Banda surpreende com álbum que usa a influência do punk rock para lidar com os tempos conturbados no Brasil
Pedro Antunes Publicado em 15/03/2019, às 13h32
Foi no segundo single que a faísca virou fogo. A chama encontrou a gasolina. E o que os ouvidos pré-estabeleceram sobre o som da Francisco, El Hombre, foi para os ares. Explodiu. Virou fumaça e cinza.
No dia 13 de fevereiro, a banda formada por Juliana Strassacapa, Mateo Piracés-Ugarte, Sebastián Piracés-Ugarte, Andrei Martinez Kozyreff e Rafael Gomes, colocou nas plataformas digitais “CHAMA ADRENALINA :: gasolina” (sim, eles têm um apreço por grafias diferentes, mas você se acostuma com o tempo).
A música, a segunda prévia do trabalho, era oposta à canção "O TEMPO É SUA MORADA :: celebrar", lançada antes e a mais (e única) vagarosa faixa do novo disco deles.
O lançamento de cada uma das músicas foi planejado pela Francisco, El Hombre para levar seu público (novo e velho) ao clima incendiário, urgente, e brilhantemente esquisito de RASGACABEZA, o segundo disco deles, lançado nesta sexta-feira, 15.
"O TEMPO É SUA MORADA :: celebrar", explica Mateo Piracés-Ugarte à Rolling Stone Brasil, é uma canção criada a partir das experiências deles no Dia de Los Muertos (ou Dia dos Mortos), no México, no ano passado. A música funciona como essa despedida, respeitosa, do que vivenciaram em SOLTASBRUXA, o álbum de estreia, celebradíssimo, de 2016.
"O Dia dos Mortos tem uma ideia interessante de dar um novo significado para a morte. De nunca se esquecer, de celebrar as pessoas que morreram. A ideia era essa, matar o Soltasbruxa", explica Mateo.
Na música, a voz poderosa de Juliana Strassacapa, que ganhou o País com o sucesso de "Triste, Louca ou Má" (vinda do álbum anterior e imensamente popularizada ao ser usada na novela da TV Globo O Outro Lado do Paraíso, em 2017), decreta um, mas não sem homenageá-lo.
"Não vou esquecer, vou te celebrar", canta ela, vagarosa e com pesar. SOLTASBRUXA, agora, iria descansar. Era hora de algo mais quente.
E a Francisco, El Hombre apresentada em RASGACABEZA se aproxima mais do segundo single, "CHAMA ADRENALINA :: gasolina", uma faixa poderosíssima sobre o fogo. "Taco gasolina na tua monotonia / Chama adrenalina", eles cantam, ou gritam, uníssono, em marteladas nos tímpanos.
"A gente sabia que a música seria bastante diferente do que as pessoas esperavam. Principalmente se fosse comparada à 'Batida do Amor'", ele explica, e cita uma música do projeto de união das bandas Francisco, El Hombre e Braza, transformando-as em Francisca La Braza, cujo EP saiu no fim do ano passado.
"Lançamos para ver a reação da galera, sabe? Ajudaria na mudança abrupta de página. E para começar o ano sem monotonia, com os dois pés no peito, mesmo."
Cada uma das oito faixas do novo disco da Francisco, El Hombre também terá um clipe. "Talvez até mais do que um", revela Mateo.
RASGACABEZA ferve com o espírito punk, de revolta contra as transformações conservadoras pelas quais a sociedade brasileira passou ao longo do segundo semestre de 2018, com o resultado das eleições presidenciais, e o início conturbadíssimo em tantos aspectos de 2019.
"Estamos realizando o nosso sonho de infância de ter uma banda punk", brinca Mateo - ou fala sério, porque afinal o Francisco, El Hombre do novo disco é bastante punk.
É punk na energia, no ritmo disparado e, principalmente, no discurso inflamado. RASGACABEZA tem a urgência, sem precisar do tradicional esmurrar as cordas da guitarra com da distorção ligada na frequência mais alta.
Quem frequentou os mais recentes show da Francisco já conhece essa nova entergia entregue por eles no segundo disco. As apresentações da banda, costumeiramente vivíssimas, passaram a ganhar mais da intensidade que viriam a ter novo álbum. Tudo, afinal, faz parte do processo de criação do segundo disco.
"Para gravar, nós nos reunimos e mostramos as música que criamos individualmente. Ouvimos cada uma das ideias. Eu coloquei umas 35 ideias, meu irmão [Sebastián Piracés-Ugarte], umas 30, a Ju [Juliana Strassacapa] trouxe por volta de 20. E, então, jogamos tudo fora", explica Mateo.
