Do primeiro rap às parcerias com Elis Regina, há 80 anos, nascia Jair Rodrigues de Oliveira
Guilherme Bryan* Publicado em 06/02/2019, às 09h00
É impossível pensar na história da música brasileira da segunda metade do século 20 e não destacar o nome de Jair Rodrigues, nascido 80 anos atrás, em 6 de fevereiro de 1939, em Igarapava, interior do estado de São Paulo.
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Jair Oliveira Rodrigues era conhecido pela alegria, um sentimento exuberante exibido nos palcos, nos quais ele até plantava bananeira, nos discos (mais de 50, boa parte deles disponível na internet) e também entre os seus.
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Essa jornada foi interrompida em 8 de maio de 2014, em decorrência, de um infarto agudo no miocárdio, sofrido na sauna da sua casa, em Cotia, também em São Paulo.
Engraxate, mecânico e pedreiro antes da fama
Antes de se consagrar como cantor, Jair Rodrigues trabalhou como engraxate, mecânico e pedreiro, até começar a cantar na noite de São Carlos, no interior de São Paulo, e se destacar nos programas de calouros da televisão. Dali, foi um pulo para a gravação do primeiro disco, O Samba Como Ele É, de 1964, em que destacou “O Morro Não Tem Vez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
“Ele tinha um desejo imenso de se tornar um cantor de samba e batalhou por isso cantando na noite de São Paulo, desde quando era menor de idade. Teve uma infância difícil. Tentou ser jogador de futebol, mas quando encontrou a música seguiu firme até gravar o seu grande sucesso: ‘Deixa que digam, que pensem, que falem...’”, conta a jornalista Regina Echeverria, autora do livro Jair Rodrigues – Deixa que Digam, Que Pensem, Que Falem (Imprensa Oficial, 2012).
Primeiro rap do Brasil
Também em 1964, Jair Rodrigues gravou e lançou o segundo álbum, Vou de Samba com Você, que revelou e consagrou um dos maiores sucessos da carreira dele, “Deixa Isso Pra Lá”, de Alberto Paz e Edson Menezes.
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“Sem dúvida, é uma das marcas do Jair. A música é alegre, tem a dancinha das mãos, expressa como nenhuma outra o espírito dele. Além disso, foi um marco da música brasileira, nosso primeiro rap", explica Rubens Rewald, que prepara o documentário Deixa que Digam, com direção conjunta com Rodolfo Castilho, e previsto para estrear em festivais no segundo semestre.
Ele continua: "Os versos falados, não cantados, foram totalmente inovadores, uma vanguarda para a época. Não à toa vários rappers da atualidade têm o Jair Rodrigues em altíssima conta. Rappin’ Hood, por exemplo, não se cansa de falar da importância do Jair para o rap nacional.”
Dupla com Elis Regina
No ano seguinte, em 1965, Jair Rodrigues viveu outro momento bastante marcante de sua carreira. Ele passou a comandar, nas noites da TV Record, o programa O Fino da Bossa, junto de Elis Regina, a respeito do qual o próprio Jair comentou para o site da Rolling Stone Brasil, em 19 de janeiro de 2012:
“Eu estava começando a ter meus sucessos, como ‘Deixa Isso Pra Lá’, e ela vinha dos festivais, com ‘Arrastão’”. Os dois se conheceram nos bastidores do programa Almoço com as Estrelas, comandado pelo casal Airton e Lolita Rodrigues, na TV Tupi.
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“Éramos da mesma gravadora. A gente se encontrava na noite, mas foi no programa onde ficamos batendo papo mais à vontade. Ela disse que era minha fã e que gostaria que eu desse um autógrafo para ela, e eu sugeri trocarmos as gentilezas. A partir dali, nasceu uma grande amizade”, garantiu.
Surgiu também um sucesso consagrador na televisão e também nos discos. “Nós juntávamos a fome com a vontade de comer. Era uma alegria geral, total e irrestrita, tanto fora, como dentro do palco. Nós vivíamos num mar de rosas”.
+++ Jair Rodrigues foi um grande parceiro musical de Elis Regina.
O encontro de Jair Rodrigues e Elis Regina rendeu álbuns que são referências absolutas na história da música brasileira. Trata-se dos três volumes de Dois na Bossa. No primeiro, o compositor mais presente é Vinicius de Moraes, com novamente "O Morro Não Tem Vez", “Samba do Carioca” (com Carlos Lyra), “A Felicidade” (com Tom Jobim) e “Arrastão” (com Edu Lobo).
Dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, foram gravadas “Preciso Aprender a Ser Só” e “Terra de Ninguém”. “O resultado foi excelente. Jair e Elis eram dois artistas extremamente populares e ajudaram, em muito, a dar notoriedade a essas duas músicas", lembra Paulo Sérgio.
As versões, contudo, não agradaram a todos. "Algumas pessoas torceram o nariz achando que era demasiadamente popular. Eu, particularmente, gostei muito, porque sempre me considerei um compositor popular”, conta.
“Disparada” no Festival da Record
Bastou apenas um ano para que, em 1966, Jair Rodrigues vivesse outro grande momento de sua carreira: a interpretação da bastante politizada, em pleno regime militar, “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros.
