Somos Tão Jovens - Thiago Mendonça - Divulgação

Somos Tão Jovens expõe a vida de Renato Russo antes da criação do mito

Filme mostra o embrião do Legião Urbana e da geração de punk rock brasiliense que explodiu com o inconformismo jovem nos anos 70

Pedro Antunes Publicado em 02/05/2013, às 15h52 - Atualizado às 18h55

Renato Manfredini Júnior era um adolescente doce, com ossos frágeis e poucos amigos. Tão orgulhoso quanto acuado por seus próprios sentimentos. O garoto na telona, interpretado por Thiago Mendonça, ainda não era Renato Russo – mesmo que lá pela metade do filme, ele comece a se chamar desta forma. Somos Tão Jovens expõe Russo antes da criação da mitologia em torno dele.

A produção, dirigida por Antônio Carlos da Fontoura, chega aos cinemas nesta sexta-feira, 3, guiada pela força de um ídolo do rock nacional em seu período embrionário, de construção de caráter, e perdido diante do inconformismo punk. Renato Manfredini Júnior ainda não sabe que será Renato Russo, desconhece o poder da sua própria obra: um dos melhores letristas de todos os tempos.

A construção de Renato como ícone insere-se em um fértil período musical em Brasília, que conduziu os atentos ouvidos do país para a capital federal, uma cidade ainda em desenvolvimento e sem identidade. Somos Tão Jovens ajuda a entender como o nasceu o punk nacional e expõe a jovem cidade, fundada em 1960, como protagonista tão importante quanto Fê Lemos, jovem baterista que encontrou afinidades musicais com Renato. Eles, juntos, criaram a banda Aborto Elétrico.

Leia entrevista com Thiago Mendonça: “Eu acho que esse lance de cantar é um ato de coragem”.

Brasília é mostrada como o lugar mais tedioso possível. Uma cidade que não oferece entretenimento para os jovens que viviam ali na década seguinte ao seu nascimento. Dura, cinzenta e gélida como as grandes construções onde as mais importantes decisões políticas envolvendo o país eram tomadas.

Neste ambiente opressor e ainda sem identidade, adolescentes de classe média e alta vivem no tédio e encontram, no punk vindo principalmente do Reino Unido, a forma de extravasar toda a energia acumulada. Filhos de embaixadores, cônsules, políticos e bancários, a maioria com uma vida financeira estável, decidem rasgar suas calças e camisetas, espetar os cabelos e, armados de guitarras, baixos e baterias (compradas com o dinheiro dos pais), partem para o ataque, contra tudo e todos.

Ainda que Somos Tão Jovens tenha sido criado para contar a história de Renato Russo, a forma com que o filme expõe a atmosfera musical de Brasília é um dos seus grandes trunfos. Porque, afinal, Renato não estava sozinho e provavelmente nunca teria chegado ao patamar icônico de hoje se não fosse a efervescente cena de rock candango que borbulhava na cidade. Renato, sim, é o filho prodígio, mas também é fruto de um movimento coletivo.

O diretor Antônio Carlos da Fontoura e o roteirista Marcos Bernstein, de Central do Brasil e Meu Pé de Laranja Lima, acertam ao não tentar abraçar a vida toda de Renato, que morreu aos 36 anos, em 1996. Buscaram uma peça fundamental do quebra-cabeça do músico, a sua adolescência em Brasília, em vez da bem-sucedida década de 80.

O próprio Legião Urbana é pouco explorado no filme, que funciona como um prólogo para aquilo tudo que estava por vir. Assistimos ao nascimento do Aborto Elétrico, que, ironicamente, foi o embrião bem-sucedido o bastante para posicionar o nome de Renato Russo como uma figura central do movimento punk e pós-punk brasiliense.

Renato chega à cidade depois de viver no Rio de Janeiro e Nova York. Tem poucos amigos e, aos 15 anos, descobre ser portador de epifisiólise, uma rara doença óssea que o obriga a ficar de cama por meses. Enfia-se em livros e, principalmente, em fitas cassete. Sua única e verdadeira companheira é Aninha, vivida por Laila Zaid.

Aos poucos, vamos sendo apresentados a figuras que acompanharam esse início de carreira de Renato, como os irmãos Fê e Flávio Lemos (ambos do Capital Inicial), interpretados por Bruno Torres e Daniel Passi, respectivamente, que o abraçaram, deram a ele uma tribo, uma turma e espaço para que pudesse começar a se desenvolver como letrista. Juntos, eles fundaram o Aborto Elétrico, banda se rapidamente se inseriu na cena punk da cidade.

Somos Tão Jovens, contudo, é um filme que sofre com altos e baixos. Cenas primorosas são seguidas por outras cuja atuação dos atores deixa a desejar. Foge de polêmicas, como drogas e sexo. A própria homossexualidade de Renato é retratada de forma puritana e leve. Tudo ganha um ambiente mais família e menos “sexo, drogas e rock and roll” que a época sugeria – estamos falando do nascimento de um movimento punk no Brasil em plena década de 70, afinal de contas.

O grande exagero da produção é em tentar inserir versos das canções de Renato nos diálogos, como já pode ser visto no trailer (assista abaixo). Uma saída pouco criativa e rasa – são referências escancaradas que pouco acrescentam e ainda soam quase ofensivas e infantis.

Mas a força de Renato e da atuação de Thiago Mendonça fazem dos contras algo passageiro. Se, no início, Thiago soa excessivamente teatral e pouco convincente, o passar dos anos o coloca como um grande e fiel retrato do músico, até fisicamente. Trejeitos, as mexidas compulsivas nos óculos, as dancinhas com os braços juntos ao corpo, tudo remete a um bem-feito trabalho de pesquisa. O ator também merece elogios por tocar e cantar verdadeiramente em cena.

O filme chega ao fim nos primeiros passos da Legião Urbana, antes da popularidade nacional. Uma hora e 44 minutos depois, Mandrefini Júnior se transforma em Russo. Renato ainda é frágil, doce e inconformado. Mas, a essa altura, já é um mito.

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