Francisco, El Hombre compõe em conjunto, como conta o músico. A ideia da sessão inicial é entender "em qual ponto cada um está", ele explica. "Nós, individualmente, temos influências diferentes. A banda funciona porque unimos tudo isso."
RASGACABEZA, contudo, não foi criado dentro de um processo tradicional e quadradinho de gravação de disco. Banda dos palcos, Francisco, El Hombre registrou trechos do álbum em diferentes lugares da América Latina, durante a turnê do trabalho anterior. De sons gravados em Santiago, no Chile, a Goiânia - rolou até beat gravado no céu, durante uma viagem de avião.
Além disso, eles também samplearam o som de instrumentos de vídeos de pequeníssimos números de visualizações no YouTube. Tudo deu uma cara mais industrial e soturna para RASGACABEZA.
"Somos uma banda que tem 700 shows. A gente não para de rodar", explica Mateo, ao justificar a ausência da "pausa para gravar um disco" tão comum no meio. "É claro, depois desse início, começamos a estruturar o disco no estúdio montado na cozinha do meu irmão e no estúdio do meu quarto", ele explica.
"É uma colcha de retalhos", analisa Mateo, o que é bem contemporâneo, aliás, já que vivemos hoje em uma sociedade fragmentada e virtual. E, no caso da Francisco, El Hombre, o processo condiz com a postura de "faça-você-mesmo" que sempre esteve presente entre eles - e, aliás, é parte fundamental da filosofia punk. "Quando o trabalhador se apropria dos meios de produção, ele é dono do próprio produto", teoriza o músico.
O mítico produtor Carlos Eduardo Miranda, morto em março de 2018, esteve presente no período de pré-produção do disco. "Miranda dizia que não gostava do SOLTASBRUXA. Falava que era importante, mas não gostava porque ele era tudo ao mesmo tempo, 8 e 80", recorda Mateo.
O produtor indicou o grupo, então, a escolher um caminho a seguir, ele dizia algo como: "Vocês precisam encontrar alguma das coisas que vocês são e puxem para esse extremo. Ao máximo".
"O Miranda começou a fazer a produção do disco sem que a gente o convidasse. E ele virou nosso melhor amigo", recorda Mateo. RASGACABEZA também é uma homenagem ao produtor.
A partir da guia inicial de Miranda, o grupo entendeu como deveriam soar em 2019. E era ser explosivo. "Depois daquele ano de 2018, nós queríamos responder. Vamos dar fogo, explosão. Vamos ser dedo na ferida, cutucando, indicando por meio da atitude. Foi uma descoberta puxar um dos nossos lados.
Fogo, aliás, é uma temática recorrente em RASGACABEZA. "Meto dedo na ferida e queimo todo o jogo", eles dizem, em "MANDA BALA FOGO :: não preciso de você", canção de versos falados em velocidade impressionante.
Essa música, em companhia de "CHAMA ADRENALINA :: gasolina" e, principalmente, "CHÃO TETO PAREDE :: pegando fogo", formam o trio de ferro quente do disco. Há outros nuances no álbum, contudo, como a estonteante "TRAVOU :: tela azul", de narrativa de uma melancolia cruel, erguida por um som trópico-industrial viciante.
Mas a mensagem "dedo na ferida" sobressai. Como um disco que canta o apocalipse enquanto ele acontece, RASGACABEZA mostra que a batata de todo mundo tá assando.
"Ta pegando fogo, pegando fogo pegando fogo /
Parede pegando fogo, pegando fogo pegando fogo /
O Teto pegando fogo, pegando fogo pegando fogo /
Palácio pegando fogo, pegando fogo pegando fogo", eles cantam em "CHÃO TETO PAREDE :: pegando fogo".
O Brasil está em chamas, embora há quem negue. A Francisco El Hombre não só percebeu, como vai gritar por aí, com a intensidade de sempre, pronta para abrir os olhos forçadamente fechados.
"Entendemos o microfone e a responsabilidade social que ele traz", explica Mateo, sobre a temática atual e necessária de RASGACABEZA, mas ao mergulharem nesse edifício em chamas, eles ainda fazem no "Francisco, El Hombre style. "Ao mesmo tempo, a gente é zoeiro, né? Tem isso também", diz Mateo, aos risos.
Ouça, abaixo, o disco RASGACABEZA, da Francisco, El Hombre:
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