Álbum do guitarrista de Metá Metá e Passo Torto retrata a cidade de São Paulo entre guitarras sujas e a linguagem do samba
Lucas Brêda Publicado em 07/02/2017, às 14h51 - Atualizado às 19h47
Ao lado do coletivo de músicos conhecido como apenas como “núcleo” – ou “Clube da Encruza”, até que alguém dê um nome mais apropriado –, de nomes como Juçara Marçal, Rodrigo Campos, Rômulo Fróes, Thiago França, entre outros, Kiko Dinucci esteve envolvido em 30 discos lançados nos últimos cinco anos.
Só o guitarrista contribuiu com obras como Mulher do Fim do Mundo (Elza Soares, 2015) e Nó Na Orelha (Criolo, 2011). Mas um álbum só dele, até este mês, nunca havia saído. “Tem o Na Boca dos Outros [de 2009], mas são os outros que cantam, aí não vale como disco só meu”, comenta Dinucci. “Este é solo como nenhum antes.”
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Cortes Curtos – que saiu nesta terça, 7, com download gratuito no site do artista – emenda 15 velozes faixas em menos de 40 minutos, todas criadas a partir de 2011. “Na época eu fiz 40 músicas, porque saiu muito fácil, eu estava angustiado”, recorda. “Mudei de Guarulhos para São Paulo em 2008, estava assustado com a cidade. Ouvia Transformer, do Lou Reed, e imaginava um disco desses [só que] de São Paulo.”
O primeiro trabalho “solo” de Dinucci foi gravado em cerca de cinco dias no Red Bull Studio São Paulo e é uma coleção de crônicas sobre assuntos cotidianos – uma briga entre uma homofóbica e um xenófobo em um supermercado, uma paquera de Facebook – ou existenciais – um episódio de suicídio –, todos permeados por um tom político e ambientados na capital paulista.
Apesar de praticamente não dialogar sonoramente com Lou Reed, Cortes Curtos leva o “samba sujo” – como é conhecido o som do “núcleo” – para mais próximo do rock, incluindo a agressividade do punk e guitarras do post-rock. “Estava ouvindo muito protopunk, Stooges, MC5, Velvet Underground e ficava pensando: ‘Porra, vou fazer assim: a crônica do samba com a sonoridade punk, mas que seja mais puxado para o pós-punk”, tenta explicar o guitarrista, que cita influências de Paulo Vanzolini, Patife Band e Minutemen, e vê a aventura solo como um “acerto de contas” com o passado.
“O rock ficou careta, inofensivo, coisa de velho mostrando a língua. Isso qualquer bêbado do bairro faz!”, analisa ele, aos risos. “Foi quando comecei a ouvir samba, Nelson Cavaquinho, e me envolver com essa rebeldia. Vim de bandas de hardcore na adolescência e era inocente. A gente fazia uma letrinha de protesto, tocava em velocidade alta e ficava tipo: ‘Lute contra o racismo-ô-ô-ô!’ [Risos].”
Depois do terceiro disco bem-sucedido com o Metá Metá (MM3, um dos melhores de 2016), Dinucci lança um LP em que de fato tem voz final em todas as decisões, mas não sem a corriqueira ajuda. Sérgio Machado (bateria) e Marcelo Cabral (baixo e teclado) fazem a cozinha e vão acompanhá-lo em turnê, mas no álbum há contribuições de Juçara, França, Tulipa Ruiz, Ná Ozzetti e Rodrigo Campos, entre outros. “Minha carreira existe como esse cara que está no meio de um monte de gente, que faz um monte de parcerias”, diz.
“Não acho minha voz bonita, nem que canto bem ou seja afinado, e isso sempre me fez evitar [os microfones]”, confessa Dinucci, que assume todos os vocais do trabalho. “Mas gosto de cantar e canto minhas coisas, umas vezes mais grave e em outras mais gritado. Pessoas como João Gilberto e Chet Baker me inspiram muito: você ser um não-cantor, mas que deixa sua marca ali de forma original.”
Ouça o disco e, abaixo, assista a vídeos com performances de duas músicas de Cortes Curtos e a um documentário sobre o trabalho.
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