Pitty no João Rock 2015 - Caio Rodrigues/Divulgação

João Rock 2015: confiança de Pitty e urgência de Criolo equilibram maratona musical no interior

Apoiado em artistas consagrados, festival de Ribeirão Preto falha em não abrir espaço para nomes emergentes

Lucas Brêda, de Ribeirão Preto Publicado em 14/06/2015, às 22h29 - Atualizado às 23h09

É quase inegável a importância do festival João Rock para a região do interior de São Paulo e Minas Gerais. O evento, que acontece de forma anual há 14 anos, promove uma maratona de shows pouco comuns à cultura majoritária – o sertanejo –, e consegue reunir públicos expressivos (foram mais de 40 mil em 2015), carentes deste tipo de atração na agenda cultural de suas cidades.

Este ano, o festival – que aconteceu no último sábado, 13 – superlotou o palco principal de bandas consagradas, na certeza de uma quantidade absurda de hits. Entre eles estiveram Criolo, Pitty, Skank, Planet Hemp, CPM 22, Capital Inicial, Frejat, Detonautas e Raimundos. Sem contar a presença de Gabriel O Pensador e do tributo ao Legião Urbana, o Urban Legion, ambos no palco Universitário.

Nos últimos anos, o João Rock conseguiu agregar comodidade e relativo conforto à estrutura do evento, com dois palcos adjacentes constituindo o palco principal, como acontecia no SWU, de modo a agilizar o tempo entre os shows. Este ano, a técnica foi abandona, com o palco principal no modelo tradicional, com apenas um espaço para shows.

O resultado não foi nada agradável – e talvez o maior problema da edição 2015 do festival –, com um atraso que começou no primeiro show grande (Criolo, que subiu ao palco meia hora depois) e se acumulou até o último acorde do evento, promovido pelo Raimundos, às quase 6h da manhã. Digão e companhia deveriam subir ao palco às 1h25, mas só começaram a tocar depois das 4h30.

O atraso fez com que o público fosse rareando conforme a madrugada chegava. Os shows do CPM 22 e Planet Hemp, que aconteceram já depois da meia noite, foram os primeiros a sofrer com a fadiga da plateia. A confusão de horários e incompatibilidade com o cronograma também se aplicou ao palco Universitário, de atraso equivalente ao palco principal.

Outras mudanças ocorrem na colocação de cadeiras e mesas (uma “praça de alimentação”) próxima ao palco Universitário. Além disso, com o evento tendo todos os ingressos esgotados com antecedência, a grande quantidade de público sofreu mais com filas para banheiro e bar, ainda que nada suficiente para comprometer a experiência.

Força do equilíbrio

Em meio a repertórios cada vez mais recheados de músicas antigas, artistas mais ligados ao presente conseguiram equilibrar melhor uma apresentação que reunisse celebração e expressão artística. Foi o caso de Criolo, primeiro grande nome a subir ao palco principal, responsável pela performance mais necessária do evento.

É verdade que o público ainda chegava e se acomodava quando o rapper paulistano deu início ao show – com “Convoque Seu Buda” e “Esquiva da Esgrima”, as duas primeiras faixas do mais recente disco dele, Convoque Seu Buda (2014) –, mas nem por isso a apresentação dele perdeu em entusiasmo.

“Por mais árvores e menos prédios”, disse ele, encarando o horizonte. Concorde ou não o ouvinte, Criolo é um artista que tem algo a dizer, cujas preocupações geram reflexão – seja de choque ou de epifania. “Toda cultura vira comércio a ponto de degradação”, cantou, provocando até mesmo o tipo de ambiente, de comercialização da cultura, que marca os festivais de música.

Em tom messiânico, ele reverenciou os “professores” Cazuza e Raul Seixas, e mesclou bem as músicas de seus dois últimos álbuns. “Grajauex”, “Duas de Cinco” e “Subirusdoistiozin” empolgaram, mas a mais catártica foi o hino pessimista paulistano “Não Existe Amor Em SP”.

Única mulher a pisar no palco do João Rock 2015, Pitty usou o fato de ser minoria ao seu favor: abraçou a feminilidade e a transformou em confiança e expressão. Acompanhada por uma banda pulsante – e que não faz questão de pegar leve –, ela passeou pelos hits radiofônicos antigos e dividiu as angústias das letras com milhares dos presentes que cantaram junto.

Pitty mostrou que a renovação pela qual passou com Setevidas (2014) só pode ter lhe feito bem. E só com a autoridade que adquiriu, a baiana teve coragem de puxar faixas novas – e ainda pouco conhecidas – como “Um Leão”, de um anti-refrão grave, mostrando que tão importante quanto entreter é ser entretida pela própria arte.

