Jogador Nº1 é a Sessão da Tarde perfeita

Repleto de referências, filme dirigido por Steven Spielberg transita entre o passado e o futuro

PAULO CAVALCANTI

Publicado em 29/03/2018, às 11h09 - Atualizado às 18h37
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<b>Dois Mundos</b><br> Wade Watts (Tye Sheridan) sofre quando tem que encarar o mundo real, mas se dá bem quando se torna Parzival, dentro do OASIS - Jaap Buitendijk/ Cortesia de Warner Bros.

Se desse a louca em Steven Spielberg e ele hipoteticamente anunciasse que nunca mais faria nenhum outro filme na vida, Jogador Nº1 seria a palavra final perfeita. Não é o melhor filme dele, nem mesmo o mais ousado que já fez – longe disso, aliás. Mas o longa define de forma crucial o espírito que consagrou o diretor e moldou toda uma geração de cineastas que vieram depois dele. Trata-se de um comentário carinhoso e pontual a imitadores e parodiadores.

Spielberg, que foi protagonista e testemunha ocular desse período tão fértil da cultura pop que foram os anos 1980, lança aqui uma espécie de explicação sobre o motivo de essa década ser cultuada da forma como é atualmente. O cineasta não quer que ninguém se esqueça que foi ele quem moldou aqueles tempos, dirigindo ou e/ou produzindo filme como os da franquia de Indiana Jones, E.T. - O Extraterrestre, Os Goonies e De Volta para o Futuro.

Peça-chave do culto aos anos 1980, Steven Spielberg volta a um passado aconchegante e encara um futuro sombrio em Jogador Nº 1

Jogador Número 1 é baseado no livro de mesmo nome lançado em 2011 por Ernest Cline, que também cuidou do roteiro, ao lado de Zak Penn. O longa tem ação em 2045, em Columbus, Ohio. Lá, todo mundo que não for da elite (a maior parte da população) mora em horríveis cidades ferro-velho, chamados de pilhas. Para fugir da miséria, degradação e monotonia, todos passam a maior parte de seu tempo livre em um mundo virtual de videogame onde podem fazer de tudo. Pouco importa vencer qualquer tipo de jogo, a meta é permanecer por lá, vivendo em uma outra pele; a pessoa pode ser o Batman, o Beetlejuice ou qualquer personagem fictício. Ela também pode se transformar em monstro, uma criaturas mecânica, mudar de gênero e muito mais. E está liberado morrer e matar, porque como nada é real não há crime ou castigo.

Este mundo de fantasia onde tudo é possível se chama OASIS e foi criado pelo gênio excêntrico James Halliday (Mark Rylance), que morreu há cerca de cinco anos antes da ação da trama. Antes de partir, Halliday deixou um desafio: quem conseguir decifrar as várias pistas que ele plantou e cumprir uma série de tarefas no mundo on-line para adquirir as três chaves do jogo herdará a enorme fortuna dele, ganhando com isso o controle do OASIS. Halliday era fanático pelos anos 1980 e tudo no mundo fictício que inventou gira em torno de canções, jogos, filmes, programas de televisão, HQs, brinquedos, artefatos e tudo mais que fazia sucesso naquele período. Assim, o mundo vira uma legião de caçadores de pistas e decifradores de easter eggs.

Um dessas figuras que transitam pelo OASIS é o adolescente órfão Wade Watts (Tye Sheridan, que fisicamente até lembra um jovem Spielberg), conhecido pela comunidade de jogadores como Parzival. Watts é um jovem brilhante, que se destaca no mundo virtual. O melhor amigo dele é Aech/Helen (Lena Whaite), cujo avatar é um gigante gentil, gênio mecânico e expert em tecnologia. A dupla está de olho na concorrente Art3mis (Olivia Cooke), cujo avatar é similar é um anime japonês. Cheia de atitude, ela roda em uma motocicleta envenenada. Os jogadores fazem de tudo para vencer o primeiro obstáculo, cujos maiores empecilhos são o tiranossauro de Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros e o icônico King Kong.

No encalço deles também está uma dupla de jovens japoneses Daito (Win Morisaki) e Shoto (Philip Zhao), mas logo, eles se unem para tentar chegar ao fim do jogo porque, no mundo real, o progresso da turma de Parzival é observado por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn). Ele é o CEO de uma mega empresa chamada Innovative Online Industries (IOI), que faz de tudo para vencer o jogo. Sorrento, cujo avatar no OASIS é um versão psicótica de Clark Kent, tem milhões de dólares à disposição e contrata um verdadeiro batalhão dos jogadores mais capacitados do planeta para vencer o jogo por ele. Ao adquirir o OASIS, o executivo pretende tomar posse do espírito, mente e alma dos habitantes do planeta.

Usando de forma brilhante a computação gráfica, que se conecta de forma orgânica ao live action, Jogador Nº1 trafega pela nostalgia por tempos que não voltam mais, comenta nossos temores atuais e mas ainda revela que existe alguma esperança para um futuro melhor. É difícil falar de um filme como este sem revelar spoilers ou estragar as melhores surpresas, mas basta dizer que a narrativa se apoia em comentários sobre o diretor John Hughes (um cineasta que, como Spielberg, deu o tom, a alma e o espírito aos anos 1980), recria a atmosfera do horror O Iluminado (de Stanley Kubrick, outro herói de Spielberg) e tem como ponto focal a resolução de jogos do Atari.

O personagem mais intrigante é o de Halliday, vivido pelo sempre excelente Mark Rylance. Ele aparece em cenas de flashback e amarra a narrativa como um avatar de videogame chamado Anorak. Fica a impressão de que Halliday é uma espécie de alter ego de Spielberg, ou então, do amigo George Lucas. Afinal, eles são homens que criaram mundos de fantasia que transcenderam gerações, faixas etárias e nacionalidades.

Jogador Nº1 é a Sessão da Tarde perfeita. Spielberg captura a nostalgia dos velhos tempos e a atualiza para esta atualidade complexa sem parecer cínico ou irônico. Visualmente, o longa é um deslumbre; o OASIS parece uma Comic-Con banhada á ácido. Como acontecia nos filmes da década de 1980, os desajustados e têm um coração de ouro e triunfam, apesar dos “caretas” se colocarem na frente. Neste futuro distópico criado por Spielberg, a cultura pop parece ser a única salvação.

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