Filme dirigido por James Gunn explora como poucos a linguagem dos quadrinhos no cinema e coloca J.J. Abrams e Star Wars: Episódio VII contra a parede
Pedro Antunes
Publicado em 31/07/2014, às 09h48 - Atualizado às 18h04James Gunn, diretor de Guardiões da Galáxia, que entra em circuito nacional nesta quinta-feira, 31, não deixou a modéstia atrapalhar ao dizer que o novo grupo da Marvel seria os Rolling Stones dos heróis - os Vingadores seriam uma espécie de Beatles dos encapuzados. O excesso de otimismo, hoje sabemos, tinha sentido. Ele possuía uma mina inexplorada diante dele, bastava encontrar uma picareta e suar um pouquinho.
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E logo surgiram cinco joias, o quinteto que protagoniza o filme mais ousado - e por isso divertido - da história da Marvel. Cinco anti-heróis complexos, desajustados em uma galáxia prestes a entrar em ebulição com uma nova ameaça capaz de dizimar raças inteiras. Os cinco têm uma química incomparável, cheios de humor apurado e dado a heroísmos e sacrifícios quando necessário.
Peter Quill (Chris Pratt) é um terráqueo que deixa o planeta sem querer ainda criança. Criado por um grupo de piratas do espaço, os Saqueadores, especializa- se em encontrar artefatos raros e vendê-los a preços altíssimos. Pratt entrega ao personagem o senso cômico, o bom coração e a tentativa de ser galante de Andy, personagem da série Parks and Recreation. Ah, ele também atende pelo apelido de Lorde das Estrelas, criado pelo próprio, embora ninguém pareça lembrar-se da existência dele.
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Gamora (Zoë Saldana) é uma assassina modificada geneticamente para matar. É infeliz e cheia de raiva pela condição dela. Drax, o Destruidor (Dave Batista), é outro com gosto por sangue e vingança após o assassinato da esposa e filha, sem a capacidade de entender as figuras de linguagem e metáforas. Por fim, temos Rocket (dublado por Bradley Cooper), um engenhoso, ácido e nervosinho guaxinim, mais um fruto de experiências de laboratório com gosto por destruição e armas de fogo, e Groot (voz de Vin Diesel), uma espécie de árvore de forma humanoide cujo vocabulário se resume a três palavras "eu", "sou" e "Groot", nessa ordem.
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Quill – ou melhor, Lorde das Estrelas, já estava esquecendo-me do apelido – é uma espécie de Luke Skywalker, órfão e com o pai ainda desconhecido, que quer ser malandro e bonachão como Han Solo, mas não consegue. O coração dele é grande demais. É também o coração do novo Guardiões da Galáxia, e o condutor da história que nos leva para lugares e planeta desconhecidos do universo, cheio de mitologias próprias, raças bastante únicas e perigos por todos os lados. E, principalmente, conflitos internos densos o bastante para crermos neles.
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Em tempos nos quais estamos, com a máquina de Star Wars voltando a ser colocada em funcionamento, com o diretor J.J. Abrams no comando, Guardiões dá um golpe certeiro. Traz uma aventura espacial com efeitos visuais belíssimos, sem se levar a sério em excesso e transbordando em referências pop: o ator Kevin Bacon é citado como o “grande herói” do filme Footlose, de 1984 – como não amar? Mas também há nerdices espalhadas por todo o longa, principalmente na aparição do personagem O Colecionador, interpretado por um convincente Benício Del Toro, sua sala repleta de quinquilharias do espaço.
Não é apenas o humor que coloca Guardiões da Galáxia entre os filmes de heróis mais divertidos da safra recente. A ação – de qualidade e justificada, ouviu Michael Bay? – surge do começo ao fim, com perseguições no espaço de tirar o fôlego e uma ousadíssima fuga de uma prisão de segurança máxima.
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A história montada por Gunn, que assina o primeiro rascunho do roteiro, que depois passou pelas mãos da estreante Nicole Perlman, gira em torno de uma fita cassete – sim, uma daquelas fitinhas das quais você não se lembrará a menos que tenha mais de 20 anos. A relíquia em um universo cheio de tecnologias, lasers e naves espaciais, é carregada por Quill e traz a trilha sonora mais retrô e impactante de um filme da Marvel. É uma compilação com o divertido nome de Awesome Hits Vol. 1, cheia de deliciosos hits pop dos anos 1960 e 1070, gravados lá no fundo da nossa cabeça que despertam nas primeiras notas, desde Blue Swede (com a eufórica “Hooked on a Feeling”), passando por David Bowie (o extraterreste Ziggy Stardust em plena forma com “Moonage Daydream”), The Runaways (a sempre explosiva “Cherry Bomb”) e chegando a Jackson 5 (com o pequeno Michael Jackson mostrando como se tornaria o Rei do Pop com “I Want You Back”). Há ainda espaço para lados B divertidíssimos como “Go All the Way” (Raspberries), “Fooled Around and Fell in Love” (Elvin Bishop), “O-O-H Child” (The Runaways).
Ouça a trilha sonora do filme:
Guardiões da Galáxia é o décimo filme da Marvel desde que Robert Downey Jr. aceitou usar a armadura do Homem de Ferro e mudou o jogo dos blockbusters, em 2008. A galinha dos ovos de ouro estava nas HQs, bastava a chegada dos efeitos especiais convincentes e profissionais decentes para roteiro e direção. E depois de tomar a dianteira, a editora/estúdio vê a rival DC Comics também criar grandes planos para criar um universo próprio de heróis nas telonas, culminando em um longa da Liga das Justiça, com Batman, Superman, Lanterna Verde, Mulher Maravilha e companhia, assim como a Marvel fez com Os Vingadores e filmes solo do já citado Homem de Ferro, Capitão América e Thor.
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O filme de James Gunn, contudo, inverte a lógica de mercado. O grupo que hoje conhecemos e temos a oportunidade de ver na tela como Guardiões da Galáxia não tem história de década nos quadrinhos. A própria formação dos cinemas só se reuniu no final da primeira década dos anos 2000. Com frescor e sem a necessidade de lidar com uma massa gigantesca de fãs ferrenhos, Gunn teve liberdade excepcional para criar seu próprio filme, despretensiosamente delicioso. Não é por acaso que o diretor anunciou a sequência da história antes mesmo da estreia do primeiro filme.
Gunn compara o grupo de desajustados que se transforma em os Guardiões da Galáxia aos Rolling Stones dos heróis, mas a metáfora poderia ser ainda mais ousada. Eles seriam aquela banda pequenina, bem indie e que só você conhece, vinda de algum lugar com pouca tradição como Ohio ou Michigan, nos Estados Unidos. Através das mãos de um bom produtor, eles chegariam às rádios, sairiam de shows em cubículos para apresentações em grandes casas e, quiçá, estádios. Você certamente não gosta da superexposição, queria eles só para você, mas sabe que é hora da banda (ou melhor, de Guardiões da Galáxia), ganhar o mundo.
Trailer estendido de Guardiões da Galáxia: