Ame ou odeie, a singularidade boba de Taika Waititi é quase impossível de ser criticada
Peter Travers / Rolling Stone EUA Publicado em 16/10/2019, às 15h51
É primavera para Adolf Hitler e a vida é bela. Pelo menos para Johannes “Jojo” Betzler, um menino alemão de 10 anos que foi completamente doutrinado pela Juventude Hitlerista. Isso até ele descobrir que a mãe dele esconde uma menina judia em casa e, boom, a vida dele vira de cabeça para baixo.
Isso é, em essência, a trama de “Caging Skies,” livro de 2008 escrito por Christine Leunens que tem semelhanças com o enredo (mas não com o tom de) Jojo Rabbit, o filme polarizador mas potencialmente engraçado criado pelo diretor e escritor Taika Waititi, baseado no livro. Se você conhece o trabalho único desse cineasta (vide: Thor: Ragnarok, Hunt for the Wilderpeople e o mocumentário O Que Fazemos nas Sombras), você sabe que humor é a forma favorita de expressão dele.
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Você vai rir, você vai chorar - de vez em quando, ao mesmo tempo. Mas ame ou odeie Jojo Rabbit, é praticamente impossível criticar o método ousado. Acrescentar gracinhas aos horrores nazistas com certeza não estragaram Primavera para Hitler de Mel Brooks, e nem Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. E A Vida é Bela, de Roberto Benigni, ganhou um Oscar mesmo usando o Holocausto para puxar cordinhas emocionais.
No Toronto Film Festival, no qual Jojo Rabbit estreou no último mês, a critica pesada sobre o mix escancarado entre piadas e sentimentos não impediu o filme de ganhar o People’s Choice Award, frequentemente um prenúncio do Oscar (como, em 2018, com Green Book: O Guia). Nossa sugestão: vá na de Waititi. Mesmo com um tropeção aqui ou outro ali, ainda vale a pena seguí-lo.
Waititi imediatamente se distingue da seriedade ao trazer uma abertura ridícula dos Beatles cantando um cover em alemão de “I Wanna Hold Your Hand” enquanto filmagens de documentário do Partido Nacional-Socialista saúdam o governo. Jojo, interpretado por Roman Griffin Davis em uma das melhores performances já feitas por criança, não apenas faz parte da Juventude Hitlerista; ele pensa em Fuhrer como amigo, um pai distante e amigo imaginário com quem ele pode falar de sentimentos. E com Waititi, um judeu polinésio que se auto-escalou como Hitler, o líder do Terceiro Reich vira piada rápida e frequentemente.
Em um acampamento nazista para crianças, Jojo é instruído pelo caolho Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell) e os minions dele, interpretados majoritariamente por Rebel Wilson e Alfie Allen. Mesmo que o menino encontre um melhor amigo no rechonchudo Torki (magnificamente interpretado por Archie Yates), Jojo será sempre um deslocado.
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Humilhado quando uma granada machuca as pernas e braços, Jojo vira piada do acampamento de treinamento militar infantil quando não consegue estrangular um coelho para provar sua masculinidade - daí o apelido Jojo Rabbit, como coelho, em inglês.
O povo ri dos nazis desde 1940, quando Charlie Chaplin interpretou o ficcional Adenoid Hynkel of Tomania em O Grande Ditador. Mas um argumento persistente contra Jojo Rabbit é que ele não oferece nada de novo pela sua condenação fraca de tiranos. Com o antissemitismo crescente, assim como outros discursos de ódio, a mensagem subversiva e atemporal do filme com certeza poderia ser repetida.
Com o pai no front na Segunda Guerra Mundial, a responsabilidade por Jojo fica toda em cima da mãe Rosie, Scarlett Johansson, que traz uma atuação de complexidade e sentimentos incomum. Rosie fica claramente amedrontada com a retórica nazista de seu filho. Em uma cena, os dois passam por uma fila de judeus enforcados. A resposta do menino - um “eca” infantil” - é uma lição de como a negação é ensinada para além de crianças. Mas Rosie não ousa dizer nada por medo de ser presa pela Gestapo, personificada sinistramente por Stephen Merchant. Integrante secreta a resistência, Rosie esconde em casa uma adolescente judia, Elsa Korr (Thomasin McKenzie, de Leave no Trace).
Quando Jojo descobre a menina, escondida atrás de uma parede falsa do quarto de sua irmã falecida, ameaça-a como se ela fosse um monstro cheio de chifres, igual aos desenhados por ele em um livro feito para agradar o Fuhrer. Chamado de “Yoo-hoo, Judeu,” o livro é uma paródia infantil do pior da humanidade. Hitler, claro, fica deliciado. Mas quando Jojo se aproxima - e até fica apaixonadinho - de Elsa, a consciência pesa, levando o ditador imaginário a ter chiliques e também a uma nova vida para a mente.
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Mesmo que a resolução da crise seja previsível, o humanismo em Waititi traz intimidade e uma paixão inegável a todo passo da jornada do garoto até a empatia. O filme, que fica menos cômico e mais delicado conforme ruma para a conclusão, talvez não chegue a ser maravilhoso, mas não chega ao sentimentalismo. Com a ajuda profissional do cineasta Mihai Malaimare (The Master) e do compositor Michael Giacchino (Os Incríveis), o autor anda em corda bamba com uma destreza peculiar.
Elsa diz a Jojo o quanto sente falta da liberdade para poder dançar, uma lembrança de uma época antes do horror velado parar a música.
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É um objetivo modesto. Mas é nos momentos singles em que Jojo Rabbit alcança seu maior impacto. A fé de Waititi na noção que uma criança vai nos guiar para fora da ignorância pode ser inocente. Também afeta muito. De outra maneira, não é a verdade a primeira casualidade da doutrinação, quer você viva na era da fake news ou não? As primeiras palavras da história de Leunens vêm à mente: “o grande perigo de mentir não é que a mentira é ‘não-verdade,’ e por isso irreais, mas que elas viram verdade na mente de outras pessoas.”
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