulher até acessórios para animais. Um dos meus vídeos mais conhecidos é um registro de “The Passenger” (1977) em que eu uso um rabo de cavalo preso na minha calça. Eu também usava coleira de cachorro. Mas não era imitação, era de verdade: eu entrava em uma loja de animais e comprava, não para um cão, mas para mim. Por muito tempo meu nome foi execrado, eu era chamado de esquisito para baixo. Os machões norte-americanos me odiavam; “Iggy” era um palavrão. Mas agora é cool. Depois do punk, tudo ficou normal. Hoje, as pessoas colocam em seus cachorros o nome Iggy!
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