No palco, ele foi acompanhado pelos trios Marajá e Trio Novo. Resultado: Chico Buarque recusou-se a vencer o II Festival da Música Popular Brasileira, exibido pela TV Record, com “A Banda”, como desejava o júri.
Chico reconhecia “Disparada” como a vencedora. Foi decretado, então, um empate das duas em primeiro lugar.
+++ Jair Rodrigues disse que "Disparada" foi a música da vida dele. Assista ao vídeo.
"A parceria com Elis e a interpretação de ‘Disparada’ praticamente caíram no colo de Jairzão, por sincronicidade e vontade do destino para se tornarem presentes que ficariam para a história da MPB. Quem mais conseguiria colocar aquela energia com tanta precisão? Foram momentos em que, certamente, Jairzão conquistou em definitivo o respeito de muitos!”, garante Alexandre Sorriso, que prepara o documentário “Jairzão”, ainda sem data definida de lançamento.
Namoro com o sertanejo
Apesar de ser extremamente associado ao samba, Jair Rodrigues flertou com a música sertaneja, emplacando sucessos como “O Menino da Porteira”, “Boi da Cara Preta” e “Majestade o Sabiá”, composta por Roberta Miranda e interpretada junto com Chitãozinho & Xororó.
“O que se destaca em Jair Rodrigues é a versatilidade. Ele cantou – e muito bem! – samba, rap, MPB, sertanejo... Quantos artistas conseguem transitar de um estilo musical para outro com a mesma maestria? Jair Rodrigues era um cantor muito talentoso, versátil, habilidoso. E era o capeta no palco, não parava um segundo de brincar, pular, fazer pirraça. Ele quebrou o formalismo reinante dos cantores de sua época, com sua irreverência sem igual”, garante Rubens Rewald, que também dirigiu, junto de Rossana Foglia, o filme Super Nada, em que Jair atuou.
Em família
A mesma alegria e irreverência permaneciam em casa, no convívio familiar, como conta o filho Jair Oliveira: “Ele deixou um legado muito grande não só musical, mas principalmente de alegria. Ele certamente continua sendo a pessoa mais alegre, divertida e cheia de energia que encontrei na minha vida. E acho que vai ser difícil encontrar alguém que o supere. Ele não tinha máscara".
"Era genuíno dele essa coisa descontraída e, às vezes, até exagerada, porque a família que convive com isso o tempo todo, acaba falando: ‘Acalma um pouco aí, sujeito’ (risos)”, conta Oliveira.
Vivendo desde muito cedo em meio ao bastidores de shows, ensaios e gravações, era mais do que natural que o filho optasse pela carreira de cantor e compositor.
“Às vezes, eu deixava de brincar com meus amigos para ficar com meu pai, assistindo ali o que ele estava fazendo. Era já um indício muito forte de que eu tinha a mesma paixão pela música que ele. Quando comecei a compor, também percebi a influência na minha ligação com o samba, que eu conheci através dos discos dele”, conta Jair Oliveira.
O que uniu ainda mais pai e filho foi que Jair Oliveira produziu cinco dos últimos álbuns de Jair Rodrigues – 500 anos de Folia, volumes 1 e 2 (1999 e 2000), Intérprete (2002) e Samba Mesmo volumes 1 e 2 (2014), sendo que dois desses foram indicados ao Grammy Latino.
“Ele nunca se meteu diretamente nas minhas decisões musicais, mas, quando eu voltei da faculdade de música em Boston, nos Estados Unidos, aconteceu um pouco o contrário. Eu comecei a produzi-lo e muitas vezes dava um direcionamento para as gravações e aí tive a oportunidade de desenvolver um laço ainda maior com ele, não só profissional, mas também pessoal”, conta.
O projeto Samba Mesmo, que foi o derradeiro na obra de Jair Rodrigues, contou com grandes sambas que nunca haviam sido gravados por ele e a participação de músicos do mais alto nível, caso do violonista Swami Junior, que também atuou como arranjador.
“Foi um trabalho incrível, um privilégio e uma honra muito grande estar com um artista do tamanho do Jair, a convite do Jairzinho. Ali ele estava mais livre, cantando coisas que adorava, e eu tive bastante liberdade para pensar nos arranjos. É um trabalho bonito da carreira dele, num momento já consagrado. As lembranças em estúdio são maravilhosas, com entrega e intensidade absurdas. Quando estava passando a música, ele já se emocionava muito e cantava com o coração”, avalia.
Junto com o pai e a irmã também cantora, Luciana Mello, Jair Oliveira caiu na estrada num show em família, que agora foi resgatado e transformado pelos dois numa homenagem aos 80 anos que Jair Rodrigues completaria.
Os shows aconteceram na última segunda, 4, e terça-feira, 5, no Theatro Net, em São Paulo. “A gente certamente vai fazer esse show em outras cidades e novamente em São Paulo, quantas vezes as pessoas quiserem, porque é uma grande alegria poder levar adiante o legado de Jair Rodrigues”, finaliza Jair Oliveira.
*Guilherme Bryan é professor do Centro Universitário Belas Artes e autor dos livros Quem Tem um Sonho Não Dança - Cultura Jovem Brasileira dos Anos 80, e Teletema - Uma História da Música Popular pela Teledramaturgia (com Vincent Villari).
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