De “Teto de Vidro” a “Na Sua Estante”, passando por “Máscara” e “Me Adora”, foram abundantes as faixas cantadas em uníssono pelo público. Mas o momento de maior vibração pop foi “Equalize”, cujo instrumental em menor volume destacou a voz da plateia, acompanhando a cantora a plenos pulmões.

Sem novidades

Capital Inicial e Frejat fizeram o que deles se espera sem tirar nem pôr: um show com hits de ponta a ponta compostos nos melhores momentos dos músicos. O Capital Inicial fez a tradicional homenagem ao Aborto Elétrico e Dinho Ouro Preto justificou a caricatura punk – adornada por munhequeiras e gel no cabelo – mostrando seu lado anárquico: “Alguém em Brasília representa vocês?”

Ele continuou: “Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Fernando Collor, Paulo Maluf, Aécio Neves, Dilma Roussef – algum desses te representa?”. Em seguida, o público puxou xingamentos direcionados à presidente do Brasil. O vocalista do Capital Inicial respondeu: “Na real, [o xingamento] tinha que ser para todos os políticos”. A banda tocou “Que País É Esse?”, do Legião Urbana, em seguida.

O show do Capital Inicial ainda teve um pedido de casamento do repórter do programa da Band CQC Lucas Salles à namorada. Ele disse que se esqueceu de comprar o presente de dia dos namorados e, para compensar, estava pedindo a namorada em casamento. Ela, claro, aceitou. Se era tudo uma brincadeira, ainda não se sabe.

Com seu show de sucessos, Frejat mostrou o atual momento da carreira: sem sair da zona de conforto, ele promove um karaokê gigante com o público. O momento mais engraçado aconteceu quando ele disse: “Vamos às antigas”, sendo que só havia tocado canções antigas até então.

Frejat se referia ao set do Barão Vermelho, e foi que ele fez, cantando “Bete Balanço” e “Pro Dia Nascer Feliz”. Agora, ainda mais, a selvageria e rusticidade da voz de Cazuza soa substituída pela elegância dos graves de Frejat. Ao lado de uma banda vestida quase como um grupo de talk show – com camisas combinadas e cabelos brancos –, o ex-guitarrista do Barão Vermelho parece criar um clima mais adequado à sua postura.

A eficiência noventista

Os anos 1990 voltaram à tona no palco do João Rock 2015 com a energia emanada por Skank e Planet Hemp. O grupo mineiro segue sem perder a mão na escolha de repertório e relação com o público. Faixas que remetem aos tempos mais desapegados do quarteto, como “Saideira”, soam enérgicas, e ganham contraponto numa mescla eficiente com o pop rock dos últimos discos da banda – tais quais “Ainda Gosto Dela” e “Uma Canção é Pra Isso”.

O Planet Hemp, mesmo prejudicado pelo horário (o show terminou mais de 3h da manhã), conseguiu criar momentos de pura animação. A leveza de Marcelo D2 e BNegão, revezando de maneiro entrosada os vocais, cria a liga para o potente instrumental. A cereja do bolo foi a entrada de Pitty para cantar, de maneira totalmente espontânea (ela foi quase arrastada ao palco por D2), a faixa de encerramento, “Mantenha O Respeito”.

Nostalgia anacrônica

O João Rock 2015 ainda contou com CPM 22 (de volta com as guitarras), Detonautas, Gabriel O Pensador, e deixou uma certeza: a de que faltaram artistas emergentes na escalação.

Enquanto em 2014 o Vespas Mandarinas e o Vanguart ganharam espaço, este ano, apenas uma banda em início de carreira tocou: a vencedora de um concurso organizado pelo festival. O Samanah tocou na abertura do evento, quando uma pequena fatia do público tinha chegado ao Parque de Exposições do Ribeirão Preto.

A trajetória do João Rock deixa evidente a predileção do evento pelos artistas já consagrados e que são garantia de sucesso (esse tipo de line-up também facilita a venda de ingressos). O festival, contudo, deixa de lado a oportunidade de fomentar algo novo, ou de fazer a roda girar, sem atrações menores.

Diferente do que faz o Porão do Rock, festival já tradicional de Brasília que coloca artistas menores em palcos e horários estratégicos, o João Rock segue sem abrir espaço para apostas - bandas que poderiam solidificar a carreira a partir de um show em um evento de grande nome.

A reportagem viajou a convite da organização do João Rock.

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