Daniel Kaluuya em <i>Corra!</i> - Divulgação

Afiado e inteligente, Corra! comenta racismo com humor inusitado

Longa é a estreia do comediante Jordan Peele na direção

Paulo Cavalcanti Publicado em 18/05/2017, às 14h15 - Atualizado em 23/01/2018, às 18h43

Um dos filmes mais elogiados de 2017, Corra! é um trabalho que resgata elementos do passado, junta uma porção de estilos cinematográficos e, ainda assim, consegue um resultado vital e cheio de frescor. O mais surpreendente é que este é o primeiro trabalho por trás das câmaras de Jordan Peele, comediante que se consagrou no programa Key & Peele, do canal Comedy Central, e como integrante do elenco da Mad TV. A segurança e a inventividade que Peele demonstra já apontam que ele será um grande cineasta.

No começo, o longa parece um remake de Adivinhe Quem Vem para o Jantar?, controvertido clássico lançado há exatamente 50 anos. Naquele filme, uma garota liberal (Katharine Houghton) leva o noivo interpretado por Sidney Poitier para conhecer os pais dela, vividos por Spencer Tracy e Katherine Hepburn. Em Corra!, a situação é exatamente a mesma: Chris (Daniel Kaluuya) é um jovem inteligente e promissor fotógrafo que namora Rose Armitage (Alison Williams, de Girls). Depois de cinco meses juntos, ela finalmente acha que é momento de ele conhecer os pais dela. “Eles sabem que eu sou negro?”, ele pergunta a ela.

Chris e Rose rumam para um luxuoso subúrbio para passar o fim de semana na casa de campo dos pais dela, Dean (Bradley Whitford) e Missy (Catherine Keener). Ele é neurocirurgião e ela trabalha com hipnose. Eles são os típicos liberais brancos bem-sucedidos da classe média alta norte-americana. “Se Obama concorresse a um terceiro mandato, eu votaria nele”, Dean fala a Chris. A princípio, eles se mostram calorosos e receptivos. Mas Chris percebe algo sinistro e obscuro em cada passo que dá na suntuosa casa dos Armitage. Ele sente que está sendo vigiado e fica ainda mais desconfiado quando nota que os criados negros dos Armitage agem como se estivessem no tempos de A Cabana do Pai Tomás.

O pior é que, sem que Chris soubesse, o fim de semana foi reservado para uma estranha reunião. Os convidados dos Armitage vão chegando, todos são brancos, ricos e de meia-idade. Eles demonstram uma curiosidade antropológica em relação a Chris. Ficam perguntando ao rapaz “como é ser negro?” e ressaltam que é uma raça com incríveis qualidades. Perplexo, Chris ainda por cima encontra um conhecido, Andre (LaKeith Stanfield), um rapaz negro que havia desaparecido misteriosamente. Chris nota que o rapaz, que era um cara descolado conhecido como Logan King, virou um “negro de alma branca” e aparenta estar sob algum tipo de hipnose. Aí sim as coisas começam a se encaixar.

Corra! é um filme inteligente e que alfineta de maneira incisiva a auto-indulgência preguiçosa do liberalismo branco norte-americano. Mas o longa não toma partido de lado algum, ainda mais nos tempos de divisão que os Estados Unidos vivem. É um retrato fiel daqueles que dizem não serem racistas, mas dominam de forma sutil aqueles que eles consideram inferiores. São pessoas cheias de preconceito, que exercitam o politicamente correto, mas que nunca apertaram a mão de uma pessoa de outra cor e tratam os cidadãos de outras classes sociais com condescendência e um desdém velado.

Não se engane: este não é um filme moralista e choroso sobre justiça social. No terceiro ato, Corra! é uma explosão de humor negro, mutilação e sangue, com as ações se acumulando de uma maneira bizarra e catártica. Toda a tensão velada do começo é escancarada de forma enervante, tornando Corra! imperdível.

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